Consulta 26/2011
Consulta n.º 26/2011
Requerente: Tribunal
Questão
Vem o Senhor Desembargador da Secção do Tribunal .. solicitar ao Conselho Distrital de Lisboa a emissão de parecer, nos termos e para os efeitos no disposto no n.º 4 do artigo 135º do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ao processo civil por força do disposto no artigo 519º do Código de Processo Civil (CPC).
O incidente de quebra do sigilo foi suscitado no âmbito do processo pendente no 3º Juízo do Tribunal Judicial ..., sob o n.º , quanto ao Senhor Advogado, Dr. A, arrolado como testemunha pela Autora.
Aquando da sua inquirição, o Senhor Advogado considerou-se “impedido de responder por estar adstrito ao sigilo profissional”.
Em sequência, a Autora suscitou o incidente de quebra do sigilo profissional por forma a que o Senhor Advogado preste depoimento com quebra do sigilo profissional em nome da prevalência do interesse preponderante.
O Tribunal competente para apreciar e decidir o incidente - vem agora, por força do regime legal aplicável, solicitar que o Conselho Distrital de Lisboa emita parecer nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 135º do CPC.
Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa
O Advogado está obrigado a guardar sigilo profissional quanto aos factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
A existência da obrigação de segredo profissional impede o Advogado de revelar os factos e/ou os documentos nos quais esses mesmos factos possam estar contidos.
Contudo, tal não significa que o dever de guardar sigilo seja absoluto.
Bem assim, existem casos em que o levantamento da obrigação de guardar sigilo profissional se poderá justificar.
Se tal não acontecesse, em situações obviamente excepcionais, elementares princípios de justiça correriam o risco de serem fortemente atingidos.
Para o efeito, estabelece a lei dois mecanismos que se diferenciam desde logo a propósito do sujeito que tem legitimidade para impulsionar o levantamento do segredo profissional:
- A dispensa de sigilo profissional, a qual é solicitada pelo Advogado detentor dessa obrigação ao Presidente do Conselho Distrital competente, sendo concedida, caso se considerem preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
- O incidente processual de quebra de sigilo profissional, mecanismo previsto no artigo 135º do Código de Processo Penal e também aplicável ao processo civil, por remissão do artigo 519º do Código de Processo Civil.
O incidente processual da quebra do sigilo profissional é suscitado junto do tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, sempre pelo juiz do processo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes.
Ora, quanto ao depoimento a prestar pelo Senhor Advogado, Dr. A, no âmbito do processo pendente no x Juízo do Tribunal Judicial de, sob o n.º .., já o Senhor Vice-Presidente do Conselho Distrital cessante proferiu despacho em xx de xx de 2011.
Entendeu-se, então, não estarem devidamente preenchidos os pressupostos legais para a concessão da dispensa da obrigação de guardar sigilo profisisonal.
E, tendo já havido um despacho de indeferimento do pedido de levantamento do sigilo profissional requerido pelo Senhor Advogado, Dr. A, detentor do sigilo, fica Senhor Advogado impedido de revelar os factos sigilosos (ainda que, porventura, contidos em documentos), sob pena de, inclusive, poder incorrer em responsabilidade disciplinar.
Contudo, a decisão proferida em 1ª instância pelo Presidente do Conselho Distrital ou, no caso concreto, pelo Vogal com competência delegada para o efeito, a qual já transitou em julgado, envolve discricionaridade técnica, insindicável pelos Tribunais.
Assim, existindo um despacho de indeferimento de dispensa do sigilo, não pode agora lançar-se mão do incidente de quebra do sigilo profissional, sob pena de, na prática, acabar por se estar a sindicar a decisão proferida pelo órgão a quem a lei atribui competência (exclusiva) nessa matéria.
E, no caso concreto, tendo o Senhor Advogado, Dr. A, solicitado, ele próprio, a dispensa do sigilo profissional ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 87º do EOA, poderá até colocar-se a questão (já mais de índole processual) de saber se o Tribunal (oficiosamente ou não) pode agora lançar mão do incidente de quebra de sigilo profissional, já que este tem como pressuposto a recusa expressa por parte do Advogado em depor sobre factos sigilosos, pressupondo aquela a inexistência de qualquer impulso por parte do Advogado detentor do sigilo junto do órgão competente – o Presidente do Conselho Distrital - para requerer a dispensa do sigilo, o que, no caso concreto, não se verifica.
Pelo exposto, entendemos que, no caso concreto, o incidente processual da quebra do sigilo profissional não é legalmente admissível por falta do seu pressuposto material.
Mas ainda que assim não se entenda, outra razão (formal) existe para que o Senhor Advogado, Dr. A, não possa ser ouvido no já mencionado processo judicial com quebra do dever de sigilo profissional.
É que, tanto quanto é do nosso conhecimento, o Senhor Advogado, Dr. A, iniciou o processo no âmbito do qual se pretende agora o seu depoimento com procuração junta aos autos.
Ora, tem-se considerado inaceitável autorizar um Advogado que esteja ou tenha estado constituído num determinado pleito a depor nesse mesmo pleito.
Apesar de tal proibição não constar de norma expressa, seria a completa subversão do sistema processual e altamente desprestigiante para a Advocacia admitir tal hipótese.
A doutrina refere-o bastantemente.
Cite-se a título de exemplo, o referido pelo Bastonário Lopes Cardoso, in “O segredo profissional na Advocacia”, pág. 83:
“Não será lícito obter dispensa para depor ao Advogado que, tendo iniciado o processo com procuração aí junta, trate de substabelecer depois sem reserva para esse efeito. Seria incompreensível a todas as luzes que ele pudesse despir a toga, sair formalmente do processo e passar a sentar-se no banco das testemunhas em vez de na bancada prestigiada que antes ocupara.”
Este é também o entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados e citamos, a título de exemplo:
a) O Parecer do Conselho Geral de 30.10.1952, in ROA, 12-III/IV – 404 – “é sempre inadmissível que o Advogado deixe o patrocínio duma causa com o propósito de nela tomar a posição de testemunha.”
b) O Parecer do Conselho Geral de 5.5.1954 in ROA, 14 a 16, 334: “deve o Advogado recusar-se a depor quando indicado como testemunha e processo ao qual esteja junta procuração a que haja renunciado.”
c) O Acórdão do Conselho Superior de 23.10.1951, in ROA, 11 – III/IV: “constitui infracção disciplinar o facto de o Advogado deixar de patrocinar o constituinte, com o propósito de ser testemunha.”
Esta doutrina tem sido largamente reafirmada, no âmbito de diversos pedidos de parecer que tivemos oportunidade de relatar (cfr. a título meramente exemplificativo as decisões proferidas no âmbito dos pedidos de parecer n.ºs 29/08, 51/08, acessivéis na Colectânea de Pareceres do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, Triénio 2008-2010, Volume I, e no site do CDL).
Mais recentemente também tivemos oportunidade de nos pronunciarmos nessse sentido no âmbito dos pedidos de dispensa de sigilo profissional n.ºs 65/11, 74/11 e 87/11.
Em suma:
E de acordo com os fundamentos atrás enunciados, entendemos que, no caso concreto, não estão reunidas as condições de que depende a audição do Senhor Advogado, Dr. A, como testemunha e com quebra do sigilo profissional, no âmbito do processo pendente no 3º Juízo do Tribunal Judicial d , sob o n.º .
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Junho de 2011.
A Assessora Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
Lisboa, 15 de Junho de 2011.
O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa
Vasco Marques Correia
Sandra Barroso
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