Pareceres do CRLisboa

Consulta 23/2012

 
Consulta n.º 23/2012

Assunto:        
Informação e Publicidade: Artigo 89º do EOA.
Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores: Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto.
 
Questão
 
O Senhor Presidente da Associação ...., Dr. A, (doravante Consulente), veio solicitar a este Conselho a emissão de Parecer “quanto à minuta de protocolo de colaboração de Advogados com a nossa Associação, com vista a dar resposta às solicitações da comunidade”.
É este, ipsis litteris, o pedido que nos foi dirigido.
 
Sublinhe-se que, considerando a forma como o pedido se encontra recortado, a nossa pronúncia será emitida de acordo com a competência material que por lei é atribuída a este Conselho, no estrito cumprimento pelo princípio da legalidade, estatuído no artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo, a que estamos adstritos na nossa actuação.
E essa competência material é, precisamente, a fixada pela alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, segundo a qual compete aos Conselhos Distritais pronunciarem-se sobre as questões de carácter profissional que se suscitem no âmbito da sua competência territorial.
 
 
E tem-se entendido que essas questões profissionais são as inerentemente estatutárias, isto é, as que resultam da interpretação e aplicação dos princípios, regras, usos e praxes que regulam e orientam o exercício da profissão, maxime as que decorrem das normas do EOA, do regime jurídico das sociedades de advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido pela lei aos órgãos da Ordem dos Advogados.
 
Por conseguinte, analisadas as cláusulas do Protocolo, a nossa pronúncia apenas incidirá sobre as cláusulas 3ª, 4ª, 5ª e 6ª, justamente por contenderem com questões profissionais e com legislação relacionada com o exercício da Advocacia.
 
Por facilidade de raciocínio, transcrevemos, de seguida, as mencionadas cláusulas:
“Cláusula 3.ª
(Conteúdos Escritos)
1 - O segundo outorgante (Advogado) colaborará com a Associação.... na produção de conteúdos de carácter jurídico que possam ajudar ao esclarecimento da população sobre as matérias do ...... (…)
 
Cláusula 4.ª
(Sessões Públicas de Esclarecimento)
O segundo outorgante colaborará com a Associação.... em sessões de esclarecimento colectivas presenciais, a organizar pela Direcção ou pelos respectivos Núcleos Regionais da Associação e de acordo com a disponibilidade do mesmo.
 
 
 
Cláusula 5.ª
(Esclarecimentos Genéricos)
1 – O segundo outorgante encontra-se disponível para o esclarecimento de dúvidas GENÉRICAS dos associados e utentes da Associação..., de carácter jurídico-legal ligadas à.......
2 - O encaminhamento de e-mails para o segundo outorgante por parte da Associação ....poderá ser realizado pelos Núcleos Regionais da Associação ou pelo centro de apoio....
3 – As respostas são da responsabilidade do segundo outorgante, desvinculando-se a Associação da responsabilidade pelo seu conteúdo.
 
Cláusula 6.ª
(Sessões de Esclarecimento Presenciais Individuais)
1 - O segundo outorgante garante a realização de uma sessão de esclarecimento presencial a cada associado ou seus familiares da Associação, sendo sempre ressalvados os limites referidos na cláusula 5ª e a disponibilidade do segundo outorgante.
2 - As sessões só serão prestadas a associados ou seus familiares que não tenham mandatário constituído ou nomeado no âmbito do sistema de acesso ao Direito.
3 - A prestação de tais esclarecimentos pode ser feita em local designado pela primeira outorgante ou no domicílio profissional do segundo outorgante.
4 - A prestação de tais esclarecimentos não consubstancia a outorga ao segundo outorgante de qualquer mandato, nomeadamente forense, e não implica a assunção de qualquer forma de patrocínio judicial ou extrajudicial.
5 - A prestação de tais esclarecimentos enquadra-se nos deveres de o advogado colaborar no acesso ao Direito e no aperfeiçoamento da cultura jurídica.
6 - No momento da realização da sessão será entregue ao associado o Modelo I constante do ANEXO I, onde se declara o carácter de gratuitidade da mesma, o facto de a prestação da mesma não constituir nem a outorga de mandato nem a assunção pelo advogado de qualquer forma de patrocínio bem como a declaração do associado em como não se encontra representado por Advogado.
7 - Na eventualidade de, no estrito respeito pelo principio da livre escolha, o beneficiário da sessão entender outorgar ao advogado que prestou os esclarecimentos e este entender aceitar o patrocínio daquele, os honorários serão acertados entre o advogado e o interessado, tendo em conta os critérios legalmente previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados e, nomeadamente a função social do advogado no âmbito do acesso ao direito, a condição económica do cliente, os usos profissionais e as demais regras e orientações pertinentes, nomeadamente as constantes do respectivo estatuto profissional”.
 
Opinião
 
Como desde logo ressalta à vista do observador mais atento, subjaz à análise das Cláusulas 3ª e 4ª da minuta de “Protocolo de Colaboração” a temática da publicidade. Por isso, haverá que delimitar o âmbito deste conceito, para o que a própria lei será o ponto de partida.
 
 
 
 
Nos termos do n.º 1 do artigo 3º do Código da Publicidade[1], considera-se “publicidade, para efeitos do presente diploma, qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; e promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições”.
 
Por sua vez, a alínea a) do n.º 1 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de Janeiro[2], estabelece que “não constituem comunicação publicitária em rede as mensagens que se limitem a identificar ou permitir o acesso a um operador económico ou identifiquem objectivamente bens, serviços ou a imagem de um operador, em colectâneas ou listas, particularmente quando não tiverem implicações financeiras, embora se integrem em serviços da sociedade de informação”.
 
No entanto, o n.º 2 do referido artigo determina que a “comunicação publicitária pode ter somente por fim promover a imagem de um operador comercial, industrial, artesanal ou integrante de uma profissão regulamentada”.
 
 
Estes dois conceitos legais de publicidade revelam-se fundamentais para efeitos de interpretação das próprias normas relativas à publicidade plasmadas no EOA.
 
A publicidade foi sempre um tema polémico no seio da Advocacia, principalmente nos tempos mais recentes. Com efeito, durante largo período de tempo, a publicidade foi tradicionalmente tida como inadequada e inconciliável com o exercício da advocacia. A proibição da publicidade era regra e visava, antes de mais, separar e evitar a confusão com actividades de natureza mercantil.
 
Contudo, a Advocacia portuguesa tem vivido, especialmente a partir da década de 80 do século passado, grandes mudanças e alterações nesta matéria. Os argumentos a favor da proibição da publicidade na Advocacia têm vindo a perder terreno, sobretudo com a abertura do mercado português a firmas internacionais, oriundas de jurisdições onde a publicidade não encontra, em regra, restrições significativas. E, forçoso é reconhecer, os serviços prestados por Advogados são, tal como os de outras profissões liberais, transaccionados (em liberdade e concorrência) e adquirem, nessa medida, uma manifesta vertente económica.
 
Sem embargo, o exercício da advocacia reveste-se de uma dimensão ética e de uma dignidade próprias, que continuam e a nosso ver continuarão a reclamar especiais cautelas nesta matéria. Contudo, tal não será liminarmente incompatível com a possibilidade de publicidade dos serviços de advocacia. Assim, e dando expressão a estas especificidades, além das limitações e regras previstas na lei geral, a publicidade dos serviços dos Advogados está ainda subordinada às regras especiais previstas no actual artigo 89º do EOA.
 
Actualmente, a publicidade à actividade dos Advogados é livre, mas deverá ser conforme e observar os princípios deontológicos da profissão, em particular os princípios da independência, do respeito pelo segredo profissional, e do dever de evitar conflitos de interesses, sem perder de vista que se trata do exercício de uma profissão de interesse público.
 
Nessa medida, as regras contidas no artigo 89º do EOA estão em sintonia com a tendência liberal mais recente da advocacia continental. A divulgação da actividade profissional pode ser feita por qualquer meio ou conteúdo desde que (i) seja verdadeira e digna, (ii) respeite os princípios deontológicos e (iii) respeite as normas gerais sobre publicidade e concorrência.
De acordo com estes princípios, o artigo 89º do EOA enumera – embora de forma não taxativa – situações de informação objectiva, actos de publicidade lícita e actos de publicidade considerada ilícita por serem susceptíveis de violar os referidos princípios.
 
Cabe, no caso concreto, uma referência particular aos actos de publicidade lícita enumerados, mais uma vez, exemplificativamente, nas diversas alíneas do n.º 3 da referida normal legal.
Assim, de acordo com este preceito, são actos lícitos de publicidade, nomeadamente, “A promoção ou a intervenção em conferências ou colóquios” – cf. alínea f) – e “a publicação de brochuras ou de escritos, circulares e artigos periódicos sobre temas jurídicos em imprensa especializada ou não, podendo assinar com a indicação da sua condição de advogado e da organização profissional que integre” – alínea g).
 
Consequentemente, nada impede, em abstracto, que um Advogado colabore com a Consulente nos termos por ela preconizados, já que o próprio conteúdo das alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 89º do EOA abre a porta a esta possibilidade, ao considerar os actos nelas previstos como actos lícitos de publicidade.
Na origem desta permissão, estará, a nosso ver, o papel social que se reconhece ao Advogado, mormente a propósito da transmissão de conhecimentos jurídicos à sociedade e aos cidadãos em geral.
 
Refira-se, apenas, que a colaboração de um Advogado nos moldes preconizados pela Consulente impõe a este o cumprimento escrupuloso dos demais deveres deontológicos previstos no EOA e, mormente, o plasmado na alínea h) n.º 2 do artigo 85º, que proíbe a angariação, directa ou indirecta, de clientela.
 
Passemos, de seguida, à análise das cláusulas 5ª e 6ª do Protocolo. Estas cláusulas terão de ser analisadas à luz da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto – Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores.
 
O que lhes está subjacente é a prática de um acto próprio da profissão, a saber a consulta jurídica, entendida como a actividade de aconselhamento jurídico, que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas a questões concretas ou susceptíveis de concretização, em que o consulente – que, no caso vertente, serão os associados e utentes da Consulente e os familiares daqueles – que a solicitou tenha um interesse pessoal legítimo ou um direito próprio, lesado ou ameaçado de lesão.
 
 
A Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores corresponde a algo que a advocacia reclamava desde há muito tempo: a definição do que constituem os actos próprios do Advogado. E isto com dois objectivos claros. Por um lado, a necessidade de caracterização do que é o núcleo fundamental de serviços prestados por Advogados, para uma melhor compreensão do que é a Advocacia, bem como o seu papel e importância para a sociedade. E, por outro, a defesa dos particulares das cada vez mais sofisticadas e diversificadas formas de procuradoria ilícita, a qual acarreta graves consequências para os cidadãos e para a comunidade em geral, por via do recurso ao apoio jurídico junto de quem não se encontra legal e praticamente habilitado a prestá-lo.
 
Assim, veio reservar-se apenas aos licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e aos solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores a prática dos actos próprios dos Advogados e dos Solicitadores (art. 1º, n.º 1 e artigo 61º, n.º 1 do EOA).
 
Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são actos próprios da profissão:
·         O exercício do mandato forense, que corresponde ao mandato judicial conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz (art. 1º, n.º 5 e art. 2º);
·         A consulta jurídica, qualificando-se esta como a actividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas mediante solicitação de terceiro (art. 1º, n.º 5 e art. 3º);
·         A elaboração de contratos e a prática de actos próprios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais (art. 1º, n.º 6, al. a);
·         A negociação tendente à cobrança de créditos (art. 1º, n.º 6, al. b);
·         O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários (art. 1º, n.º 6, al. c).
 
São ainda actos próprios, neste caso apenas dos Advogados, todos os que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se acompanhar por Advogado perante qualquer autoridade, bem como nos casos em que o processo determinar que o arguido seja assistido por defensor (art. 1º, n.ºs 9 e 10).
 
Os actos reservados por lei a estas duas profissões apenas podem ser praticados por Advogado ou Solicitador quando os serviços sejam prestados de forma isolada ou integrados em escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por advogados, solicitadores, advogados e solicitadores, sociedade de advogados e sociedades de solicitadores, bem como por gabinetes de consulta jurídica organizados pela Ordem dos Advogados e pela Câmara dos Solicitadores.
 
Fora deste contexto, a lei proíbe expressamente o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos advogados e dos solicitadores (art. 6º, n.º 1).
 
 
Existem, contudo, algumas excepções a este princípio geral, previstas quer na própria Lei n.º 49/2004 quer também em lei especial (o que, para o caso vertente, não releva).
 
Na Lei n.º 49/2004, encontra-se legalmente prevista a possibilidade de prestação de consulta jurídica:
a Por juristas de reconhecido mérito, mestres e doutores em direito inscritos para o efeito na Ordem dos Advogados – cf. artigo 1º, n.º 2.
b Por docentes das faculdades de direito através de pareceres escritos – cf. artigo 1º, n.º 3.
c Pelos sindicatos e associações patronais, desde que os actos praticados o sejam para defesa exclusiva dos interesses comuns e, em concreto, individualmente exercidos por Advogado, Advogado Estagiário ou Solicitador – cf. artigo 6º, n.º 3.
 
A lei admite, ainda, a possibilidade da prestação de actos qualificados como próprios da Advocacia e da Solicitadoria por entidades sem fins lucrativos, que requeiram o estatuto de utilidade pública, desde que, nomeadamente:
(i)                             No pedido de atribuição se submeta a autorização específica a prática de actos próprios de Advogados e Solicitadores.
Contudo, esta autorização, e como já foi decidido pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, pode ser requerida a posteriori, em aditamento ao reconhecimento de utilidade pública.
 
 
 
A não se entender deste modo, todas as instituições sem fins lucrativos que tivessem adquirido o estatuto de utilidade pública antes da entrada em vigor da Lei n.º 49/2004, ou que tivessem adquirido esse estatuto por força da lei, isto é, sem necessidade de formalizar qualquer pedido, ficariam, incompreensivelmente, impedidas de requererem autorização para a prática de actos próprios.
A concessão da autorização para a prática de actos próprios tem de ser precedida de consulta à Ordem dos Advogados e à Câmara dos Solicitadores – cf. art.º 6. n.º 5 do citado diploma legal.
(ii)Os actos próprios praticados por estas entidades sem fins lucrativos devem ter como escopo a defesa exclusiva dos interesses comuns em causa, e nunca interesses individuais – cf. art.º 6. n.º 4, al. b).
(iii)Os actos próprios assim praticados pela Associação têm de ser individualmente exercidos por Advogado, Advogado Estagiário ou solicitador – cf. art.º 6. n.º 4, al. c).
 
E que dizer no caso vertente?
 
Em sede de esclarecimentos complementares, foram solicitados os Estatutos da Consulente.
Ora, da análise dos mesmos, não decorre que a Consulente tenha requerido o estatuto de utilidade pública ou que esteja autorizada a praticar actos próprios da profissão de Advogado.
 
 
Acresce que os interesses que a Consulente pretende defender não são, s.m.o., os previstos na al. b) do n.º 4 do artigo 6º.
Tal como decorre da simples leitura das cláusulas 5ª e 6ª, o apoio jurídico que a Consulente pretende implementar dirige-se à satisfação de interesses particulares (associados e utentes da Consulente e ainda familiares daqueles).
 
Em suma, diremos que o que a Consulente pretende é prestar a terceiros serviços que consubstanciam a prática de um acto próprio da profissão – a consulta jurídica.
E, tal como decorre do regime legal em vigor, tal actividade está-lhe vedada por lei e consubstancia, inclusive, um crime de procuradoria ilícita, tipificado no artigo 7º da Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores.
 
E também os Advogados que venham a prestar a consulta jurídica nos moldes preconizados pela Consulente poderão incorrer em responsabilidade disciplinar, já que, embora esteja em causa a prática de actos para os quais estão indubitavelmente legitimados, tal acto seria praticado de forma claramente ilegal.
 
As situações de carência económica que condicionem ou impossibilitem o recurso aos serviços de um Advogado devem ter acolhimento no sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, actualmente regulado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.
 
Regula-se, nos artigos 14º e seguintes da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a forma como deve ser efectivada, em concreto, a prestação da consulta jurídica a quem reúna as condições legais para usufruir deste benefício.
 
 
Deste regime, decorrem os seguintes princípios axiomáticos:
 
·         A consulta jurídica será prestada em gabinetes de consulta jurídica ou nos escritórios dos Advogados que adiram ao sistema de acesso ao direito (art.º 15º, n.º 1).
·         Este serviço deverá, tendencialmente, cobrir todo o território nacional (art.º 15, n.º 2).
·         A criação de gabinetes de consulta jurídica, bem como as suas regras de funcionamento, serão objecto de aprovação por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ouvida a Ordem dos Advogados (art.º 15, n.º 3).
·         Os gabinetes de consulta jurídica podem abranger a prestação de serviços por solicitadores em moldes a acordar entre a Câmara dos Solicitadores, a Ordem dos Advogados e o Ministério da Justiça (art.º 15º, n.º 4).
 
A alteração que a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, sofreu por força da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, veio, contudo, trazer uma inovação de grande importância ao sistema consagrado, porventura devido à constatação das dificuldades sentidas pelo Estado no que respeita à obrigação que lhe incumbe de criar de gabinetes de consulta jurídica em número suficiente a assegurar adequadamente a cobertura das necessidades sociais.
 
 
 
Assim, o n.º 5 do artigo 15º daquele diploma dispõe que a prestação da consulta jurídica, nos moldes atrás descritos, não obsta à sua prestação por outras entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, fora do regime do Acesso ao Direito, nos termos da lei (entre as quais as que se prevêem na Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores, conforme já vimos) ou a definir por protocolo celebrado entre estas entidades e a Ordem dos Advogados, sujeito a homologação pelo Ministério da Justiça.
                           
É este, s.m.o., o nosso entendimento quanto à questão que nos foi colocada.
 
CONCLUSÕES:
 
1 A publicidade à actividade dos Advogados é livre, mas deverá ser conforme e observar os princípios deontológicos da profissão, em particular os princípios da independência, do respeito pelo segredo profissional, e do dever de evitar conflitos de interesses, sem perder de vista que se trata do exercício de uma profissão de interesse público.
2 Nessa medida, as regras contidas no artigo 89º do EOA estão em sintonia com a tendência liberal mais recente da advocacia continental. A divulgação da actividade profissional pode ser feita por qualquer meio ou conteúdo desde que (i) seja verdadeira e digna, (ii) respeite os princípios deontológicos e (iii) respeite as normas gerais sobre publicidade e concorrência.
3 De acordo com estes princípios, o artigo 89º do EOA enumera – embora de forma não taxativa – situações de informação objectiva, actos de publicidade lícita e actos de publicidade considerada ilícita por serem susceptíveis de violar os referidos princípios.
4 Cabe, no caso concreto, uma referência particular aos actos de publicidade lícita enumerados, mais uma vez, exemplificadamente, nas diversas alíneas do n.º 3 da referida normal legal.
5 Assim, de acordo com este preceito, são actos lícitos de publicidade, nomeadamente, “A promoção ou a intervenção em conferências ou colóquios” – cf. alínea f) – e “a publicação de brochuras ou de escritos, circulares e artigos periódicos sobre temas jurídicos em imprensa especializada ou não, podendo assinar com a indicação da sua condição de advogado e da organização profissional que integre” – alínea g).
6 Consequentemente, nada impede, em abstracto, que um Advogado colabore com a Consulente nos termos por ela preconizados, já que o próprio conteúdo das alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 89º do EOA abre a porta a esta possibilidade, ao considerar os actos nelas previstos como actos lícitos de publicidade.
7 O Estatuto da Ordem dos Advogados (art. 61º, n.º 1) e a Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores (art. 1º, n.º 1) reservam apenas aos licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e aos solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores a prática dos actos próprios dos Advogados e dos Solicitadores.
8.Os actos reservados por lei a estas duas profissões apenas podem ser praticados por Advogado ou Solicitador quando os serviços sejam prestados de forma isolada ou integrados em escritórios ou gabinetes compostos exclusivamente por advogados, solicitadores, advogados e solicitadores, sociedade de advogados e sociedades de solicitadores, bem como por gabinetes de consulta jurídica organizados pela Ordem dos Advogados e pela Câmara dos Solicitadores.
9 Fora deste contexto, a lei proíbe expressamente o funcionamento de escritório ou gabinete, constituído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreendam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de actos próprios dos advogados e dos solicitadores.
10. A consulta jurídica, entendida como a actividade de aconselhamento jurídico, que consiste na interpretação e aplicação de normas jurídicas a questões concretas ou susceptíveis de concretização, em que o consulente – que, no caso vertente, serão os associados, os utentes da Consulente e os familiares daqueles – que a solicitou tenha um interesse pessoal legítimo ou um direito próprio, lesado ou ameaçado de lesão, constitui um acto próprio da profissão.
11. O que a Consulente pretende é prestar a terceiros serviços que consubstanciam a prática de um acto próprio da profissão – a consulta jurídica.
12. E tal como decorre do regime legal em vigor tal actividade está-lhe vedada por lei e consubstancia, inclusive, um crime de procuradoria ilícita, tipificado no artigo 7º da Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores.
13. E também os Advogados que venham a prestar a consulta jurídica nos moldes preconizados pela Consulente poderão incorrer em responsabilidade disciplinar já que, embora esteja em causa a prática de actos para os quais estão indubitavelmente legitimados, tal acto seria praticado de forma claramente ilegal.
14.As situações de carência económica que condicionem ou impossibilitem o recurso aos serviços de um Advogado devem ter acolhimento no sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, actualmente regulado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.
15.Regula-se, nos artigos 14º e seguintes da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a forma como deve ser efectivada, em concreto, a prestação da consulta jurídica a quem reúna as condições legais para usufruir deste benefício.
16.A alteração que a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho sofreu por força da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto veio, contudo, trazer uma inovação de grande importância ao sistema consagrado, ao permitir, no n.º 5 do seu artigo 15º, que a consulta jurídica seja prestada por entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos fora do regime do Acesso ao Direito, nos termos da lei (entre as quais as que se prevêem na Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores) ou a definir por protocolo celebrado entre estas entidades e a Ordem dos Advogados, sujeito a homologação pelo Ministério da Justiça.
 
Lisboa, 18 de Dezembro de 2012.
 

A Assessora Jurídica do C.D.L.
 
Sandra Barroso
 
Concordo e homologo o parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
 
Notifique-se.
 
Lisboa, 18 de Dezembro de 2012.
 
 
O Vogal do Conselho Distrital de Lisboa
(por delegação de poderes de 20 de Janeiro de 2011)
 
 
Paulo de Sá e Cunha



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[1]Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro e alterado pelos seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 74/93, de 10 de Março; Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro; Decreto-Lei n.º 61/97, de 25 de Março; Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho; Decreto-Lei n.º 275/98, de 9 de Setembro; Decreto-Lei n.º 51/2001, de 15 de Fevereiro; Decreto-Lei n.º 332/2001, de 24 de Dezembro; Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto; Decreto-Lei n.º 224/2004, de 4 de Dezembro; Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto; Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março e Lei n.º 8/2011, de 11 de Abril.
 
[2] Alterado pela Lei n.º 62/2009, de 10 de Março e pela Lei n.º 46/2012, de 29 de Agosto, o Decreto-Lei em causa transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio electrónico, no mercado interno, bem como o artigo 13º da Directiva n.º 2002/58/CE, de 12 de Julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas.

Sandra Barroso

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