Pareceres do CRLisboa

Consulta 6/2011

Consulta n.º 6/2011

Sigilo Profissional


Requerente: -Juízo de Execução de Lisboa


Assuntos: Sigilo Profissional


CONSULTA


Por requerimento que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia xx de xx de 2011, com o nº- , veio o Mmº Juiz da - Secção do -º Juízo de Execução de Lisboa, no âmbito do processo aí pendente com o nº ----, e atento o teor do art. 24º do articulado de contestação à oposição à execução à apresentada, remeter certidão dos “articulados de oposição à execução e de contestação à oposição à execução e dos documentos nºs 7, 8, 9, 10, 12, 13 e 15 juntos com aquele primeiro articulado (referidos no supra referido art. 24º), [….] ao Senhor Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogado, a fim de o mesmo se pronunciar se:

a) A matéria em causa está a coberto do segredo profissional;

e, na afirmativa, 

b) Foi objecto de prévia autorização para revelação nos termos do nº4 do art. 87 do Estatuto da Ordem dos Advogados. 


PARECER


Desde logo, julgamos ser importante aqui delimitar o âmbito da questão, conforme se verifica trazida à nossa análise. Isto para, de um lado, circunscrever o nosso plano de análise e, de outro, orientar o entendimento a retirar da matéria analisada.


Sem prejuízo, também não será despiciente sublinhar que o entendimento a retirar não implica uma qualquer tomada sobre a posição e direitos invocados por qualquer das partes. Tal tarefa, por lei, encontra-se conferida ao Mmº Juiz. Ao Presidente do Conselho Distrital caberá apenas, face às competências legais que lhe estão conferidas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, pronunciar-se sobre a questão colocada – pela forma como o foi e tendo como presente apenas e somente os elementos que foram trazidos à sua análise.


Assim, decorre da leitura do art. 24º da Contestação à oposição à Execução deduzida nos autos, que a Exequente refere que os arts 21º, 22º, 23º, 24º, 27º, 33º e 34º da oposição “traduzem-se em correspondência através de cartas e emails entre os mandatários das partes e entre o mandatário da oponente e o exequente, que, por estarem cobertas pelo segredo profissional a que os Advogados estão adstritos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, não poderiam ser invocados ou juntos ao processo, pelo que o conteúdo dos Docs 7º, 8º, 9º, 10º, 12º, 13º e 15, ao incorporar factos que violam o segredo profissional não podem fazer prova em juízo, nos termos do nº5 do art. 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados.”


O teor do parecer a emitir terá, pois, como leitmotiv analisar o regime do sigilo profissional, tal como este presentemente tem consagração legal, e verificar se os acima referidos artigos e documentos estão cobertos por esse dever. Posteriormente estaremos, então, em condições de responder de forma sumária à segunda pergunta colocada pelo Mmº Juiz.


Ora, conforme se tem escrito sempre que os órgãos desta Ordem são chamados a pronunciar-se sobre os fundamentos e o alcance do instituto do sigilo profissional, caso ao Advogado não fosse reconhecido o direito de guardar para si, e só para si, o conhecimento de tudo quanto o cliente, directamente ou por via de terceiros, lhe confiou, ou não fosse obrigado a reservar a informação que obteve no exercício do mandato, então não haveria autêntica advocacia.


O mesmo se diga quanto a determinadas relações estabelecidas por Advogado com terceiros, ainda que em cumprimento do mandato conferido pelo respectivo cliente.


O segredo profissional representa destarte a blindagem normativa e a garantia legal inamovível contra as tentações de se obter confissão por interposta pessoa e contra a violação do direito à intimidade. É a garantia de existência de uma advocacia que para ser autêntica, tem de ser livre e independente.


Aliás, bem a propósito, o Dr António Arnaut, ilustríssimo Advogado, frisa esta ideia por nós também partilhada, ao escrever que “o dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade”.


Segundo entendimento já adoptado por anterior Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, existem três grandes ordens de razões que estão na origem da consagração estatutária do dever do Advogado guardar segredo profissional sobre factos e documentos, dos quais tome conhecimento no exercício da profissão:

“a) a indispensabilidade de tutelar e garantir a relação de confiança entre o Advogado e o cliente;

b) o interesse público da função do Advogado enquanto agente activo da administração da justiça;

c) a garantia do papel do Advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social.”


O segredo profissional é, pois, um direito e uma obrigação fundamental e primordial do advogado. É parte essencial da função do Advogado ser (i) o depositário dos segredos do seu cliente (e de certos terceiros com quem o Advogado entra em contacto no desempenho dos seus serviços) bem como (ii) o destinatário de informações baseadas na confiança. Ora, sem a garantia de confidencialidade não pode existir confiança. 


Nesta medida, pode-se ler no art. 87º do EOA, sob a epígrafe “Segredo Profissional” que:

“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;

e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo. 

2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

(…)”


Em primeiro lugar, diz-nos esta norma, no seu nº1 que “O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente (...)”. Sob a fórmula aqui encerrada, encontra-se aquela que é a regra geral do instituto jurídico-deontológico que ora analisamos. As demais regras previstas nas alíneas do nº1, do art. 87º, são sobretudo explicitações ou pormenorizações desse princípio geral, que terão sido incluídas no EOA para salientar situações mais marcantes ou de maior dificuldade de interpretação. O sentido da letra de tal disposição, bem como a utilização do advérbio “designadamente”, não deixam, a este propósito, grandes margens para dúvidas. Não obstante, trata-se, esta, de previsão legal que causa grandes problemas na procura do seu verdadeiro sentido. É que, se se compreende a consagração legislativa do segredo profissional, dada a sua importância fundamental para o exercício da Advocacia – como tivemos ocasião de realçar, já o mesmo não se poderá dizer da forma como essa consagração foi vertida em letra de lei. Em nossa modesta opinião não terá sido a redacção mais feliz, pois, uma leitura apressada, poderá levar à criação de equívocos. E porquê? Desde logo por, qualificar como sujeitos a sigilo “todos os factos” que cheguem ao conhecimento do Advogado no exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. Uma leitura meramente literal do preceito, sem olhar para a essência ou natureza do sigilo profissional, levaria a conclusões absurdas. Basta-nos ver que até os próprios factos transmitidos pelo cliente ao Advogado que fundamentam os seus direitos, com vista à sua invocação em Juízo, estariam sempre sujeitos a esta obrigação – necessitando o Advogado de previamente solicitar dispensa desta obrigação quando quisesse construir uma qualquer petição inicial. De facto, não parece ser isso o que a norma pretende.


Em nossa opinião são sigilosos aqueles factos, relativamente aos quais, que não sejam do conhecimento público, seja de concluir que quem os confiou ao Advogado, tinha um interesse objectivo, face à relação de confiança existente, em que se mantivessem reservados. Interesse objectivo que, por princípio, existirá, sempre que os factos dados a conhecer ao Advogado não o tenham sido com o expresso propósito de serem revelados a terceiros à esfera de protecção de confiança. E, recorde-se que, tal como atrás já adiantámos sumariamente, essa esfera de protecção poderá abranger não apenas os factos que um Advogado toma conhecimento por via do seu cliente, mas também nas relações estabelecidas com terceiros no desempenho do mandato ou mesmo que um Advogado actue em causa própria quando encete contactos com terceiros na simultânea qualidade de Advogado. 


O caso de negociações encetadas entre mandatários é uma situação paradigmática em que os factos revelados entre os mesmos (ou entre um Advogado e a outra parte, ainda que desacompanhada de mandatário) apresentam-se sujeitos a sigilo. Tenham elas malogrado ou não, tenham sido desenvolvidas em preparação ou execução de um contrato, ou com vista à resolução de um diferendo ou litígio entre as partes. Aliás, o art. 87º do EOA, parece-nos bem claro quanto a este aspecto. O que está aí em causa é a sujeição ao dever de sigilo profissional dos factos que um Advogado tenha tido conhecimento:

- Por lhe terem sido transmitidos pela contraparte ou respectivo representante durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio – al. e) do art. 87º. E isto independentemente de as negociações terem malogrado ou não, desde que subjacente esteja a tentativa de se chegar a um acordo para pôr termo a um diferendo ou litígio (judicial ou não). 

- No âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo - al. f) do art. 87º. E sublinhe-se que em tal situação não se exige que as negociações malogradas tenham por objecto um litígio processual pendente, abrangendo assim, quaisquer negociações, mesmo quando em execução de um contrato. Aliás, o pronome indefinido “quaisquer” utilizado pelo legislador não deixa grandes margens para dúvida quanto a tal interpretação. 


E mais se deverá acrescentar que estarão sujeitos ao sigilo, no decurso de negociações, todos os factos, seja qual for a fonte do respectivo conhecimento – cliente, co-interessado ou contraparte -, que sejam transmitidos entre os participantes nas negociações abrangidos pela esfera de protecção do sigilo.


Isto é de fácil explicação. Sem a imposição de um dever de guardar segredo profissional, dificilmente duas partes em litígio entabulariam negociações acompanhadas por Advogado.


Com efeito, a fase negocial é propícia à transmissão de posições entre as partes que não correspondem à convicção que elas têm sobre os respectivos “direitos”, mostrando-se dispostas a ceder em determinados pontos. Aparentam teses que, noutras circunstâncias seriam muito diferentes, pautando-se por critérios de conveniência e não estritamente jurídicos. Seria por isso inaceitável que tais posições e factos pudessem vir a ser utilizados em sede judicial.


Por outro lado, ainda que se chegue a acordo, ou se termine com a celebração de um contrato, as posições que foram sendo transmitidas entre as partes, que acabaram por não constar do acordo ou contrato, não poderão deixar de ser mantidas em sigilo. 


Façam-se, não obstante aqui três ressalvas: 

a) não nos parece que a norma estatutária, dentro dos seus objectivos, abranja as comunicações enviadas entre as partes, seja ou não por intermédio dos seus mandatários, que tenham um carácter meramente interpelatório, isto é, destinados apenas e somente a fazer marcar a posição, no plano do direito, do seu remetente, face ao destinatário. Mesmo durante negociações. É que faz parte da natureza deste tipo de comunicações serem produzidas tendo em vista a sua futura utilização perante terceiros, nomeadamente, perante autoridades judiciárias ou administrativas. Contudo, em determinadas circunstâncias haverá que reconhecer que poderá existir uma fronteira ténue entre uma missiva negocial e uma comunicação exclusivamente interpelatória. Bastará qualquer invocação de factos que caiam foram deste âmbito para a mesma poder vir a ser qualificada como sigilosa. E por isso, aconselha-se que, tratando-se de correspondência com esta natureza e objectivo, estas sejam subscritas directamente pelas partes. 

b) Não há no Estatuto da Ordem dos Advogados e demais legislação qualquer norma que proíba, sem mais, a divulgação de correspondência trocada entre mandatários, para além das situações previstas no art. 87º do EOA (e no art. 108º que, de qualquer forma, não é aplicável na presente questão). Assim sendo, apenas estará proibida a revelação desse tipo de correspondência quando no seu conteúdo constem factos abrangidos pelo sigilo. 

c) A actuação de um Advogado nos serviços que presta aos seus clientes é conduzida pela figura da representação e do contrato de mandato. Os actos praticados na execução dos serviços prestados são-no por conta do seu cliente e, em última medida, repercutem-se na esfera jurídica deste último. É um facto. Contudo, o Advogado, no exercício da profissão e desempenho do mandato, está adstrito a normas legais que o vinculam, em particular no plano deontológico. No caso da obrigação de guardar sigilo profissional, trata-se este de um dever legal que se impõe ao Advogado. E porque o regime legal instituído, acima de tudo, protege os factos abrangidos pelo sigilo e vincula o Advogado, a mera e simples narração ou articulação dos mesmos em sede processual, pela sua pena (ainda que em desempenho do mandato), com a indicação da intervenção de Advogados na questão, encontra-se-lhe vedada, salvo se tiver sido previamente dispensado para o efeito pelo Presidente do Conselho Distrital competente, conforme exige o art. 87º, nº4 do EOA.


Esclarecida a nossa linha de pensamento, julgamos estar em condições de responder à questão colocada.


Quanto a isto, somos da opinião que os arts 21º, 22º e 27º da Oposição à Execução, porquanto aludem a factos negociais, mencionando-se directa ou indirectamente a intervenção dos mandatários, quer como autores das missivas como por via da transcrição de partes dos documentos por estes subscritos, estarão sujeitos ao dever de sigilo.


Também somos da opinião que os documentos 7º, 8º, 9º e 10º estão cobertos pelo sigilo, dado o seu conteúdo negocial ou relacionado com as negociações em curso (que vieram a malograr e quanto às quais existe actualmente uma lide pendente).


O mesmo já não se passará face aos demais factos articulados nos restantes artigo e documentos juntos aos autos. Nos mesmos não é feita qualquer referência à intervenção dos Mandatários ou, sendo-o, julgamos que os factos têm uma natureza meramente interpelatória não sendo por isso sigilosos.


Diga-se, em acréscimo, que consultado o registo informático da Ordem dos Advogados, pelos serviços deste Conselho Distrital, não se logrou obter informação quanto a qualquer pedido de autorização de revelação de factos ou documentos que tenha dado entrada entre xx de xx de 2008 e a presente data, que haja sido subscrito pelo mandatário autor da Oposição à Execução, e que esteja relacionado com o processo judicial que actualmente corre termos na -ª Secção do -º Juízo de Execução de Lisboa, com o nº -.


Nestes termos, julgamos estar em condições de traçar as devidas e seguintes CONCLUSÕES:


1) Não consta nem resulta do teor do Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor uma proibição genérica de revelação de correspondência trocada entre Advogados;

2) Existe, sim, essa proibição, quando do seu teor decorram factos sujeitos a sigilo profissional – art. 87º, nº1 e 3 do EOA;

3) Nos termos da al. f) do art. 87º, nº1 do EOA, o Advogado está sujeito a esse dever de guardar sigilo quanto a “factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo Advogado”;

4) Os documentos 7º, 8º, 9º e 10º anexos à Oposição à Execução deduzida no processo judicial que actualmente corre termos na -ª Secção do -º Juízo de Execução de Lisboa, com o nº-, dado o seu conteúdo negocial ou relacionado com as negociações em curso (que vieram a malograr e quanto às quais existe actualmente uma lide pendente), estão cobertos pelo sigilo;

5) Os arts 21º, 22º e 27º do articulado mencionado na conclusão anterior, e porque também aludem a factos negociais, mencionando-se directa ou indirectamente a intervenção dos mandatários, quer como autores das missivas como por via da transcrição de partes dos documentos por estes subscritos, estão também eles sujeitos ao dever de sigilo. 

6) Mais se informa que, consultado o registo informático da Ordem dos Advogados, pelos serviços deste Conselho Distrital, não se logrou obter informação quanto a qualquer pedido de autorização de revelação de factos ou documentos que tenha dado entrada entre xx de xx de 2008 e a presente data, que haja sido subscrito pelo mandatário autor da Oposição à Execução, e que esteja relacionado com o processo judicial que actualmente corre termos na -ª Secção do -º Juízo de Execução de Lisboa, com o nº -. 


Lisboa, 30 de Maio de 2011


(O Assessor Jurídico do CDL)

Rui Souto 


Concordo e homologo o parecer anterior, nos preciso termos e limites aí fundamentados,


Lisboa, 30 de Maio de 2011


(O Presidente do CDL)

Vasco Marques Correia

Rui Souto

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