Consulta 12/2011
Consulta n.º 12/2011
Requerente:
Assuntos:
• Prestação de serviços jurídicos através de site de Advogado na Internet
Consulta
No dia xx de xx de 2011 deu entrada nos serviços do Conselho Distrital de Lisboa um requerimento apresentado pela Sra. Dra - , no qual esta solicita a emissão de parecer sobre a possibilidade de prestação de serviços de Consulta Jurídica, através de uma página da Internet.
No referido requerimento descreve ainda a Sra. Advogada consulente, de forma pormenorizada como se desenrolará o procedimento de contacto com os potenciais clientes e como se encontrará estruturada a página do seu site.
Dada a sua extensão, remetemos para o pedido de parecer apresentado, sem prejuízo de sintetizarmos aquelas que serão as directrizes gerais que a Sra. Advogada consulente pretende estabelecer em concreto:
a) A consulta jurídica terá como âmbito apenas questões gerais e não sobre questões concretas ou questões que somente possam ser apreciadas por consulta presencial de Advogado (caso em que o cliente será informado previamente dessa necessidade);
b) Para prestação da consulta, o “consulente” deverá preencher um email que deverá enunciar obrigatoriamente o seu nome completo, email, morada, localidade, código postal, número de contribuinte e qual a questão jurídica colocada.
c) Os honorários a praticar serão definidos caso a caso, de acordo com o tipo de questão em apreciação e atendendo às regras deontológicas definidas;
d) Sempre que a Sra Advogada consulente se aperceber que possa estar em causa a sua independência ou alguma situação de conflito de interesses rejeitará a prestação da consulta;
e) Pretende ainda Sra. Advogada consulente utilizar um separador próprio no site onde constará a forma e condições de prestação da consulta jurídica – a efectuar por via de email para o endereço da Ordem dos Advogados, sendo os honorários pagos em momento anterior ao envio da resposta.
Parecer
A matéria da prestação de consulta jurídica por Advogados, através de sites na Internet, foi já objecto de apreciação pela Ordem dos Advogados em casos anteriores.
Quanto a isto, salientaríamos o Parecer do Conselho Geral nº E-3/2007, de 27 de Outubro, do qual foi relator o Dr Bernardo Diniz de Ayala, dada a similitude entre a situação que foi aí apreciada e a que motiva a presente consulta. No referido aresto foi, pois, entendido que “nada obsta a que a prática da consulta jurídica se processe, quando justificado ou conveniente, através de meios electrónicos, nomeadamente com o recurso à Internet ou ao correio electrónico.
No entanto, a prática da Advocacia, para que proceda de acordo com os usos, costumes e tradições da profissão, deve ter por regra o contacto pessoal com o cliente, por regra no escritório do Advogado. Só desta forma pode o Advogado aperceber-se da verdadeira dimensão e complexidade da questão que lhe é colocada, rodeado por uma estrutura adequada (cfr art. 86º, al. d) do EOA), e verificar a identidade do seu cliente (cfr art 86º, nº1, al. c) do EOA). Independentemente da possibilidade de utilização de Internet como meio de transmissão de informações, a forma primacial de comunicação entre o Advogado e o seu cliente deve permanecer o contacto directo.
(…) caso se admita a Internet como meio legítimo para o serviço em causa, nunca podem ser esquecidas as regras deontológicas que regem e conformam toda a actividade profissional (e mesmo pessoal) dos Advogados. Assim, como é já jurisprudência deste Conselho [Geral] em relação à utilização por parte de Advogados e de Sociedades de Advogados de websites, “o problema não é então o meio nem a imagem; o problema é apenas o conteúdo”.
Decorre ainda do texto do identificado aresto, directa ou indirectamente, uma série de orientações que deverão ser tomadas em linha de conta, sempre que se pretenda oferecer serviços de informação jurídica online.
A saber:
- Deverá ser garantido que as questões submetidas por um determinado cliente não sejam visionadas por outros utilizadores do site;
- Igualmente deverão ser criados meios que garantam uma correcta identificação do cliente, bem como de tratamento dos seus dados pessoais, de forma a evitar situações de possível conflito de interesses com clientes do Advogado;
- A fixação de honorários terá de obedecer aos critérios definidos no art. 100º, nº 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados;
- Só será aceitável um serviço online de “consultório jurídico” se este for análogo ao usualmente prestado nos restantes meios de comunicação social (v.g. jornais, revistas, rádio ou televisão) e, especialmente, se consistir num tratamento geral e teórico de determinados problemas jurídicos de fundo, sem apreciação de casos particulares;
- O site não poderá estar estruturado com conteúdos que tenham em vista a comercialização dos serviços, através da utilização, explícita ou implícita, de modos imperativos de exortação ou de conselho como expressão de uma intenção persuasiva.
Estas directivas, tomadas no seu conjunto, não poderão, deixar de ser relevadas no presente caso. Mas não sem antes serem efectuadas algumas considerações. Com efeito, vivemos num tempo de constante mudança tecnológica, em que tudo se transforma a grande velocidade. E quase tudo se consegue fazer à distância de um mero “click. Os Advogados não são, nem se lhes pode exigir que sejam alheios a estas mudanças. A movimentação é constante, como o é o aparecimento de novas formas de praticar a profissão e de se publicitar os serviços profissionais dos Advogados. Vivemos, de facto, num admirável mundo novo, ao qual a Advocacia não poderá deixar de ter de adaptar-se. Contudo, esta constatação da realidade não pode chocar com os princípios fundamentais da profissão, sob pena de se desvirtuar aquilo que a Advocacia é e constitui, fazendo perder o seu sentido e os principais valores que a enformam e que foram sendo adquiridos e sedimentados ao longo da História. Diga-se, em acrescento, que este processo dialéctico de compatibilização entre o acervo histórico e os princípios tradicionais da Advocacia, de um lado, e a necessidade da sua adaptação a novas realidades, de outro, não está limitado à matéria da prestação de consultas jurídicas online. Antes só pode constituir preocupação transversal ao exercício da profissão no mundo actual. Toda ela. E se é verdade que o advento da Internet e a disseminação global da sua utilização veio trazer profundos benefícios ao exercício da Advocacia, tal não se apresenta isento de riscos[1].
Ainda assim, e sem esquecer tudo o que dissemos até agora, e as considerações efectuadas, estamos em condições de evidenciar que não decorre do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e da demais legislação e regulamentação profissional em vigor qualquer proibição quanto à prestação de consulta jurídica sob a forma online. A preocupação terá de centrar-se, por isso, na garantia do respeito pelos deveres gerais deontológicos, que deverão ser assegurados, seja qual for o meio através do qual é prestada essa consulta. Esta inquietação, contudo, realce-se novamente, não é uma especificidade das consultas online, mas antes e conforme indiciámos, geral a qualquer tipo de contacto empreendido entre um Advogado e quem procura os seus serviços.
Passando à análise da forma como a Sra. Advogada consulente pretende prestar os seus serviços entendemos que, na generalidade, os requisitos mínimos estatutários aparentam estar preenchidos, ainda que com alguns reparos, que deixaremos para uma apreciação num outro local do presente parecer. Advirta-se, sem prejuízo, que esta conclusão apenas diz respeito à apreciação das ideias reveladas pela Sra. Advogada consulente, e não constitui qualquer aval dado “ex ante” à forma, concreta, como essas ideias serão futuramente colocadas em prática, desenvolvidas e concretizadas no dia a dia pela Sra. Advogada.
E desde logo nos parece que, repita-se, na generalidade, os requisitos mínimos estatutários aparentam estar preenchidos, porquanto a Sra. Advogada consulente limita o próprio âmbito das consultas a questões “gerais, e não sobre questões concretas ou questões que somente possam ser apreciadas por consulta presencial de Advogado”, caso em que o cliente será previamente informado de tal situação. Quanto a este tipo de “consultas” já o atrás evidenciado Parecer do Conselho Geral nº E-3/2007 apontava tendencialmente no sentido de apenas ser aceitável “um serviço online de “consultório jurídico” se este for análogo ao usualmente prestado nos restantes meios de comunicação (…) e, especialmente, se consistir num tratamento geral e teórico de determinados problemas jurídicos de fundo, sem apreciação de casos particulares (…)”.[2]
Por outro lado, tendo em conta a forma como a consulta se processa (por troca de emails entre o potencial “consulente” e a Sra. Advogada consulente), e no plano do perigo de violação do sigilo profissional ou da gestão do conflitos de interesses, acaba por não haver grande diferença entre os cuidados gerais que se deverá ter com qualquer troca de correspondência entre certa pessoa e um Advogado. Isto terá de ser garantido pela Sra. Advogada consulente a todo o momento, o que apenas será possível no caso de assegurar a obtenção de suficientes dados que permitam aferir da identidade de quem a consulta, o que nos parece que pretenderá a Sra. Advogada consulente fazer, através do pedido do nome completo do “consulente”, email, morada e número de contribuinte[3].
Em terceiro lugar, e em matéria de fixação de honorários, não vislumbramos qualquer impedimento a que o “consulente” seja informado previamente, por via de email, do valor dos honorários correspondentes à resposta às questões a ser enviada pela Sra. Advogada consulente e da necessidade da sua prévia liquidação antes do envio da resposta à questão, desde que nessa fixação sejam, como se refere na consulta, respeitadas “as regras deontológicas definidas para estas situações”, isto é, observadas as disposições dos arts 98º e 100º do EOA.
E chegado a este momento, haverá que lançar o nosso olhar sobre a questão fulcral das regras sobre a publicidade inscritas no Estatuto. Mais precisamente no art. 89º. Com efeito, não será passível de ser esquecido que nenhum site da Internet poderá ser estruturado com recurso, entre outros, à colocação de “conteúdos persuasivos, ideológicos, de auto-engrandecimento e de comparação” (art. 89º, nº4, al. a) do EOA) e da “promessa ou indução de produção de resultados” (art. 89º, nº4, al. e) do EOA).
Ora, julgamos que a menção de um separador no site da Sra. Advogada consulente com o seguinte teor “Todas as respostas que procura, de uma forma SIMPLES, RÁPIDA E EFICAZ!”, tem sobre si associada uma lógica de exortação e persuasão que não julgamos ser consentânea com o regime jurídico em vigor – e aludido que foi no anterior parágrafo. Por isso, não deverá ser utilizado. Quanto aos demais elementos, somos da opinião que não existe nada a assinalar em matéria de regras de publicidade. Isto, obviamente, não colide com o facto de desconhecermos a real formatação a ser conferida ao site e ao serviço a oferecer pela Sra. Advogada consulente.
Nestes termos, julgamos estar em condições de traçar as devidas e seguintes CONCLUSÕES:
1. Não decorre do Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como da demais legislação e regulamentação profissional em vigor, qualquer proibição da prestação de consulta jurídica com recurso a tecnologias de informação, nomeadamente lançando mão a processos de comunicação comummente designados como online;
2. Contudo, o recurso a novas tecnologias não poderá beliscar a garantia do respeito pelos deveres deontológicos, que deverão ser assegurados, seja qual for o meio através do qual é prestada consulta jurídica por um Advogado;
Assim:
3. Deverão ser criados meios que garantam uma correcta identificação do cliente, bem como de tratamento dos seus dados pessoais, de forma a evitar situações de possível conflito de interesses com clientes do Advogado.
4. Os pedidos de consulta e contactos mantidos apenas poderão ser visualizados pelo Advogado, que deverá garantir que mais ninguém tenha acesso ao seu conteúdo – online ou offline -, salvo nos casos estatutariamente previstos.
5. Os critérios que haverão de presidir à fixação dos honorários a cobrar terão de respeitar estritamente o exigido pelos arts 98º e 100º do EOA.
6. O serviço deverá ser estruturado sem que conflitue com o regime da publicidade estabelecido no art.º 89º do EOA.
Posto isto,
7. Relativamente ao modelo de prestação de consulta jurídica dado a conhecer pela Sra. Advogada consulente, julgamos que, na generalidade, os requisitos mínimos estatutários aparentam estar preenchidos, com excepção do separador no site da Sra. Advogada com o seguinte teor “Todas as respostas que procura, de uma forma SIMPLES, RÁPIDA E EFICAZ!”, que indicia uma lógica de exortação e persuasão que não nos parece ser consentânea com o regime jurídico em vigor e que, por essa razão, deverá ser expurgado;
8. Advirta-se, sem prejuízo, que o presente parecer apenas afigura-se limitado à apreciação das ideias descritas pela Sra. Advogada consulente nos precisos termos da consulta que formulou perante este Conselho, e não constitui qualquer aval dado “ex ante” ao modo concreto como as mesmas poderão ser futuramente ser levadas à prática, executadas e desenvolvidas, para além dos dados que foram a este Conselho Distrital descritos.
Lisboa, 1 de Junho de 2011
(O Assessor Jurídico do CDL)
Rui Souto
Concordo e homologo o parecer anterior, nos preciso termos e limites aí fundamentados,
Lisboa, 1 de Junho de 2011.
(O Vogal do CDL)
Por delegação de poderes datada de 20 de Janeiro de 2011
Paulo de Sá e Cunha
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[1] Ver quanto a isto as recomendações elaboradas pelo CCBE, em 28.10.2008, relativamente ao uso da Internet e das Comunicações Electrónicas no exercício da profissão (“Electronic Communication and the Internet”), cujos textos em inglês e francês estão disponíveis para consulta em www.ccbe.org.
[2] Salvo o devido respeito, somos da opinião que, no mundo em que vivemos, e que muito mudou desde a data da pronúncia do Conselho Geral (ainda que tenham passado apenas cerca de quatro anos), não vemos como fundamentar a distinção entre a prestação de consulta jurídica online sobre “questões gerais” (permitida) das consultas sobre “questões concretas” (eventualmente proibida). Reconheça-se, contudo, que optar por uma das visões não afecta o sentido da resposta a dar à Sra. Advogada consulente, face à delimitação por esta empreendida quanto ao tipo de consulta a oferecer, relativa a questões gerais, e não sobre questões concretas ou que impliquem uma consulta presencial de Advogado.
[3] Não ignoramos que possam ser prestadas informações falsas pelo “consulente” quanto à sua identificação, mas este risco existe também no caso de consultas presenciais ou por via de outros meios de comunicação.
Rui Souto
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