Consulta 8/2011 e Reapreciação
Consulta n.º 8/2011
Pedido de Escusa de Depoimento
Requerente: 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de
Assunto:
• Sigilo profissional
Consulta
Por ofício que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados em 10 de Março de 2011, com o nº -, veio o Exmo Sr Juiz de Direito do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de solicitar pronúncia sobre o pedido de escusa de depoimento como testemunha apresentado pela Sra Dra. A no âmbito do processo judicial que aí corre termos sob o nº -
O ofício referido vem acompanhado de copia do pedido de escusa, no qual é dito pela Sra Dra A o seguinte:
a) Que patrocinou, de Novembro de 2003 a Janeiro de 2008, o Sr B e outro, ora Réus, noutras duas acções;
b) Que depondo como testemunha iria violar o segredo profissional, a que está vinculada;
c) Que existe um manifesto conflito de interesses
Pelo que;
d) Ao abrigo dos arts 87º e 94º da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro (EOA), encontra-se impossibilitada de depor como testemunha.
Parecer
A título preliminar, nunca é de mais referir o carácter fundamental e verdadeiramente basilar, que a obrigação de segredo profissional reveste para o exercício da Advocacia.
Mais do que uma condição para o seu desempenho é, sobretudo, um traço essencial da sua própria existência. Sem o segredo profissional erigido em regra de ouro não existe, nem pode existir Advocacia. Assim o tem entendido a lei e a própria jurisprudência da Ordem dos Advogados.
A este propósito, o Dr António Arnaut, escreve que: “O dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, «condição sine qua non da sua plena dignidade. O cliente, ou simples consultante, deve ter absoluta confiança na discrição do Advogado para lhe poder revelar toda a verdade, e considerá-lo um «sésamo» que nunca se abre.”
O fundamento ético-jurídico deste dever, não está, no entanto, confinado à relação contratual estabelecida entre o Advogado e o seu Cliente. Bem, pelo contrário, e em larga medida, ultrapassa essa mera relação entre as partes. A prossecução da Justiça e do Direito, verdadeiros objectivos da profissão de Advogado, implicam que, necessariamente, qualquer pessoa que tenha de recorrer aos serviços de um Advogado, disponha de total confiança para que possa a este revelar os seus segredos, os seus interesses, sem qualquer receio de revelação dos mesmos a terceiros (revelação essa que, a ser permitida, poderia colocar esses mesmos interesses em causa).
Entendemos que o fundamento ético-jurídico do dever de guardar segredo profissional tem, pois, as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do Advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da Advocacia e na sua função de manifesto interesse público. Conforme é, aliás, jurisprudência constante da Ordem dos Advogados, e também nossa posição, o segredo profissional tem assim um carácter social ou de ordem pública e não natureza contratual.
Quanto ao seu assento legislativo o regime do segredo profissional encontra-se, em larga medida, previsto no art. 87º do E.O.A. O nº1 deste artigo contém aquilo que poderá caracterizar-se como a verdadeira pedra de toque deste instituto jurídico. Aí se pode ler que “O Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.”
A referida norma estabelece ainda uma série de alíneas que mais não são do que explicitações ou pormenorizações do princípio geral supra transcrito e que terão sido previstas para esclarecer determinadas dúvidas que possam surgir ou salientar as situações típicas do evidenciado dever, considerando-se como abrangido pelo sigilo:
“a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.”
Decorre também do corpo do art. 87º do E.O.A. que:
- O dever de guardar segredo profissional existe (i) quer o serviço solicitado ao Advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, (ii) quer deva ou não ser remunerado, (iii) quer o Advogado haja chegado a aceitar a prestação do serviço quer o não haja feito, (iv) quer o Advogado haja prestado efectivamente o serviço quer o não haja feito; e existe, também, em relação a todos os Advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção na prestação de serviços jurídicos em causa (n.º 2);
- O dever de guardar segredo profissional abrange documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos abrangidos por aquele (n.º 3);
- Não podem fazer prova em juízo as declarações feitas pelo advogado com violação de segredo profissional (n.º 5).
E apenas poderá o Advogado ser desvinculado do sigilo profissional a que se encontra sujeito quando tal “seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio Advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o Bastonário” (nº5 do art. 87º do E.O.A.). Sendo que, só o próprio Advogado, enquanto titular do dever de sigilo, tem legitimidade para requerer autorização para a sua dispensa.
Assim, se um Advogado for indicado como testemunha de factos de que teve conhecimento no exercício da profissão terá de, antes de mais, e se pretender depor sobre os mesmos, obter autorização por parte da Ordem dos Advogados para os revelar.
Não requerendo autorização ou não sendo esta concedida, o Advogado deverá escusar-se a depor sobre os factos sujeitos a sigilo profissional, de acordo com o estipulado nos Arts 618º, nº3 e 519º, nº4 do Código de Processo Civil (C.P.C.). Trata-se de um dever que se impõe ao Advogado não só por força do Estatuto (que só por si já tem força de lei), mas também da própria lei processual civil.
Contudo, manda a lei processual civil, no nº4 do enunciado art. 519º do C.P.C., aplicar com as adaptações necessárias impostas pela natureza dos interesses em causa o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade dessa mesma escusa. Matéria que é objecto de regulamentação no art. 135º do Código de Processo Penal (C.P.P.).
Conforme se pode ler no nº2 do art. 135º do C.P.P., “havendo dúvidas fundadas sobre a ilegitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.”
Ora, há que procurar saber, assim, e em primeiro lugar, o que se entende por legitimidade da escusa. Até porque a lei não a define. Somos de opinião que essa legitimidade apenas poderá estar ligada à existência, de factos que estão sujeitos a sigilo profissional. À existência ou não de um verdadeiro direito à escusa. Assim sendo, e caso após terem sido realizadas as diligências necessárias se conclua pela inexistência de sigilo poderá o Tribunal ordenar ou requerer a prestação do depoimento (art. 135º, nº2 do C.P.P. parte final).
Contudo, e tendo em consideração a escassez de elementos que foram disponibilizados, em sede da presente Consulta, a este Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, torna-se difícil dar uma resposta peremptória ao tribunal. E isto porque se não conhece o conteúdo das matérias às quais se pretende o depoimento da Sra Dra A.
Ainda assim, e tendo em conta o que se conhece – isto é, do teor do pedido de escusa de depoimento apresentado nos autos - , parece daí decorrer que a Sra Dra. A terá, noutros processos judiciais e serviços, patrocinado os agora réus na acção judicial em curso.
Sendo esse o caso caso, e verificando-se que as questões colocadas à Sra Advogada dizem respeito a matérias de que sejam do seu conhecimento em virtude da prestação dos seus serviços (de Advocacia) e não tenham carácter público, a sua escusa não poderá deixar de ser qualificada como legítima.
Quanto à questão do conflito de interesses também alegado pela Sra Advogada, não nos iremos pronunciar, uma vez que se desconhece em absoluto quais os fundamentos – porque não concretizados - que a Sra Advogada terá para, por essa razão, solicitar escusa de depoimento como testemunha.
Lisboa,
(O Assessor Jurídico do CDL)
Rui Souto
Consulta n.º 8/2011
Reapreciação
Pedido de Escusa de Depoimento
Requerente: 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de
Assuntos: Sigilo profissional
Consulta
Por ofício que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados em 12 de Maio de 2011, com o nº - , veio o Exmo Sr Juiz de Direito do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de - , na sequência do parecer anteriormente emitido pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados em 6 de Abril de 2011, informar que a “
autora pretende obter o depoimento da testemunha aos arts nºs 8º, 9º e 10º e se, ainda assim, mantém o parecer emitido (…)”
A questão colocada, tal como inicialmente o foi, prende-se em volta do pedido de escusa de depoimento como testemunha apresentado pela Sra Dra A no âmbito do processo judicial que corre termos sob o nº - no Tribunal Judicial de -
A fim de fundamentar o seu pedido de escusa, foi pela Sra Dra A fundamentado o seguinte:
- Que patrocinou, de Novembro de 2003 a Janeiro de 2008, o Sr. B e outro, ora Réus, noutras duas acções;
- Que depondo como testemunha iria violar o segredo profissional, a que está vinculada;
- Que existe um manifesto conflito de interesses
Pelo que;
- Ao abrigo dos arts 87º e 94º da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro (EOA), encontrar-se-ia impossibilitada de depor como testemunha.
Na nossa inicial decisão, concluímos por informar o Tribunal que “
tendo em consideração a escassez de elementos que foram disponibilizados, em sede da presente Consulta, a este Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, torna-se difícil dar uma resposta peremptória ao tribunal. E isto porque se não conhece o conteúdo das matérias às quais se pretende o depoimento da Sra Dra ª
Ainda assim, e tendo em conta o que se conhece – isto é, do teor do pedido de escusa de depoimento apresentado nos autos - , parece daí decorrer que a Sra Dra A terá, noutros processos judiciais e serviços, patrocinado os agora réus na acção judicial em curso.”
A informação agora apresentada pelo Mmº Tribunal vem apenas reforçar a nossa ideia. Com efeito, veja-se o teor dos quesitos ora indicados:
“8º
Nesse seguimento, foram remetidos à então mandatária dos réus na providência cautelar acima referida, cópia do documento junto aos presentes autos como nº6 e bem assim a memória descritiva do projecto apresentado no aludido processo camarário nº -..
9º
Tendo os réus sido expressamente advertidos para as alterações que iriam apresentar ao projecto que lhes remetiam.
10º
E só após analisarem aqueles documentos, mais concretamente as obras que o autor pretendia levar a cabo é que os réus, em 24.4.2004, elaboraram e assinaram uma declaração a autorizarem a realização das obras requeridas pelo autor no âmbito do processo de obras nº- da Câmara Municipal de - .”
Assim, tendo por presente as peças processuais que nos foram dadas a conhecer e por entendermos que os acima identificados e transcritos quesitos, analisados de forma cruzada com os fundamentos da escusa apresentados pela Sra Advogada, indiciam que o depoimento em causa dirá respeito a matérias de que serão do conhecimento desta em virtude da prestação dos seus serviços (de Advocacia), somos da opinião que a escusa deduzida nos autos é legítima.
Lisboa, 23 de Maio de 2011
(O Assessor Jurídico do CDL)
Rui Souto
Concordo e homologo o parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados.
Lisboa, 23 de Maio de 2011
(O Presidente do CDL)
Vasco Marques Correia
Rui Souto
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