Documentos raros da Biblioteca

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Gazeta da Associação dos Advogados de Lisboa. Lisboa: Typographia Sousa & Filho, Typographia de Christóvão Augusto Rodrigues, 1873-1908.

 




 

Fundada em 1838, a Associação dos Advogados de Lisboa divulgou durante largos anos as suas actividades nas páginas da Gazeta dos Tribunaes (publicada entre 1841 e 1871) e nos Annaes da Associação dos Advogados de Lisboa (publicados intermitentemente entre 1857 e 1918).

Em 1873, sob a presidência de Manuel Maria Ferreira da Silva Beirão (1805-1893), teve início, a publicação de um novo periódico: a Gazeta da Associação dos Advogados de Lisboa.

No número inaugural da Gazeta, Paulo Midosi (1821-1888), Secretário Perpétuo da Associação dos Advogados de Lisboa, justificava assim o aparecimento da nova publicação: “É mister pois que n’esta athmosphera (…) onde se respira o ar do pensamento livre, o advogado, entre nós, não acabe victima d’uma atrophia intellectual e que sua gloria possa vencer o seu egoismo – não se limitando a viver para si, mas tambem e principalmente para os outros (…) Foi n’este sentido que a Associação se resolveu a publicar a sua Gazeta (…) Dir-nos-hão – que a qualquer se dá a liberdade de fallar; entretanto os juizes habituaram-se a não ouvir ou a ouvir com enfado e ás vezes impaciencia (…) Expira, portanto, a palavra antes de sair dos labios do advogado portuguez (…) Matar a palavra – é amesquinhar a intelligencia. E para que o advogado portuguez, ao avesso dos advogados de todos os paizes, não seja a estatua do silencio – se não tem a palavra no Tribunal, fique-a tendo liberrima n’este jornal”.

 



 

Este primeiro número da Gazeta da Associação dos Advogados de Lisboa, saído dos prelos da Tipografia Sousa & Filho, na Rua do Norte, Lisboa, em Outubro de 1873, para além do já mencionado editorial da autoria do Secretário Perpétuo, incluía:
- Sessão Solene da Associação dos Advogados, realizada em 8 de Outubro de 1873, na qual consta o discurso do Sócio Eduardo Alves de Sá, intitulado “Do estado actual da sciencia do Direito Civil”;
- Sinopse da doutrina estabelecida pelos Acórdãos inéditos do Supremo Tribunal de Justiça.
Constituindo-se como órgão oficial da Associação dos Advogados de Lisboa, a Gazeta divulgou nas suas páginas, entre 1873 e 1908, as principais actividades e documentos institucionais, designadamente conferências, sessões solenes, elogios históricos e relatórios anuais. Foram, igualmente, publicadas recensões bibliográficas e de legislação estrangeira, bem como uns valiosos “Apontamentos para a historia da Associação dos Advogados de Lisboa”, da autoria de Francisco Beirão. Entre estes, consta o interessante caso do “casamento do carrasco” que deu brado na sociedade portuguesa de meados do século XIX e no qual a Associação dos Advogados participou através de inflamados debates.

Em 1842, estando ainda em vigor no nosso país a pena de morte, era carrasco em Lisboa José António Simões, assassino condenado à forca e cuja pena fora comutada em prisão perpétua na condição de exercer o ofício de carrasco, tal como veio a suceder. Contudo, o carrasco Simões viria a apaixonar-se por uma jovem com quem pretendia casar, colocando-se a questão da legalidade de tal casamento dado que continuava a cumprir uma pena de prisão perpétua, estando em causa o gozo dos seus direitos civis.

 



 

A este respeito, escreveu Francisco Beirão na Gazeta da Associação dos Advogados: “n’esse tempo o mister de algoz não era a ociosa sinecura em que, mais tarde, a blandicie dos nossos costumes o trasformou. Com effeito n’esse anno de 1842 as estatisticas officiaes dizem que por quatro vezes houve o carrasco de exercer a sua tremenda missão (…) José António Simões, para escapar á morte, decidiu-se a matar, para ganhar a vida offereceu-se a roubal-a aos outros. Era pois o carrasco digno do seu vil officio (…) assassino particular tornou-se em assassino publico”. E continuava, referindo-se à pretensão matrimonial do carrasco de Lisboa: “Este paria social (…) sentiu brotar no coração o mais puro e o mais santo de todos os sentimentos (…) e a amada era, no dizer dos jornaes da época, mulher ainda na flôr da edade e não desfavorecida de formusura (…) Logo que o publico houve noticia da pretenção do carrasco, levantou-se vivissima discussão (…) nas salas e nas praças, nas conversas particulares e nos comicios publicos, nos clubs e nos jornaes, abriam-se discussões acaloradas (…) era a ordem do dia e da noute como diriamos em estyllo parlamentar de hoje. A questão versava ácerca de um ponto de capacidade civil, não podia pois furtar-se a ella a Associação que se votára ao estudo dos problemas juridicos. Uma consulta proposta pelo então presidente originou os debates e deu principio á serie de conferencias brilhantissimas que ainda hoje são paginas gloriosas da historia da Associação dos Advogados”. Por fim, concluía Francisco Beirão: “passando-se á votação foi approvado o parecer, isto é, que a prisão, inherente ao officio de carrasco, era caução e não pena, por 15 votos contra 12. Em toda esta discussão (…) revela-se além da superioridade e illustração dos combatentes, a nobre generosidade dos seus sentimentos e a invejavel confraternidade em que todos conviviam. Não se poupavam argumentos (…) e singular coincidencia! – acontecia que homens separados profundamente em politica se congregavam n’um ponto, manifestando opinião egual e com egual calor e eloquencia. Este ponto foi o da pena de morte, contra a qual liberaes e legitimistas se levantaram com a mesma convicção. Evidenciou-se assim que a inviolabilidade da vida humana não é divisa de um só partido, mas principio absoluto que todos devem professar, e que deve ser respeitada tanto na mais absoluta monarchia, como na mais democratica republica”.

 



 

A Gazeta da Associação dos Advogados de Lisboa foi publicada com uma periodicidade irregular. A Biblioteca da Ordem dos Advogados conserva no seu acervo os volumes correspondentes aos anos de 1873-1874 (1.º ano), 1874-1875 (2.º ano), 1875-1876 (3.º ano), 1894-1895 (4.º ano), 1895-1896 (5.º ano), 1896-1898 e 1907-1908 (8.º ano).

No decurso dos trinta e cinco anos de publicação da Gazeta, integraram a respectiva Comissão Directiva vultos marcantes da advocacia portuguesa da época, como Vicente Rodrigues Monteiro, Alberto Morais de Carvalho Júnior, Paulo Midosi, Francisco Veiga Beirão, Henrique Midosi e Frederico Augusto Franco de Castro.

De um modo geral, os diversos volumes desta publicação periódica, existentes na Biblioteca da Ordem dos Advogados, encontram-se em bom estado de conservação. Não obstante, algumas folhas apresentam manchas de acidez e dobras, assim como pequenas lacunas e rasgões.

 





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