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Tabelas de Honorários - Sua Ilegalidade
 

O Conselho Superior aprovou o parecer elaborado pelos colegas do nosso Distrito Judicial Dr. Carlos Guimarães, como Relator e Dr.ª Marta Ávila, como Relatora-Adjunta e que considera ilegal a fixação de tabelas de honorários para os Serviços prestados pelos Advogados.

Chama-se a especial atenção dos Colegas para as gravosas consequências que podem advir da infracção às regras da concorrência, tal com vêm sendo interpretadas.




Processo de Parecer nºPAR/1/2006

Ass: Tabelas de Honorários das Comarcas

 

 

 

 

PARECER

 

 

 

Por despacho do Sr. Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 03.01.2006, foi distribuído o presente processo, para emissão de parecer relativamente às Tabelas de Honorários das Comarcas, invocadas cada vez com mais frequência, não só como justificação da quantificação dos serviços prestados pelos advogados, mas também como relação directa com o critério estatutário praxe do foro e estilo da comarca, e ainda relativamente à sua legalidade, face ao quadro legislativo actual.

 

Cumpre apreciar:

 

I. A origem das Tabelas de Honorários:

 

Uma resenha histórica deste tema revela que já o direito romano, cujo mandato se presumia gratuito, determinava que a fixação dos honorários devia ter em conta, para além da qualidade ou natureza do litígio, o engenho do advogado e os estilos do foro e do tribunal. Estas regras passaram para as Ordenações Afonsinas, onde se estipulou que aos advogados cabiam apenas os salários do estilo do foro[1]. Porém, e no que às tabelas de honorários se refere, a controvérsia das tabelas mínimas deu origem a previsão legal, tendo estas sido expressamente proibidas nas Ordenações Manuelinas.[2]

Esclarece-se, contudo, que enquanto as Ordenações Afonsinas apresentam uma maior ligação com as tabelas de honorários máximos, as Ordenações Manuelinas mencionam, sobretudo, as de mínimos[3].

Em 1867, Código Civil de Seabra estabeleceu, no seu art. 1359º, que o exercício do mandato enquanto profissão lucrativa reconhecia ao advogado salário do estilo no respectivo auditório, além das despesas. E a questão das tabelas, ao que parece motivo de discussão desde sempre, mereceu referência, logo nos primeiros anos da vigência daquele diploma, no Código Civil Anotado do Professor José Dias Ferreira, na sua edição de 1872, em anotação àquele normativo. Aí se deixou exposto, a este propósito, que “Não entrou no pensamento do legislador o marcar tabela de preços para o serviço dos advogados e dos procuradores, nem similhante tabella seria possível.”[4]

Por outro lado, no âmbito do Estatuto Judiciário, quer de 12.04.1928 (seja na sua versão inicial, seja nas alterações que lhe foram introduzidas), quer de 11.04.1962, embora as tabelas de honorários não constem de qualquer norma, nem a elas exista qualquer especial referência, designadamente nos artigos atinentes aos honorários[5], certo é que a sua licitude foi defendida pela maioria dos Pareceres do Conselho Geral relativos a esta questão[6]. Isto, não obstante terem chegado a ser consideradas desprestigiantes e mesmo contrárias à lei.[7]

Ou seja, pelo menos desde as Ordenações que, na quantificação dos honorários, há legislação que manda atender ao estilo do foro (Ordenações), do auditório (CC de 1867) do tribunal (foro) ou da comarca (Estatuto Judiciário).   

No entanto, e conforme reduz Cunha Gonçalves, no seu Tratado de Direito Civil[8], a verdade é que não existe, em nenhuma comarca portuguesa, o dito estilo ou praxe. E esclarece “nem é possível havê-lo, a exemplo da tabela de serviços clínicos, que estabelecem os médicos (…). cada advogado tem a sua tabela própria.”

Ora, as tabelas de honorários das comarcas surgiram e foram reguladas, pela primeira – e única – vez, no art. 2º, nº3 do primeiro Regulamento dos Laudos de Honorários, aprovado em Sessão do Conselho Geral de 14.07.1989[9].

Sucede que não voltaram a ser mencionadas em nenhum dos RLH seguintes que, portanto, deixaram de as prever, numa clara intenção do legislador de as abolir ou, no mínimo, de lhes retirar ou atenuar a importância.

Contudo, e mesmo na vigência do RLH de 1989, estas eram meramente orientadoras ou indicativas, nunca tendo sido, portanto, factor decisivo, ou sequer taxativo para a fixação dos honorários.

E tanto é assim que Vital Moreira fez notar que “Nenhum dos estatutos das corporações profissionais lhes confere competência em matéria de honorários. (…) Mas, mesmo sem lei, algumas delas têm tabelas de honorários, que, apesar de simplesmente indicativos, não deixam de suscitar desde logo um problema de legalidade, dada a falta de credencial legislativa.” [10]

 

                Por parecer do Conselho Geral, aprovado em sessão de 22.07.1998[11], foi deliberada a emissão de parecer autónomo sobre a legalidade e admissibilidade das tabelas de honorários, em função da legislação nacional e comunitária, o que, porém, até hoje não foi feito. Em consonância, foi ainda deliberado oficiar todos os Conselhos Distritais e Delegações da Ordem dos Advogados para que “cautelarmente, e até emissão do referido Parecer, qualquer dos referidos Órgãos se abstenha de aprovar ou de promover a aprovação das referidas Tabelas.”

            Apesar desta comunicação, remetida directamente pelo Conselho Geral da O.A. às Delegações, o certo é que algumas delas fizeram tábua rasa desta orientação, tendo aprovado, em data posterior, novas tabelas, certificando-as, inclusive, para efeitos de junção aos processos de laudos.

 

II. A actualidade:

 

Importa, para a emissão do presente parecer, proceder à integração desta questão no quadro legal actual, comunitário e nacional.

Assim:

 

A. O quadro Comunitário

 

De iure constituto

 

Com a adesão de Portugal às Comunidades Europeias (CEE, Euratom e CECA), em 1986, e de acordo com o art. 8º da Constituição da República Portuguesa, as normas dos tratados comunitários passaram a vigorar na nossa ordem interna.

            Assim sendo, o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (TCE), na actual versão, que lhe foi dada pelo Tratado de Nice, estabeleceu a criação de um mercado comum, de uma união económica e monetária, com aplicação de políticas e acções comuns, sendo que tais normas e objectivos vinculam, também, Portugal.

            Foram, assim, criadas regras comuns de concorrência, fiscalidade e aproximação das legislações dos Estados-Membros, com realce para os arts. 81º e 82º do Tratado CE, que estabelecem as regras de concorrência. E para a sua execução surgiu, inicialmente, o Regulamento nº17/62[12] e, posteriormente, o Regulamento nº1/2003[13]. De acordo com o princípio da primazia do direito comunitário sobre o direito nacional, estas duas normas sobrepõem-se a qualquer legislação, regulamentação ou preceito nacional de qualquer outro tipo que determine o seu contrário. Até porque, face ao efeito directo do art. 81º, nº1, que cria direitos na esfera jurídica dos particulares, estes podem fazê-los valer nas próprias jurisdições nacionais.

Ora, acontece que, no âmbito do direito comunitário, não existe qualquer norma que proíba expressamente a existência de tabelas de honorários, embora tal resulte das normas gerais supra referidas e do seu princípio subjacente.

 

De iure constituendo

 

            1. Os Relatórios da Comissão Europeia

 

1.1. A Comissão Europeia, cujas competências estão definidas no art. 211º do Tratado CE, versão do Tratado de Nice, e de entre as quais se destaca “velar pela aplicação das disposições do Tratado bem como das medidas tomadas pelas Instituições, por força deste e formular recomendações ou pareceres”, apresentou, em Comunicação da Comissão, de 25.02.2004, o Relatório sobre a Concorrência nos Serviços das Profissões Liberais.

Neste âmbito, lançou aos Estados-Membros, às profissões liberais e aos organismos reguladores, apelo à revisão e/ou eliminação da imposição de preços, bem como quaisquer outras restrições que obstem à concorrência, salvo quando justificadas por razões de interesse público. E dirigiu-a, concretamente, de entre outros profissionais, aos advogados.

 

1.2. Em 05.09.2005, aquela Comissão apresentou, no seguimento do mencionado relatório, uma nova comunicação, sob o tema Serviços das Profissões Liberais – Possibilidades de Novas Reformas. Nas suas conclusões é atribuído especial destaque ao peso da tradição sobre estas questões, tendo-se realçado que “as próprias profissões liberais não têm, na sua generalidade, apoiado a mudança de forma activa”.[14]

E apontado caminhos a seguir, afirma:

“Uma vez que a regulamentação restritiva é significativa neste sector e que se repercute a nível nacional, compete às autoridades nacionais responsáveis pela regulamentação e às organizações profissionais introduzir as alterações necessárias, tomando devidamente em conta as especificidades de cada profissão em cada país.”[15]

Acrescenta significativamente: “Dada a importância deste sector para a economia da EU, a Comissão convida os Estados-Membros a introduzirem a modernização das regras aplicáveis às profissões liberais nos seus programas nacionais de reforma.”[16]

 

2. As críticas do Conseil des Barreaux Européens –  CCBE

 

O CCBE elaborou diversos comentários, a ambos os relatórios, sendo que, já em Novembro de 2005, por referência ao relatório da Comissão, de 05.09.2005, apresentou uma relevante conclusão. Com efeito, realçando a abertura da profissão jurídica a qualquer processo de reforma razoável, fez notar, contudo, que tais alterações deverão ser desenvolvidas por entidades competentes, dentro do quadro legal relevante, e após o recurso a apropriados instrumentos de análise.

A sua discordância com um apelo generalizado aos governos europeus, de modo a levar a cabo, sem qualquer outra justificação, reformas na profissão jurídica, é manifesta. Na verdade, o CCBE sublinha, a propósito, que “As questões levantadas em relação à regulação da profissão/actividade jurídica vão muito para além do direito da concorrência, penetrando no campo da liberdade, segurança e justiça e, mais alargadamente, na protecção do domínio da lei na União Europeia. Uma abordagem construtiva da reforma da profissão jurídica requer o reconhecimento deste contexto especial.”

Adverte ainda para o facto de que a sugestão da Comissão não tem apoio no interesse público, ou nas análises económicas, as quais demonstram que as meras regulações são passíveis de gerar efeitos negativos na sociedade.

 

B. O quadro Nacional

 

As normas gerais

            Entre nós, estabelece o art. 81º, al. f) da CRP, que “Incumbe prioritariamente ao Estado, no âmbito económico e social, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral.”

            Com a finalidade de dar cumprimento a tais objectivos constitucionais foi publicado o DL 422/83, de 3 de Dezembro, que introduziu um verdadeiro regime jurídico da concorrência na nossa ordem jurídica. As exigências de adaptação do ordenamento português aos desenvolvimentos económicos nacionais, comunitários e internacionais impuseram a sua substituição pelo DL 371/93, de 29 de Outubro, que fixou um regime geral da defesa e promoção da concorrência. A Lei nº18/2003, publicada em 11.06.2003, veio revogar tal diploma, passando a regular o regime jurídico da concorrência.

 

1. O Advogado enquanto profissional liberal

 

Posto isto, é imprescindível averiguar da aplicação desta lei aos profissionais liberais e, em concreto, aos advogados.

Com efeito, dispõe o seu art. 1º, nº1 que “A presente lei é aplicável a todas as actividades económicas exercidas, com carácter permanente ou ocasional, nos sectores privado, público e cooperativo.” Isto, “Sob reserva das obrigações internacionais do Estado Português, a presente lei é aplicável às práticas restritivas da concorrência e às operações de concentração de empresas que ocorram em território nacional (…)”, cfr. o nº2 daquela disposição.

Enquanto que o art. 2º define a noção de empresa, o seu nº1 estipula que, para efeitos desta lei, se considera empresa “qualquer entidade que exerça uma actividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de funcionamento.”

A este respeito interessa mencionar o ponto 68 do Relatório da Comissão, de 09.02.2004, do qual resulta que “os membros das profissões liberais, desde que não sejam empregados, exercem uma actividade económica uma vez que prestam, serviços remunerados, num determinado mercado”.

 

2. A Ordem dos Advogados enquanto associação pública

 

No quadro geral da concorrência e das decisões da Alta Autoridade da Concorrência – a quem compete assegurar o respeito pelas regras inerentes/reguladoras* (deste) a este tema, – assume relevância a posição e estatuto assumido pela O.A.

Assim, enquanto associação pública profissional, esta reveste natureza mista, sendo, pois, pública do ponto de vista da prossecução de atribuições públicas, conforme o disposto no art. 1º, nº1 do EOA; e privada, na perspectiva da representatividade dos seus membros, enquanto profissionais inscritos.

Como é sabido, de entre as suas várias atribuições, a O.A. tem por objectivo garantir as condições do exercício da profissão de Advogado, nomeadamente, através da regulamentação da actividade profissional, destacando-se ainda a representação, bem como a defesa dos interesses da profissão, o que fundamenta os seus poderes regulamentares e disciplinares.

Adianta o Professor Rogério Soares a este propósito: “Se tem de aceitar-se que o Estado possa regular a actividade profissional criando uma corporação pública, isso tem de implicar que esta figura da Administração mediata [a Ordem dos Advogados] fique sujeita às mesmas prescrições constitucionais que valeriam para ele.”[17]

Deste modo, a O.A. defende os interesses dos seus associados, o interesse da própria profissão, do seu bom nome e prestígio, sem poder esquecer ou contender com a realização/prossecução do interesse público[18].

Efectivamente, através de uma devolução de poderes do Estado, as ordens e associações profissionais, enquanto associações públicas formadas por membros de profissões liberais, regulam e disciplinam o exercício da respectiva actividade profissional. E isto, dado que se reconhece implicitamente que interesses públicos concretos são, muitas vezes, mais eficazmente prosseguidos quando o são por particulares interessados, unidos em associações. É, então, destacada, de uma entidade pública de fins múltiplos, a prossecução de tal interesse.

 

E, sendo as ordens profissionais entidades de direito público, estão, como tal, sujeitas ao direito administrativo.

 

3. Os destinatários das normas nacionais e comunitárias da concorrência

 

            Em conclusão do que supra se deixou exposto, esclarece-se que são destinatários das normas referentes à concorrência os agentes económicos empresariais, qualquer que seja o seu estatuto jurídico.

            Assim é pois os profissionais liberais, na qualidade de profissionais independentes, são, para este fim, equiparados a empresas, enquanto que as associações profissionais nas quais estão inseridos são equiparadas a associações de empresas.

            Este entendimento de ordem ou associação profissional enquanto associação de empresas, é sustentada, não só pela letra da lei, mas ainda por várias decisões condenatórias, nacionais e comunitários.

Em todo o caso, este conceito de empresa foi já reconhecido, na jurisprudência comunitária[19], de onde se citam, entrem outros, os acórdãos proferidos no caso Hofner e Elser, em 23.04.1991, processo nºX-41/90[20]; no caso Wouters, de 19.02.2002, processo nºC-309/99[21]; e ainda nos casos CNSD, de 30.03.2000, processo nºT-513/93[22] e 8.06.1998, processo nºC-35/96[23]; e Pavlov, de 12.09.2000, processo nºC-180/98[24].

 

Adianta-se, assim, que este entendimento é, actualmente, pacífico, tendo-se por definitivamente assente.

 

4. Decisões condenatórias de associações profissionais, por fixação de preços mínimos

 

4.1. Decisões comunitárias

 

A exemplo de condenações comunitárias de associações, identifica-se a decisão 93/438/CEE, de 30 de Junho – CNSD dos Despachantes Alfandegários Italianos[25], e a decisão 95/188/CE, de 30 de Janeiro, dos Agentes Imobiliários Espanhóis[26].

           

            4.2 As decisões nacionais[27]

 

Entre nós, a Alta Autoridade da Concorrência tomou já várias decisões, traduzidas na aplicação das regras da concorrência europeias aos serviços profissionais organizados em ordens.

E a respectiva fundamentação prende-se, como se viu, com a equiparação, para efeitos de aplicação dessa precisa legislação, de uma ordem profissional a uma associação de empresas, “sempre que actue em representação dos seus membros, determinando regras ou comportamentos no quadro da sua actividade económica”, como refere aquela entidade, no seu Comunicado nº9/2005, de 6 de Setembro, onde, além do mais, ilustra com um exemplo: “(ex. fixação de tabelas de honorários)”.  

Por conseguinte, no quadro nacional, e no que concerne às concretas ordens profissionais, enquanto associações públicas, tem sido seguido e, logo, aplicado um conceito amplo de decisão de associação, quer pelo Conselho da Concorrência, que precedeu a Alta Autoridade, no qual se têm englobado, não apenas as normas estatutárias dessas associações, mas ainda quaisquer decisões ou recomendações tomadas com base nessas normas, ou tão simplesmente alcançadas pelo seu quadro geral.

            Note-se que na decisão proferida por aquele Conselho, no processo 2/2002, que condenou a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas pela prática de fixação de honorários mínimos, se entendeu que aquela associação pública “agiu com dolo (se não directo, pelo menos necessário)”, uma vez que, tratando-se de uma associação profissional, sobre ela impende “um especial dever de se informar quanto à existência das proibições decorrentes das normas que tutelam a concorrência”[28]. Esta condenação foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 05.02.2002, proferido no processo nº7050/001, 5ª Secção[29], embora com base em mera negligência da conduta.

            Cita-se, pela sua actualidade e relevância, um excerto da sentença proferida, em 09.03.2001, pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, no âmbito do recurso da dita contra-ordenação[30]:

            “Há que fazer sentir à CTOC, aos TOC’s em geral e a todos os outros profissionais liberais, com preponderância crescente na economia portuguesa, que os acordos sobre preços não são necessários para garantir a ética, a dignidade profissional, a reputação da profissão em geral, a competência profissional ou a qualidade das prestações.

            A promoção da dignidade de qualquer profissão liberal não passa seguramente pela atribuição de honorários mínimos e muito menos pela sua consagração no respectivo código deontológico.

            A fixação de honorários mínimos não garante de per si a qualidade dos serviços prestados, mas antes a inspecção e a responsabilização dos profissionais prevaricadores.

            A eventual repressão da concorrência desleal entre profissionais liberais pode ser e é assegurada por outras vias diversas da fixação dos honorários mínimos.”

           

Assim, e segundo uma organização cronológica:

 

a) A primeira decisão do anterior Conselho da Concorrência relativa a profissões liberais foi a citada condenação da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, proferida em 16.11.2000, confirmada pelo acórdão da Relação de Lisboa, de 05.02.2001.

 

b) Já a Alta Autoridade da Concorrência proferiu a sua primeira decisão por violação das normas internacionais da concorrência, estabelecidas no Tratado CE, ao abrigo do novo regime descentralizado de aplicação das regras da concorrência comunitárias, instituído pelo Regulamento 1/2003, apenas em 2005.

Com efeito, através do comunicado nº7/2005, de 12 de Julho, intitulado Fixação de honorários por parte de uma Ordem profissional, a Alta Autoridade da Concorrência fez pública a condenação da Ordem dos Médicos Veterinários ao pagamento de uma coima, do valor de 75.935,00€, acompanhada da cessação imediata das normas do Código Deontológico referentes à fixação de tabelas de honorários mínimos e consequente revogação das normas e tabelas, além da publicitação desta decisão junto dos respectivos associados. Esta decisão assentou na violação, por aquela ordem, de tais legislações, quando determinou que os ordenados dos seus membros deveriam ser fixados com base, não só na regulamentação vigente, mas ainda nas tabelas de preços mínimos elaboradas de acordo com as recomendadas pelo Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários.

 

c) A esta decisão seguiu-se, quase imediatamente, a dimanada por aquela entidade reguladora independente, em 29.08.2005, relativamente à Ordem dos Médicos Dentistas, e divulgada pelo comunicado nº8/2005.

Uma vez mais, em causa esteve a existência de tabelas de honorários, mínimos e máximos, tendo a Alta Autoridade entendido, desta feita, que “A fixação de preços mínimos configura uma forma séria e das mais graves de restrição da concorrência”.

Assim, foi aquela ordem condenada no pagamento de uma coima de 160.181,00€, além da cessação imediata e da revogação das normas deontológicas inerentes a esta questão, bem como a revogação de quaisquer tabelas de honorários, com a publicitação da execução das medidas determinadas por aquela decisão.

 

d) Do mesmo modo, muito recentemente, a Autoridade da Concorrência condenou a Associação dos Agentes de Navegação de Portugal, decisão que foi divulgada pelo comunicado nº1/2006;[31], numa coima de 195.000,00€, por fixação de preços, bem como ordenou a cessação imediata da aprovação e divulgação de tabelas de preços máximos, com a publicitaçaõ desta medida junto dos seus associados.

 

e) Ora, estas últimas decisões da Alta Autoridade da Concorrência, directamente relacionadas com as profissões liberais, as ordens profissionais, e as tabelas de honorários, e que determinaram a proibição de fixação de tabelas de preços – mínimos e/ou máximos – foram, pela sua importância, objecto de um esclarecimento, por parte daquela entidade, divulgado pelo comunicado nº9/2005, de 6 de Setembro.

Este comunicado foi precedido por outro, o comunicado nº4/2004, de 30 de Abril, sobre Práticas empresarias relativas a formas diversas de fixação/recomendação de preços, margens de comercialização e/ou outras condições de transacção, no qual se alertaram os agentes económicos, bem como os consumidores.

Assim, informando quais as proibições, sua razão de ser e legislação aplicável, com indicação dos destinatários da lei, refere expressamente que “vem, assim, alertar os consumidores e os profissionais liberais de que as tabelas de preços fixadas por ordens profissionais são ilegais.”

E foram apontadas, por aquela Autoridade, diversas razões para a proibição de preços mínimos, cuja fixação limita a autonomia das empresas, além de impedir que os operadores económicos pratiquem preços mais baixos, concorrendo, assim, entre si. É ainda frisado o facto de privarem os consumidores de adquirir um bem ou serviço ao melhor preço, e de reforçarem, artificialmente, os obstáculos ao acesso de novos concorrentes que, deste modo, e em função do preço, são impedidos de concorrer.

No que à proibição de fixação de preços máximos diz respeito, tem-se por certo que tal prática favorece o alinhamento dos preços, por forma a que o preço máximo pode tornar-se na regra. Esta fixação restringe ainda a concorrência, ao permitir uma previsão do preço máximo dos concorrentes, além de funcionar como desincentivo à inovação e ao oferecimento de bens ou serviços de qualidade superior.

As normas estatutárias

 

Dispõe o art. 100º, nº1 do Estatuto da Ordem dos Advogados que “Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.” E adianta o seu nº3 que “Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.”

Assim, os requisitos ou factores valorativos determinantes para a quantificação dos honorários são, única e exclusivamente, os previstos neste normativo, subordinados a um princípio geral de adequação dos honorários. Este artigo veio substituir o anterior 65º, pelo qual, e numa perspectiva de moderação, os honorários deviam ser fixados mediante uma ponderação global de certos critérios orientadores. Assim, determinava que seria de atender “…ao tempo gasto, à dificuldade do assunto, à importância do serviço prestado, às posses dos interessados, aos resultados obtidos e à praxe do foro e estilo da comarca.”

 

Além destas normas, e não obstante as constantes do RLH nº40/2005, de 20 de Maio, e das menções que figuram na Portaria 240/2000, de 3 de Maio[32], nenhuma existe que preveja, quer expressa, quer indirectamente, tabelas de honorários. Daí que estas não tenham qualquer valor, designadamente para a fixação de honorários, ou sequer como elemento de referência para a sua quantificação e, até, em sede posterior, para a apreciação dos mesmos, em parecer de laudo.

 

A actual aplicação das tabelas

 

Como bem referiu o Dr. Carlos Candal, em comunicação ao I Congresso Nacional dos Advogados, realizado em 1973, subordinada ao tema Advocacia, Honorários, Tabelas, etc.[33], “Sempre se considerou, todavia, que a fixação de «máximos» salariais aos advogados é atentatória da liberdade da profissão. Aliás, também as tabelas de «mínimos» sofrem críticas, embora de outra ordem, e não parecendo bastantes para justificar o seu repúdio: permitem manobras de concorrência desleal (cobrar remuneração inferior ao mínimo bitolado) e há tendência para considerar os valores aí indicados não como mínimos, mas como fixos e invariáveis.” [34]

A actualidade deste comentário tem sido regularmente constatada, nos processos de laudos, pela própria argumentação dos advogados que, contudo, esquecem ou parecem esquecer que hoje as tabelas de honorários, quer de máximos, quer ainda de mínimos, não têm consagração ou sequer expressão legal que as sustente.

Este facto não tem obstado a que sejam, ou continuem a ser indicadas por eles indicadas, até como elemento integrador do conceito indeterminado subjacente ao critério praxe do foro e estilo da comarca, do art. 65º da precedente versão do nosso Estatuto, e como elemento integrante do actual critério demais usos profissionais, constante do novo art. 100º, nº3.

 

Sucede que a directa referência às tabelas, a que se tem assistido, torna claro que os factores valorativos estabelecidos pela norma do EOA que trata os honorários não têm sido tomados em consideração ou, quando muito, têm tido um relevo secundário ou indirecto na determinação/quantificação dos honorários dos mandatários judiciais.

Ora, esta relação directa, normalmente estabelecida entre praxe do foro e estilo da comarca e tabelas de honorários mínimos das comarcas é incorrecta, devendo, portanto, ser desvalorizada. Até porque os advogados adquirem ou têm, normalmente, a experiência necessária para fixar os seus honorários sem que tenham de se socorrer a tabelas ou valores de honorários recomendados, para quantificar os serviços prestados.

Com efeito, os honorários mínimos de uma comarca, expostos numa tabela, não podem ser demonstrativos dessa praxe ou estilo, pois, quando muito, serviriam apenas de limite mínimo, como preço mínimo recomendado por certos serviços, o que, como tal, não pode significar ou sequer implicar uma correspondência com os preços usualmente praticados nessa zona.

Acresce que a praxe do foro e estilo da comarca não é, nem pode ser, determinada pelas tabelas que, a valerem, apenas poderiam constituir uma mera orientação ou referência, atento, até, ao próprio significado das palavras praxe – o que se pratica habitualmente[35]  – e estilo – costume.[36]

 

Uma nota final para esclarecer que, não estando legalmente previstas as tabelas, estas não podem, obviamente, contender com a legislação nacional e/ou comunitárias da concorrência. E, deste modo, estas não têm qualquer razão para colidir, nem com normas estatutárias, designadamente as relativas aos honorários, nem tampouco com os princípios deontológicos orientadores.

            Não se ignoram as preocupações expressas no VI Congresso da OA, de 17 de Novembro de 2005, mais concretamente nas suas conclusões publicadas no Boletim da Ordem dos Advogados[37] , mas como supra se referiu, não chega, sequer, a verificar-se colisão.

           

III. Conclusões:

 

1. Sem prejuízo da prevalência das exigências e princípios deontológicos sobre considerações económicas, e bem assim da necessidade de a afirmar, sempre que se justifique, designadamente perante os órgãos comunitários, as normas nacionais e comunitárias da concorrência são aplicáveis aos advogados, enquanto profissionais liberais e à respectiva Ordem; e isto porque

2. Para efeito de aplicação da legislação da concorrência, o profissional liberal – advogado, no caso – é equiparado a empresa, enquanto que a respectiva associação profissional – a Ordem dos Advogados – é equiparada a associação de empresas, ao actuar em representação dos seus membros, v.g. através da determinação de regras e/ou comportamentos respeitantes à retribuição dos serviços prestados; daí que

3. O art. 4º, nº1, al. a) desta Lei 18/2003, de 11 de Junho proíbe práticas consertadas entre empresas, que tenham por objecto a restrição da concorrência, nomeadamente que se traduzam em fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do mercado, induzindo, artificialmente, quer a sua alta quer a sua baixa;

4. Tal proibição não contraria as exigências e princípios deontológicos fundamentais;

5.Consequentemente, a O.A., designadamente através das suas delegações, não pode aprovar tabelas de honorários, quer sejam mínimos, quer sejam máximos, dado que estas tendem, à partida, a impedir a livre fixação dos valores correspondentes aos serviços prestados, subvertendo as regras de concorrência;

6. Assim sendo, e porque tais tabelas são contrárias à legislação actual e aos seus princípios subjacentes, terão que considerar-se nulas – sob pena de infracção e condenação da O.A. – devendo, por conseguinte, ser revogadas e retiradas das Delegações, e bem assim dos escritórios dos advogados que as tenham afixadas.

 

            Somos, assim, de parecer que as tabelas de honorários, mínimos ou máximos, são ilegais, com as consequências acima indicadas.

 

            Caso o presente parecer seja aprovado, no âmbito das competências previstas no art. 43º, nº1, als. e) e f) do EOA, deve, para sua imediata execução, ser comunicado aos órgãos da O.A., nomeadamente ao Conselho Geral, aos Conselhos Distritais e às Delegações.

 

À próxima sessão do plenário.

 

Coimbra, 8 de Fevereiro de 2006

 

O Relator

 

(Carlos Guimarães)

 

A Relatora-Adjunta

 

(Marta Ávila)



[1] Livro I, Título XXXXIII, § 11º

[2] Livro I, Cap. XXXXVIII, nº31

[3] Valério Bexiga, Lições de Deontologia Forense, ed. 2005, pgs. 255 e 258.

[4] Vol. III, pg. 382.

[5] Arts. 756º (versão original), 557º (alteração de 1945) e 584º (redacção de 1962).

[6] Parecer de 23.01.1947, in ROA, Ano 7º, nºs 1 e 2, pg. 421, Parecer de 17.11.1949, in ROA, Ano 9º, nºs3 e 4, pg. 496.

[7] Parecer de 22.11.1957, in ROA, Ano 20º, pg. 124 e Parecer de 10.03.1961, in ROA, Ano 22º, pg. 122.

[8] Vol. VII, 1933, pg. 508.

[9] “Pode a assembleia de comarca ou, quando esta não exista, o conjunto dos advogados de uma comarca estabelecer, com objectivos orientadores, tabelas de honorários com valores médios que definirão a praxe e estilo da comarca.”

[10] Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Almedina, 1997, pg. 294.

[11] Processo nºE-48/98

[12] Este regulamento instituiu um sistema de controlo centralizado, segundo com o qual os acordos susceptíveis de restringir e afectar o comércio entre Estados-Membros para beneficiarem de uma isenção, deviam ser notificados à Comissão.

[13] Este regulamento destina-se a assegurar um respeito mais efectivo das regras de concorrência comunitárias, no interesse dos consumidores e das empresas, com base na aplicação descentralizada das regras da concorrência e reforço do seu controlo a posteriori.

[14] Ponto 25 daquela Comunicação.

[15] Ponto 26 daquela Comunicação.

[16] Ponto 26 daquela Comunicação.

[17] RLJ, Ano 124, pg. 268.

[18] “…não pode converter-se num meio de privilegiar a defesa dos interesses de grupo sobre o interesse público e de transformar as ordens em cartéis legais.”, Vital Moreira, As ordens na ordem, artigo de

opinião publicado na edição do jornal “Público”, de 20 de Dezembro de 2005.

[19] http://europa.eu.int/eur-lex/pt – Portal para o Direito da União Europeia.

[20] Colectânea de Jurisprudência de 1991, pg. 01979.

[21] Colectânea de Jurisprudência de 2002, pg. 01577.

[22] Colectânea de Jurisprudência de 2000, pg. 01807.

[23] Colectânea de Jurisprudência de 1998, pg. 03851.

[24] Colectânea de Jurisprudência de 2000, pg. 06451.

[25] Jornal Oficial das Comunidades Europeias, nºL203, de 13.08.1993, pg. 27.

[26] Jornal Oficial das Comunidades Europeias, nºL122, de 02.06.1995, pg. 37

[27] www.autoridadedaconcorrencia.pt

[28] Proc. nº2/2000, in DR, II Série,, nº200, 29 de Agosto, Anexo C4, pg. 14.749 a 14.752.

[29] Relator: Dr. Santos Rita.

Recurso de contra-ordenação nº3/2001, do Tribunal de Comércio de Lisboa.

[31] Desta comunicação não consta, nem a sua data, e nem a data da respectiva decisão

[32] Publicitação dos preços.

[33] ROA, Ano 33º, nºs3 e 4, pgs. 445 a 494.

[34] Op. cit., pg. 490 e 491.

[35] Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo

[36] Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo

[37] Boletim OA nº39, pg 17



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