Na verdade, ficou definitivamente resolvida a dúvida sobre se o dever de comunicação previsto na norma tanto era exigível quando o Advogado iniciava o patrocínio como representante do autor, requerente ou recorrente, como quando o Advogado representava o réu, requerido ou recorrido.
Agora, face à expressão “antes de intervir” (por contraposição à anterior, “antes de promover”), a questão fica resolvida no sentido de que se deve proceder à comunicação em qualquer dos casos, como, aliás, era já entendimento maioritário da jurisprudência da Ordem dos Advogados.
Por outro lado, ficou esclarecido, na letra da lei, que o dever de comunicação ocorre antes da intervenção “em procedimento disciplinar, judicial ou de qualquer outra natureza”, acolhendo a interpretação extensiva que se vinha efectuando no domínio do pregresso EOA, onde apenas se referia “diligências judiciais”.
O dever plasmado no artigo 91º do EOA encontra a sua ratio, essencialmente, no princípio da solidariedade profissional, previsto no artigo 106º do EOA e no próprio Código de Deontologia dos Advogados Europeus, o qual deve estar presente quando um Advogado disponibiliza os seus serviços jurídicos contra interesses de outros Advogados (ou de Magistrados).
Na sua génese, o artigo 91º do EOA estará, essencialmente, ligado à salvaguarda dos valores de solidariedade, cordialidade, urbanidade e honorabilidade, na preocupação de, prevenindo o Colega contra o qual se propõe agir, ser-lhe dada a oportunidade para se trocarem esclarecimentos e explicações e, se possível, evitarem-se litígios nas instâncias competentes, mediante a eventual composição de interesses por via consensual.
O artigo 91º do EOA deverá ser entendido como um verdadeiro dever, que tem subjacente o respeito e a consideração pelo Advogado contra quem se poderá vir a litigar, evitando que este seja surpreendido com uma qualquer pretensão contra si dirigida com o concurso do patrocínio de outro Colega.
Em suma, quando um Advogado se proponha assumir o patrocínio de um cliente contra outro Colega em questão de qualquer natureza (e já não apenas quando esteja em causa uma diligência judicial), está obrigado a comunicar-lhe (em regra previamente e por escrito) a sua intenção, com as explicações que entenda necessárias.
A questão que se suscita reside em saber se, atenta a ratio do dever legal em causa, que acima se procurou sucintamente elucidar, será de incluir no âmbito dos destinatários desse dever de comunicação prévia as Sociedades de Advogados?
O EOA, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, o Regime Jurídico das Sociedades de Advogados (RJSA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro e a Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores – Lei n.º 49/2004, 24 de Agosto, apontam no sentido de que as Sociedades de Advogados não praticam actos de advocacia nem aceitam ou exercem o mandato. É o Advogado, individualmente considerado, quem pratica actos de advocacia e quem aceita e exerce o mandato forense.
Este princípio, que é próprio do direito continental e diverge do sistema anglo-saxónico, resulta da parte final do artigo 4º do RJSA – “a capacidade das sociedades de advogados abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes ao exercício em comum da profissão de advogado, exceptuando aqueles que lhes sejam vedados por lei ou os que sejam inseparáveis da personalidade singular”.
E é corrobado pelo disposto no n.º 7 do artigo 5º do RJSA, o qual preceitua que o mandato conferido a apenas algum ou alguns dos sócios de uma sociedade de advogados não se considera automaticamente extensivo aos restantes sócios.
Também do n.º 6 do artigo 5º do RJSA, decorre que é o Advogado, individualmente considerado, que é constituído por procuração forense e aquele apenas deve indicar na procuração forense a sociedade de que faça parte.
A Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores estabelece, no n.º 1 do seu artigo 1º, que apenas os Advogados podem praticar actos próprios da profissão.
Em conclusão, parece assim evidente que as Sociedades de Advogados não praticam actos de Advocacia.
Chegados a este ponto, coloca-se uma outra questão, qual seja a de saber se as Sociedades de Advogados estarão ou não sujeitas aos princípios deontológicos consagrados no EOA.
A resposta é-nos dada directamente pelo n.º 2 do seu artigo 203º, o qual, dada a sua importância, aqui se transcreve:
“As sociedades de advogados estão sujeitas aos princípios deontológicos constantes do presente Estatuto, que devem igualmente ser observados nas relações internas entre sócios e associados”.
Decorre, portanto, da mencionada norma legal, que a observância dos deveres deontológicos é exigível quer da Sociedade de Advogados, enquanto pessoa colectiva, quer, naturalmente, dos Advogados que a integrem, individualmente considerados.
A referida norma legal consagra, assim, o princípio de uma deontologia uniforme, independentemente do tipo de exercício de advocacia, individual ou societária, que é praticada.
Embora, a nosso ver, de forma redundante, face à consagração expressa do princípio geral da deontologia uniforme, o mencionado princípio é também aflorado, em matéria de informação e publicidade, no n. º 5 do artigo 89º, e em matéria de conflito de Interesses, no n.º 6 do artigo 94º .
É igualmente este princípio geral da deontologia uniforme que justifica que as Sociedades de Advogados estejam vinculadas ao dever de sigilo.
Ninguém põe em causa que a Sociedade de Advogados está vinculada ao dever de guardar sigilo profissional, por exemplo, quanto aos documentos que se encontram em dossiers de clientes seus. Nesses dossiers poderão estar memorandos de consultas, documentos com instruções fornecidas pelo cliente, registos de informações orais, documentos referentes a apontamentos de estratégias de defesa, tudo documentos cobertos pelo sigilo profissional, de acesso absolutamente reservado e com proibição de revelação, a não ser que esta seja autorizada, nos termos do n.º 4 do artigo 87º do EOA ou ordenada, nos termos do artigo 135º do Código de Processo Penal ou do artigo 519º do Código de Processo Civil.
Veja-se o seguinte exemplo.
Imagine-se que uma Sociedade de Advogados é sujeita a uma inspecção tributária e necessita de juntar documentos constantes de um dossier de um cliente seu de modo a que a administração tributária possa aferir da veracidade das declarações de impostos apresentadas pela Sociedade em causa e/ou apurar e fixar outros valores tributáveis.
O dever de sigilo que recai sobre a Sociedade de Advogados em causa impede-a de fornecer os elementos necessários à administração tributária sem a necessária autorização prévia.
É igualmente o princípio de uma deontologia uniforme que impõe que uma Sociedade de Advogados esteja vinculada ao princípio da proibição da angariação ilícita de clientela.
E é, precisamente, o princípio da deontologia uniforme que justifica e impõe que se considere as Sociedades de Advogados incluídas entre os destinatários do dever de comunicação prévia previsto no artigo 91º do EOA.
A interpretação enunciativa, com base num argumento de identidade de razão (“a pari”), do preceito legal constante do artigo 91º do EOA permite-nos chegar a esta conclusão.
Como já referimos supra, a ratio do dever legal em causa assenta, essencialmente, no princípio da solidariedade profissional, da cordialidade, da urbanidade e da honorabilidade entre Advogados, visando evitar os litígios contra Colegas, procurando-se uma composição consensual dos interesses em conflito.
E, quando um Advogado se propõe exercer o patrocínio contra uma Sociedade de Advogados, não importará, também nestes casos, salvaguardar a solidariedade profissional e a cordialidade entre Advogados?
Ou seja, a ratio legis subjacente ao preceito legal em causa não justificará a sua aplicação também às Sociedades de Advogados?
Parece-nos, evidentemente, que sim.
O evoluir dos tempos, a diversificação dos ramos de direito, a necessidade premente de especialização profissional, evidenciam, cada vez mais, novas fisionomias do modo de exercício da profissão, cada vez menos individualizado e cada vez mais organizado colectivamente.
As Sociedades de Advogados têm hoje personalidade jurídica própria e ganham, progressivamente, uma configuração institucional, portadora de uma valia autónoma em relação ao somatório dos Advogados que a cada momento as integram.
As Sociedades de Advogados são hoje uma instituição que existe com vida e imagem próprias, que, inexoravelmente, se organizaram de modo empresarial, não obstante continuarem a respeitar os princípios deontológicos que caracterizam a actividade dos seus profissionais, sob pena de, assim não se entendendo, se desvirtuar a essência própria da advocacia.
E a proliferação das Sociedades de Advogados tem implicado uma espécie de impessoalidade do Advogado: muitas vezes a menção qualitativa dos serviços advocatícios passa a ser feita por referência à Sociedade de Advogados e não por referência a Advogados individualizados.
Mas, a nosso ver, é precisamente a propósito do cumprimento de deveres deontológicos da natureza dos prescritos em normas como aquela que se contém no artigo 91º do EOA, em situações em que o destinatário seja uma Sociedade de Advogados, que essa impessoalidade deverá ceder em homenagem ao princípio da unidade essencial do código deontológico profissional que rege o exercício da advocacia.
Na verdade, essa relativa impessoalidade não deve afastar, nestes casos, o cumprimento do comando contido no artigo 91º do EOA. Os princípios da solidariedade, da cordialidade, da urbanidade e honorabilidade que devem nortear o exercício da profissão, desenvolva-se ele de forma individual ou societária, assim o exigem.
É que, consabidamente, por detrás da Sociedade, existe (pelo menos) um representante legal e que esse representante legal é um Colega de profissão.
E será, também aqui, exigível que, por uma questão de respeito e consideração, se avise esse Colega de profissão de que será deduzida uma qualquer pretensão ou exercida intervenção em procedimento contra a Sociedade da qual é aquele sócio.
É, portanto, exigível que, mesmos nestes casos, o Advogado dirija a comunicação imposta pelo artigo 91º do EOA ao legal representante da Sociedade de Advogados, ou “aos sócios” da Sociedade ou, apenas e tão só, à “Sociedade de Advogados X”.
O que permitirá que a Sociedade de Advogados em causa tenha conhecimento de que se irá agir contra ela, permitindo-se, ao mesmo tempo, que, caso assim entenda, preste os esclarecimentos e explicações que tenha por pertinentes, de modo a que, se possível, se evite um litígio nas instâncias competentes.
Pelo exposto, entendemos que caso o Advogado se proponha assumir o patrocínio de um cliente no âmbito da sua defesa em processo disciplinar laboral, estará vinculado, em princípio antes de iniciar a sua intervenção, a dar cumprimento ao disposto no artigo 91º do EOA, sempre que entidade empregadora seja um Advogado (individualmente considerado) ou um conjunto de Advogados que exerçam a sua actividade profissional em associação, revista-se esta ou não da forma de Sociedade de Advogados.
Impõe-se uma nota final, decorrente da interpretação que propugnamos da norma em apreço, no que respeita à eventual relevância disciplinar resultante da inobservância do dever ali prescrito, nos termos latos que resultam da conclusão que aqui se alcançou.
Sustentou-se, efectivamente, que o dever de comunicação prévia às Sociedades de Advogados resulta de uma interpretação enunciativa do preceito constante do art.º 91.º do EOA. Na verdade, a regra alcançada por via desta interpretação não está ínsita na fonte interpretada, antes se traduz em regra nova, resultante de um processo lógico que permite revelá-la a partir de uma regra (distinta) pré-dada.
Assim sendo, forçoso é concluir, em sede disciplinar e por via da observância estrita do princípio da legalidade, especificamente no que respeita ao princípio da tipicidade das infracções, que a hipotética inobservância do dever que acima sustentámos vigorar não poderá dar lugar a responsabilização disciplinar do faltoso, porquanto tal dever não decorre do teor literal do art.º 91.º do EOA, nem sequer por via de interpretação extensiva.
Este é, s. m. o., o nosso parecer.
CONCLUSÕES:
1. O artigo 91º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, sob a epígrafe “Patrocínio contra advogados e magistrados”, preceitua o seguinte: “O advogado, antes de intervir em procedimento disciplinar, judicial ou de qualquer outra natureza contra um colega ou um magistrado, deve comunicar-lhes por escrito a sua intenção, com as explicações que entenda necessárias, salvo tratando-se de procedimentos que tenham natureza secreta ou urgente”.
2. A nova redacção introduzida pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro veio definitivamente acabar com algumas dúvidas interpretativas que se suscitavam na vigência do artigo 88º do EOA de 1984.
3. Na verdade, ficou definitivamente resolvida a dúvida sobre se o dever de comunicação previsto na norma tanto era exigível quando o Advogado iniciava o patrocínio como representante do autor, requerente ou recorrente, como quando o Advogado representava o réu, requerido ou recorrido.
4. Agora, face à expressão “antes de intervir” (por contraposição à anterior, “antes de promover”), a questão fica resolvida no sentido de que se deve proceder à comunicação em qualquer dos casos, como, aliás, era já entendimento maioritário da jurisprudência da Ordem dos Advogados.
5. Por outro lado, ficou esclarecido, na letra da lei, que o dever de comunicação ocorre antes da intervenção “em procedimento disciplinar, judicial ou de qualquer outra natureza”, acolhendo a interpretação extensiva que se vinha efectuando no domínio do EOA revogado, onde apenas se referia “diligências judiciais”.
6. Em suma, quando um Advogado se proponha assumir o patrocínio de um cliente contra outro Colega em questão de qualquer natureza (e já não apenas quando esteja em causa uma diligência judicial), está obrigado a comunicar-lhe (em regra previamente e por escrito) a sua intenção, com as explicações que entenda necessárias.
7. O princípio da deontologia uniforme justifica e impõe que se considere as Sociedades de Advogados abrangidas entre os destinatários do dever de comunicação prévia previsto no artigo 91º do EOA.
8. Uma interpretação enunciativa, com base num argumento de identidade de razão (“a pari”), do preceito legal constante do artigo 91º do EOA, permite-nos chegar a esta conclusão.
9. Assim, caso o Advogado se proponha assumir o patrocínio de um cliente no âmbito da sua defesa em processo disciplinar laboral, estará vinculado, em princípio antes de iniciar a sua intervenção, a dar cumprimento ao disposto no artigo 91º do E.O.A., sempre que entidade empregadora seja um Advogado (individualmente considerado) ou um conjunto de Advogados que exerçam a sua actividade profissional em associação, revista-se esta ou não da forma de Sociedade de Advogados.
10. Impõe-se uma nota final, decorrente da interpretação que propugnamos da norma em apreço, no que respeita à eventual relevância disciplinar resultante da inobservância do dever ali prescrito, nos termos latos que resultam da conclusão que aqui se alcançou.
11. Sustentou-se, efectivamente, que o dever de comunicação prévia às Sociedades de Advogados resulta de uma interpretação enunciativa do preceito constante do art.º 91.º do EOA. Na verdade, a regra alcançada por via desta interpretação não está ínsita na fonte interpretada, antes se traduz em regra nova, resultante de um processo lógico que permite revelá-la a partir de uma regra (distinta) pré-dada.
12. Assim sendo, forçoso é concluir, em sede disciplinar e por via da observância estrita do princípio da legalidade, especificamente no que respeita ao princípio da tipicidade das infracções, que a hipotética inobservância do dever que acima sustentámos vigorar não poderá dar lugar a responsabilização disciplinar do faltoso, porquanto tal dever não decorre do teor literal do art.º 91.º do EOA, nem sequer por via de interpretação extensiva.
Notifique-se.
Lisboa, 12 de Abril de 2011.
A Assessora Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
O presente Parecer foi apreciado e votado na reunião plenária do Conselho Distrital de Lisboa de 27 de Abril de 2011, ali tendo sido aprovado por unanimidade.
Lisboa, 27 de Abril de 2011.
O Vogal do Conselho Distrital de Lisboa
(por delegação de poderes de 20 de Janeiro de 2011)
Paulo de Sá e Cunha
Sandra Barroso
Topo