Consulta nº 3/2013
Consulta n.º 3/2013
Assunto:
Incidente processual de quebra do sigilo profissional
Questão
Vem o Exmo. Senhor Juiz Desembargador da - Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de - solicitar ao Senhor Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados a emissão de parecer, nos termos e para os efeitos do disposto nos números 3 e 4 do artigo 135º do Código de Processo Penal (doravante CPP).
O incidente de quebra do sigilo profissional foi suscitado no âmbito do processo pendente nos Serviços do Ministério Público junto da Comarca do Alentejo Litoral , sob o n.º - , quanto ao Senhor Advogado, Dr. A.
De facto, o Senhor Dr. A, mediante requerimento dirigido ao processo e constante de fls. 148, escusou-se a depor com fundamento no segredo profissional, ao abrigo da faculdade concedida pelo n.º 1 do artigo 135º do CPP.
Face à escusa apresentada, o Senhor Magistrado do Ministério Público junto da Comarca do Alentejo Litoral requereu ao Senhor Juiz de Instrução que suscitasse junto do Tribunal da Relação de - o incidente de prestação de depoimento com quebra do segredo profissional do Senhor Dr. A, a fim de ser inquirido como testemunha no processo n.º - .
Por despacho proferido em 28.11.2012, o Senhor Juiz de Instrução ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de - para apreciação do mencionado incidente, nos termos e com os fundamentos que passamos a enunciar:
“Por requerimento de fls. 148, veio o Advogado Dr. A escusar-se ao depoimento testemunhal, nos termos do artigo 135º, n.º 1 do Código de Processo Penal e com fundamento no segredo profissional decorrente do patrocínio forense.
Analisados os autos, os factos sobre os quais a testemunha iria depor reportam-se ao patrocínio forense, tendo em conta o disposto no artigo 87º do estatuto da Ordem dos Advogados.
Pelo exposto, considero a escusa invocada legítima.
(…)
Nos presentes autos investiga-se a prática de crime de violação de segredo, previsto no artigo 195º do Código Penal, consubstanciado na circunstância de desconhecidos terem revelado a B factos abrangidos pelo segredo bancário.
Ouvido como testemunha, o referido B declarou que os factos narrados no articulado apresentado na acção laboral identificada na denúncia não foram por si comunicados ao seu mandatário, o referido Dr. A, desconhecendo como este obteve conhecimento dos mesmos, designadamente como teve acesso aos documentos ali juntos.
Ora, só após a audição do mencionado Advogado será possível apurar a identidade do autor dos factos em investigação.
Por outro lado, a tutela do segredo do advogado não prevalece sobre o bem jurídico subjacente à norma incriminadora acima referida – o segredo bancário -, nem sobre os interesses da pessoa cujos dados bancários foram revelados.
Assim, o seu depoimento mostra-se imprescindível para a descoberta dos factos em apreço nos autos e justificada a prestação de depoimento com quebra de segredo profissional, nos termos do artigo 135º, n.º 3, do Código de Processo Penal. (…)”.
Recebido o incidente processual no Tribunal da Relação de -, veio este solicitar a pronúncia deste Conselho, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 135º do CPP.
É o que faremos de seguida.
Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa
Nunca é de mais referir o carácter fundamental e verdadeiramente basilar que a obrigação de segredo profissional reveste para o exercício da Advocacia.
Mas não só.
Trata-se de dever de primordial importância para o reconhecimento da plenitude de um Estado do Direito Democrático como consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
É que o Estado de Direito Democrático não só exige um poder judicial independente, como também tem ainda subjacente o exercício de uma Advocacia livre, independente e responsável. Advocacia que, para ser exercida desta forma, terá necessariamente de, nas relações estabelecidas entre os Advogados e os seus clientes, assentar num elevadíssimo grau de confiança entre as partes.
Contudo, e mais do que exigido pelas partes, o segredo profissional é algo que é exigido pela própria ordem social e vertido em forma de lei no Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor (Lei n.º 15/2005, 26 de Janeiro).
E isto porque o sigilo vai ter frequentemente outros destinatários ou beneficiários para além do cliente, no âmbito dos serviços a este prestados, devendo o Advogado ser, nas suas múltiplas relações sociais e profissionais, merecedor de confiança e isenção. Não apenas o Advogado individualmente considerado, como profissional liberal que é, mas como membro de uma classe profissional.
Por isso, convirá realçar de forma plenamente convicta que estamos perante um dever com carácter social ou de ordem pública e não de natureza meramente contratual. Mais do que um dever do próprio profissional, “o sigilo é um dever de toda a classe, é condição da plena dignidade do Advogado bem como da Advocacia”[1].
Mas, tal não significa que o dever de guardar sigilo seja absoluto. Bem assim, existem casos em que o levantamento da obrigação de guardar sigilo profissional se poderá justificar. Se tal não acontecesse, em situações obviamente excepcionais, elementares princípios de justiça correriam o risco de serem fortemente atingidos.
Assim, e para o efeito, estabelece a lei dois mecanismos que se diferenciam desde logo a propósito do sujeito que tem legitimidade para impulsionar o levantamento do segredo profissional:
Dispensa de sigilo profissional, a qual é solicitada pelo Advogado detentor dessa obrigação ao Presidente do Conselho Distrital competente, sendo concedida, caso se verifiquem preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados;
Incidente processual de quebra de sigilo profissional (mecanismo previsto no artigo 135º do Código de Processo Penal[2]), tendo legitimidade para o desencadear qualquer das partes em juízo ou a autoridade judiciária.
A decisão da quebra de sigilo é tomada, com audiência prévia, no caso concreto, da Ordem dos Advogados, audiência essa que recairá inevitavelmente, quanto ao preenchimento, ou não, das condições de que depende a quebra do sigilo profissional. Ou seja, sobre a existência de um interesse superior aos interesses que se visa proteger com a obrigação de guardar sigilo profissional.
Em suma, para que se possa concluir pela existência de um interesse preponderante há que verificar, em concreto e tal como o pedido de quebra se encontra alicerçado, se a audição do Advogado com quebra do sigilo, se reveste de absoluta necessidade, isto é, de imprescindibilidade, o meio de prova sujeito a sigilo tem de ser indispensável (ou seja, imprescindível, e não meramente útil) face ao objectivo de prova visado; de essencialidade, o meio de prova sujeito a sigilo tem de ser absolutamente determinante; e de exclusividade, pressupondo este requisito a inexistência de qualquer outro meio de prova para além do meio de prova sujeito a sigilo.
Sucede que, no caso vertente, e tal como se encontra recortado o pedido de audição da Ordem dos Advogados deduzido, nada nos permite concluir pela existência de um interesse preponderante ao sigilo que leve ao sacrifício deste dever. E, tal deve-se, unica e exclusivamente, à ausência de elementos fácticos que permitam essa ponderação.
Para que seja quebrado o dever de sigilo profissional, será, a nosso ver, sempre exigível uma situação de total excepcionalidade e absoluta necessidade da audição do Advogado em causa sobre os factos de que tomou conhecimento no exercício da profissão.
O que não se manifesta de forma nenhuma fundamentada ou concretizada no incidente de quebra de sigilo profissional deduzido e ora sob análise.
Inclusive desconhece-se que factos foram articulados na acção laboral e que documentos foram juntos à mesma pelo Senhor Dr. A. Elementos, quanto a nós, essenciais para que pudéssemos, com algum rigor e de forma sustentada, aferir da absoluta necessidade de audição do Senhor Dr. A com quebra do sigilo profissional.
Em suma, não estão, a nosso ver, reunidas as condições de que depende a audição do Senhor Advogado Dr. A com quebra do sigilo profissional, no âmbito do processo pendente nos Serviços do Ministério Público junto da Comarca do Alentejo Litoral, sob o n.º -
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Agosto de 2013.
A Assessora Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
Lisboa, 6 de Agosto de 2013.
O Vogal do Conselho Distrital de Lisboa
(por delegação de poderes de 20 de Janeiro de 2011)
Paulo de Sá e Cunha
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[1] Bastonário Dr. Augusto Lopes Cardoso, in “Do segredo profissional na Advocacia”, Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados, 1998, p. 17.
[2] Também aplicável ao processo civil, por remissão do artigo 519º do C.P.C.
Sandra Barroso
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