a) A indispensabilidade de tutelar e garantir a relação de confiança entre o advogado e o cliente.
b) O interesse público da função do advogado enquanto agente activo da administração da justiça.
c) A garantia do papel do advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social.
Assim, dispõe o artigo 87º do EOA, sob a epígrafe “Segredo Profissional”, o seguinte:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o Bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.
5 - Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração”.
Em primeiro lugar, preceitua esta norma, no seu número 1, que “O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços (...)”.
Com efeito, sob esta fórmula, encontra-se aquela que é a regra geral do instituto jurídico-deontológico que ora analisamos. Pode-se até dizer que, em certa medida, as demais regras previstas nas alíneas da mesma são sobretudo explicitações ou pormenorizações daquela, que terão sido incluídas no EOA para salientar situações mais marcantes ou de maior dificuldade de interpretação.
Traçadas as linhas gerais do regime legal em vigor, haverá agora que proceder à subsunção dos factos à lei.
No processo actualmente em curso, o arguido está acusado da prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191º, n.º1 do Código Penal.
O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido B, porquanto:
“ No dia 15 de Abril de 2010, cerca das 16h e 30 m, o arguido resolveu entrar nas instalações da X , sita na Av. - , n.º 15, em Lisboa, alegadamente com o propósito de querer ser readmitido como sócio daquela instituição.
Porém, após troca de palavras entre o arguido e o legal representante da ofendida, C, por este foi ordenado que o arguido saísse das instalações, o que o arguido recusou, ali permanecendo cerca de duas horas, abandonando as instalações após a chegada da PSP.
O arguido agiu com intenção de entrar ou permanecer em lugar vedado e não livremente acessível ao público, sem consentimento ou autorização de quem de direito.
O arguido agiu livre e conscientemente bem conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta (…)”.
Foi esta, ipsis litteris, a acusação deduzida pelo Ministério Público.
No requerimento que dirigiu ao processo, o Senhor Dr. A sustenta a sua escusa para depor nos seguintes termos:
“ (…)
2. Efectivamente, o ora signatário é um dos advogados da X , onde presta serviços há mais de 20 anos;
3. Por outro lado, o arguido foi Director da X , altura em que, juntamente com o signatário, colaboraram em diversos processos judiciais, e de outra natureza;
4. Acresce que o signatário na sua qualidade de advogado patrocinou o arguido em processos judiciais, e também foi mandatário em algumas das sociedades em que o Arguido é sócio. (…)”.
Ora, analisados os elementos que foram colocados à nossa disposição, a verdade é que os mesmos não nos permitem, com rigor, concluir se os factos sobre os quais se pretende que o Senhor Dr. A venha a depor constituem, efectivamente, matéria sigilosa.
É que, do ponto de vista teórico, o Senhor Dr. A terá tomado conhecimento dos factos que constituem objecto do processo-crime em curso por duas vias: (i) ou por os ter presenciado e, portanto, porque deles tem conhecimento directo; (ii) ou porque tais factos lhe foram dados a conhecer por algum dos seus clientes – a - X ou o arguido.
E se os factos aos quais o depoimento do Senhor Dr. A é pretendido lhe foram dados a conhecer por algum dos seus clientes – a X ou o arguido –, tal significa que deles teve conhecimento no exercício da profissão e por causa desse mesmo exercício e, como tal, indubitavelmente, abrangidos pela esfera de protecção do sigilo profissional por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do EOA.
Pelo que, neste caso, considerando a razão de ciência do Senhor Dr. A, entendemos, sem margem para dúvidas, que a escusa para depor apresentada é legítima, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 135º n.ºs 1, 2 e 4 do CPP.
Já quanto à hipótese colocada em (i) supra, isto é, se o Dr. A tomou conhecimento dos factos que constituem objecto do processo-crime por os ter presenciado, só não estará, quanto a eles, sujeito a sigilo profissional se o depoimento a prestar se restringir à expressão literal dos factos vertidos na acusação.
Fora deste contexto, valem aqui, mutatis mutandi, as considerações atrás tecidas acerca da sujeição do Dr. A ao dever de sigilo e, consequentemente, da legitimidade da escusa apresentada nos autos.
CONCLUSÕES:
A existência da obrigação de segredo profissional impede o Advogado de revelar factos sigilosos e, ou, os documentos onde esses mesmos factos possam estar contidos, excepto se devida e previamente autorizado pelo Presidente do Conselho Distrital respectivo, verificados que estejam os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados e pelo artigo 4º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional.
Ainda que dispensado, nos termos referidos, o Advogado pode manter o segredo profissional. O Advogado é, pois, nos termos da lei, o único a quem é reconhecida legitimidade activa para solicitar, se assim o entender, dispensa da obrigação de guardar segredo.
A lei processual penal, porém, consagra um regime de excepção, previsto no artigo 135º do CPP.
De harmonia com este regime, que será o relevante no caso ora em apreço, a regra continua a ser a de o Advogado poder (e, à luz do EOA, “dever”) escusar-se a depor sobre factos abrangidos pelo dever de segredo profissional.
Deduzida a escusa perante o Juiz ou perante a autoridade judiciária que presidir ao acto, poderão suscitar-se dúvidas, que deverão ser fundadas, acerca da legitimidade da invocação do sigilo profissional e da escusa em depor que o mesmo fundamenta – cfr. n.º 2 do artigo 135º do CPP.
Quando tal acontecer, como no caso vertente, o Juiz decide sobre a legitimidade da escusa depois de ouvida a Ordem dos Advogados – cfr. n.º 4 do artigo 135º do CPP.
No caso concreto, os elementos que foram colocados à nossa disposição não nos permitem, com rigor, concluir se os factos sobre os quais se pretende que o Senhor Dr. A venha a depor constituem, efectivamente, matéria sigilosa.
Contudo, do ponto de vista teórico, o Senhor Dr. A terá tomado conhecimento dos factos que constituem objecto do processo-crime em curso por duas vias: (i) ou por os ter presenciado e, portanto, porque deles tem conhecimento directo; (ii) ou porque tais factos lhe foram dados a conhecer por algum dos seus clientes – a X ou o arguido.
E se os factos aos quais o depoimento do Senhor Dr. A é pretendido lhe foram dados a conhecer por algum dos seus clientes – a X ou o arguido –, tal significa que deles teve conhecimento no exercício da profissão e por causa desse mesmo exercício e, como tal, indubitavelmente, abrangidos pela esfera de protecção do sigilo profissional por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do EOA.
Pelo que, neste caso, considerando a razão de ciência do Senhor Dr. A, entendemos, sem margem para dúvidas, que a escusa para depor apresentada é legítima, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 135º n.ºs 1, 2 e 4 do CPP.
Já quanto à hipótese colocada em (i) supra, isto é, se o Dr. A tomou conhecimento dos factos que constituem objecto do processo-crime por os ter presenciado, só não estará, quanto a eles, sujeito a sigilo profissional se o depoimento a prestar se restringir à expressão literal dos factos vertidos na acusação.
Fora deste contexto, valem aqui, mutatis mutandi, as considerações atrás tecidas acerca da sujeição do Dr. A ao dever de sigilo e, consequentemente, da legitimidade da escusa apresentada nos autos.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2013.
A Assessora Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
Concordo e homologo o parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
Notifique-se.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2013.
O Presidente do Conselho Distrital de Lisboa
Vasco Marques Correia
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[1] Também aplicável ao processo civil – vide artigos 519º, n.º 3 al. b) e n.º 4, e 618º, n.º 3, ambos do
Código de Processo Civil.
[2] Parecer do Conselho Distrital de Lisboa nº 2/02, aprovado em 6.2.2002, e no qual foi relator o Dr. José
Mário Ferreira de Almeida.
[3] “Introdução à Advocacia: História – Deontologia, Questões Práticas”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 1996,
p. 65
[4] Parecer do Conselho Distrital de Lisboa nº 02/01, no qual foi relator o Dr José Ferreira de Almeida, aprovado em sessão plenária no dia 13.03.2003
Sandra Barroso
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