Pareceres do CRLisboa

Consulta 18/2012

Consulta n.º 18/2012
 

Assunto:        
Conflito de Interesses – Artigo 94º do EOA.
 
 
Questão
 
Os Senhores Advogados, Dr. A e Dr. B, titulares, respectivamente, das cédulas profissionais n.º - L e - L, vieram solicitar ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados a emissão de parecer quanto à questão que, sumariamente, passamos a enunciar.
 
Até ao ano de 2009, o Senhor Advogado Consulente Dr. A foi o que hoje comummente se designa de “Advogado de Empresa” da X - Lda., (doravante - X).
 
Um dos parceiros da X é Y, S.A., (doravante Y).
Recentemente, surgiu um litígio entre a X e a Y que se procurará resolver pela via negocial mas que, no caso de tais negociações não serem bem sucedidas, poderá redundar num litígio judicial.
 
A Y pretende ser representada pelo Senhor Advogado Consulente Dr. A, que pretende aceitar tal representação.
 
Entende o Senhor Advogado Consulente Dr. B, actual Advogado da X, que o Senhor Advogado Dr. A não poderá aceitar tal representação face à existência de conflito de interesses, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 94º do EOA.
 
Por sua vez, entende o Senhor Advogado Consulente Dr. A que não existe qualquer conflito de interesses, já que o contrato assinado entre a X e a Y data de 12 de Julho de 2010,ou seja, cerca de um ano após a revogação do contrato de trabalho que o ligava à X.
 
 
Considerando a factualidade exposta, vêm os Senhores Advogados Consulentes solicitar a emissão de parecer quanto à verificação, ou não, de uma situação de conflito de interesses, subsumível ao disposto no artigo 94º do EOA.
 
Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa
 
Não temos dúvidas de que a questão colocada à apreciação deste Conselho Distrital configura uma “questão de carácter profissional”, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), que define a competência material do Conselho, pelo que há que proceder à emissão de parecer quanto à questão colocada.
 
É o que faremos de seguida.
 
A matéria sobre a qual ora nos debruçamos circunscreve-se à eventual aplicação do artigo 94º do EOA.
 
A matéria do conflito de interesses resulta dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, e constitui expressa manifestação do princípio geral estatuído no artigo 84º do EOA, segundo o qual o “ Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”.
 
Esta norma tem em vista evitar a existência de conflito de interesses na condução do mandato por Advogado e assume a uma tripla função[1]:
a)     Defender a comunidade em geral, e os clientes de um qualquer Advogado em particular, de actuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um Colega, conluiado ou não com algum ou alguns dos seus clientes;
 
 
b)     Defender o próprio Advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de actuar, no exercício da sua profissão, visando qualquer outro interesse que não seja a defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes.
c)     Defender a própria profissão, a Advocacia, do anátema que sobre ela recairia na eventualidade de se generalizarem este tipo de situações.
 
Dispõe o artigo 94º do EOA, sob a epígrafe “conflito de interesses”:
 “1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.
2 – O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.
3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.
5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
6 – Sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação que a cada um dos seus membros”.
 
O Estatuto da Ordem dos Advogados, em matéria de conflito de interesses, não contém uma proibição geral de patrocínio contra quem foi anteriormente seu cliente, mas apenas uma proibição de patrocínio:
Contra quem seja por si patrocinado noutra causa pendente.
 
 
 
Em causas em que já tenha intervindo ou que sejam conexas com outras em que tenha representado a parte contrária.
Em causas que possam colocar em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
 
Assim sendo, atenta a factualidade descrita pelos Senhores Advogados Consulentes, existirá, no caso concreto, conflito de interesses?  
 
Refere o Senhor Advogado Consulente Dr. A que não teve qualquer intervenção no contrato celebrado em 12 de Julho de 2010, entre a X, sua antiga cliente e a Y, e que ora as opõe.
 
Este elemento seria essencial e decisivo para considerar que a assunção do novo mandato não é, de per se, geradora de conflito de interesses, não fosse a circunstância da questão do conflito de interesses ser uma questão controvertida para a antiga cliente, conforme se pode verificar pela leitura do requerimento subscrito pelo Senhor Advogado Dr. B, onde se pode ler, nomeadamente, o seguinte: “Consequentemente, o Dr. A conhece perfeitamente o relacionamento da X com os respectivos parceiros – tipos de contratos celebrados, pontos fortes e fracos que qualquer contrato inevitavelmente apresenta, problemas que os mesmos podem suscitar, estratégias e políticas negociais do grupo X e posicionamento e orientações do grupo X em caso de litígios, quer actuais, quer meramente potenciais, com parceiros”.  
 
Qual a influência desta situação na formulação de um juízo sobre conflito de interesses?
 
Fazendo fé na afirmação do Senhor Advogado Consulente, Dr. A, de que não teve qualquer intervenção no contrato celebrado em 12 de Julho de 2010, entre a X e a Y, diremos que não existirá – objectivamente – um dever de recusar o patrocínio.
 
 
Mas, naturalmente, a questão não deverá ser resumida a um juízo baseado em premissas puramente objectivas.
 
Este Conselho Distrital entende – e já se pronunciou anteriormente, nomeadamente nas Consultas nºs 5/2011 e 39/2011 – que a matéria de conflito de interesses é, em primeira linha, uma questão de consciência do Advogado. Caberá a cada Advogado formular um juízo de consciência sobre se a relação de confiança que estabeleceu com um seu antigo cliente lhe permite, livremente e sem constrangimentos, assumir agora um patrocínio contra ele.
 
E desde já se diga que a recusa de um Advogado em litigar contra quem foi seu antigo cliente deve ser entendida como causa justificante da rejeição de patrocínio – mesmo que tal não resulte de norma expressa. Outra conclusão não se poderia tirar dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão.
 
Assim, só o Senhor Advogado Consulente Dr. A estará em posição de avaliar:
(i) se é inequívoco que nunca teve qualquer intervenção no assunto que a nova cliente lhe pretende confiar;
(ii) se é inequívoco que este assunto não é (materialmente) conexo com qualquer outro em que tenha intervindo ou tomado conhecimento em representação da sua antiga cliente;
(ii) se está convicto de que com a aceitação do novo mandato não sentirá a sua independência afectada;
(iii) se está convicto que o exercício do novo mandato não colocará em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos da sua antiga cliente;
(iv) e se está convicto que do conhecimento dos assuntos da sua antiga cliente não resultam vantagens ilegítimas ou injustificadas para a nova cliente.
 
Entendemos que, verificando-se uma qualquer das referidas circunstâncias, deverá o Senhor Advogado Consulente Dr. A recusar a aceitação do novo mandato.
 
 
 
CONCLUSÕES:          
 
A matéria do conflito de interesses, regida estatutariamente pelo teor do artigo 94º do EOA, resulta dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão e constitui expressa manifestação do princípio geral estatuído no artigo 84º do EOA, segundo o qual o “ Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”.
 
O Estatuto da Ordem dos Advogados, em matéria de conflito de interesses, não contém uma proibição geral de patrocínio contra quem foi anteriormente seu cliente, mas apenas uma proibição de patrocínio:
Contra quem seja por si patrocinado noutra causa pendente.
Em causas em que já tenha intervindo ou que sejam conexas com outras em que tenha representado a parte contrária.
Em causas que possam colocar em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
 
Fazendo fé na afirmação do Senhor Advogado Consulente, Dr. A, de que não teve qualquer intervenção no contrato celebrado em 12 de Julho de 2010, entre a X e a Y, diremos que não existirá – objectivamente – um dever de recusar o patrocínio.
 
Mas, naturalmente, a questão não deverá ser resumida a um juízo baseado em premissas puramente objectivas.
 
 
Este Conselho Distrital entende – e já se pronunciou anteriormente, nomeadamente nas Consultas nºs 5/2011 e 39/2011 – que a matéria de conflito de interesses é, em primeira linha, uma questão de consciência do Advogado. Cabe a cada Advogado formular um juízo de consciência sobre se a relação de confiança que estabeleceu com um seu antigo cliente lhe permite, livremente e sem constrangimentos, assumir agora um patrocínio contra ele.
 
Assim, só o Senhor Advogado Consulente Dr. A estará em posição de avaliar:
(i) se é inequívoco que nunca teve qualquer intervenção no assunto que a nova cliente lhe pretende confiar;
(ii) se é inequívoco que este assunto não é (materialmente) conexo com qualquer outro em que tenha intervindo ou tomado conhecimento em representação da sua antiga cliente;
(ii) se está convicto de que com a aceitação do novo mandato não sentirá a sua independência afectada;
(iii) se está convicto que o exercício do novo mandato não colocará em crise o sigilo profissional relativamente aos assuntos da sua antiga cliente;
(iv) e se está convicto que do conhecimento dos assuntos da sua antiga cliente não resultam vantagens ilegítimas ou injustificadas para a nova cliente.
 
Entendemos que, verificando-se uma qualquer das referidas circunstâncias, deverá o Senhor Advogado Consulente Dr. A recusar a aceitação do novo mandato.
 
 
Notifique-se.
 
 
 

Lisboa, 6 de Agosto de 2012.
 
 
A Assessora Jurídica do C.D.L.
 
 
Sandra Barroso
 
 
Concordo e homologo o parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
 

 
Lisboa, 20 de Agosto de 2012.
 
O Vogal do Conselho Distrital de Lisboa
(por delegação de poderes de 20 de Janeiro de 2011)
 
 
Paulo de Sá e Cunha

 



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[1] Cfr. Processo de Consulta do C.D.L. n.º 6/02, aprovado em 16.10.2002, e no qual foi relator o Dr. João
Espanha.

Sandra Barroso

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