Pareceres do CRLisboa

Consulta 40/2011


CONSULTA N.º 40/2011

Assunto:    
•    Artigo 74º, n.º 1 do EOA.

Âmbito da Consulta  
 
A Senhora Advogada, Dra. -, titular da cédula profissional n.º - L, veio solicitar a pronúncia do Conselho Distrital de Lisboa quanto à questão que passamos a enunciar.

A Senhora Advogada Consulente foi consultada por ....que lhe comunicou ter o seu vencimento penhorado à ordem do processo n.º - , pendente na 2ª Secção do 1º Juízo de Execução de Lisboa, mas que não tinha sido ainda citado naqueles autos.

Em sequência, a Senhora Advogada Consulente requereu, por escrito, ao Tribunal cópias do processo, o que foi indeferido nos termos e com os fundamentos que passamos a transcrever:
“Sendo certo que, em princípio, o processo civil é público, nada obriga a secção a providenciar por cópias do processo quando a Sra. Advogada não juntou procuração (a partir do momento em que estiver associada ao processo poderá consultá-lo no citius) e o executado não se mostra citado.


É que, o momento da citação é o momento próprio para facultar ao executado as devidas cópias do requerimento executivo e documentos que o acompanham, sendo in casu a concretização da penhora (e não a mera ordem de penhora) precede obrigatoriamente a citação.
Razões pelas quais se indefere o pedido de obtenção de cópias”.

A questão colocada subsume-se, precisamente, a uma questão de carácter profissional, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea f) do n. 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), pelo que haverá que emitir parecer nos termos solicitados. 

Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa

A resposta à questão que nos foi colocada será dada por apelo às normas processuais civis, mormente as fixadas nos artigos 167º e ss. do Código de Processo Civil (doravante CPC) e à norma legal contida no n.º 1 do artigo 74º do EOA.

Prevê o artigo 208º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que a lei assegura aos Advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça.


Decorre, portanto, da mencionada norma legal que a Advocacia é uma profissão de interesse público e que a lei ordinária descreverá e assegurará todas as imunidades e prerrogativas de que o Advogado necessite no exercício da sua profissão.

E uma dessas prerrogativas é, justamente, a que está consagrada no n.º 1 do seu artigo 74º do EOA.
Preceitua a mencionada norma legal que, no exercício da sua profissão, o Advogado tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração.

O mencionado preceito legal reconhece, assim, aos Advogados o direito de solicitar informação, examinar processos e pedir certidões, sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração, desde que tais documentos não tenham carácter secreto ou reservado.

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 167º do CPC consagra, como regra geral, a publicidade do processo civil.


E a publicidade do processo implica, nomeadamente, o direito, reconhecido a qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível, de exame e de consulta dos autos na secretaria e de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, tal como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 167º do CPC.

Porém, nos termos do disposto no artigo 168º do CPC, este acesso aos autos é limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir.

No caso concreto, e de acordo com os elementos de que dispomos, não nos parece que, face ao estatuído no artigo 168º do CPC, exista qualquer limitação à publicidade do processo. Efectivamente, a penhora já havia sido ordenada e concretizada, encontrando-se o vencimento penhorado à ordem do processo nº - .

Assim sendo, e uma vez que a lei processual civil não estabelece qualquer formalismo para a obtenção de cópias do processo, as mesmas deveriam ter sido facultadas à Senhora Advogada Consulente à luz das normas legais que nos encontramos a analisar.


É compreensível que, eventualmente, a Senhora Advogada Consulente tivesse de fazer prova da sua qualidade de Advogada. Mas, a junção ou sequer a exibição de procuração já não nos parece aceitável, pois que ao exigi-lo, como se pretendeu no caso concreto, está-se a esvaziar de conteúdo o disposto no n.º 1 do artigo 74º do EOA.

Mas, o despacho proferido nos autos fez tábua rasa, não só da norma especial contida no artigo 74º do EOA, mas também da norma geral contida no n.º 1 do artigo 167º do CPC.
De facto, preceitua a referida norma legal que qualquer pessoa capaz de exercer o mandato, incluindo-se aqui, indiscutivelmente, os Advogados, tem o direito de exame, de consulta e de obter cópias ou certidões do processo.
Ora, a norma legal em causa fala em pessoa capaz de exercer o mandato e não em mandatário, o que equivale a dizer que, também, esta norma não exige ou pressupõe a junção de procuração aos autos por parte do Advogado que queira examinar, consultar ou obter cópias de determinado processo que seja público, nos termos do disposto nos artigos 167º e 168º, ambos do CPC.
Imagine-se, desde logo, a situação em que um Advogado pretenda examinar, consultar ou obter cópias de determinado processo (público) para, por exemplo, ponderar se aceita ou não o patrocínio da parte que procurou os seus serviços.


Tal exame, consulta ou a obtenção de cópias do processo não pode, à luz dos preceitos legais que nos encontramos a analisar, ser vedado ao Advogado. 

Em suma, entendemos, s.m.o., que o despacho do Exmo. Senhor Juiz titular do processo n.º - , da 2ª Secção do 1º Juízo de Execução de Lisboa, preteriu uma das prerrogativas constitucionais de que o Advogado goza no exercício da sua função de interesse público.

NESTES TERMOS, 

1.    Notifique-se a Senhora Advogada Consulente do teor do presente parecer.

2.    Considerando a relevância da matéria para o exercício da Advocacia, decide-se remeter cópia do presente parecer ao Senhor Juiz Presidente dos Juízos de Execução de Lisboa para que, de futuro e em situações similares, seja promovido o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 74º do EOA.

Lisboa, 31 de Julho de 2012.


A Assessora Jurídica do C.D.L.

Sandra Barroso

Concordo e homologo o parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,

Lisboa, 31 de Julho de 2012.

O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa


Vasco Marques Correia

Sandra Barroso

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