Pareceres do CRLisboa

Consulta nº 14/2013

 Consulta n.º 14/2013
 
         Requerente:
                           
Assuntos:

•        Sigilo Profissional
 
 
Consulta
 
Por requerimento que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia 22 de Fevereiro de 2013 (Entrada nº -), vem o Sr. Advogado Consulente solicitar a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
 
1)   O Sr. Advogado Consulente é mandatário de uma Associação, doravante designada por A;
2)   Nessa qualidade, terá intentado contra o Estado uma acção administrativa comum e uma providência cautelar que correm os seus termos na - do Tribunal Administrativo de Círculo de -, sob os nºs – e - ;
3)   Quer a providência cautelar quer a acção administrativa comum visam obter uma decisão que declare que as normas constantes dos nºs 13 e 15 do art. 20º, o nº5 do art. 25º e o art. 202º todas da Lei 64-B/2011, de 30/12 não são aplicáveis à A e aos seus associados;
4)   Ora, ao longo dos últimos meses a A e o seu mandatário têm sido diariamente interpelados por numerosos associados que querem tomar conhecimento do teor das respectivas peças processuais e da providência cautelar, nomeadamente do teor das respectivas peças processuais, como querem também ter conhecimento do teor das peças processuais apresentadas pelo eEstado nas referidas acções;
5)   A Direcção da A, devido ao crescente número de associados que a tem interpelado, está a ponderar colocar na área reservada do seu portal todas as peças processuais da acção administrativa comum e da providência cautelar;
 
Dentro deste condicionalismo, solicita o Sr. Advogado consulente a emissão de parecer/autorização sobre a possibilidade de se proceder à divulgação pública, ainda que através da área reservada do portal da A, de todas as peças processuais relativas às acções acima referidas.  
 
 
 
parecer
 
Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), que cabe a cada um dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.
 
Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que estas “questões de carácter profissional” serão aquelas de natureza intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.
 
Isto quer dizer, por outras palavras, que as matérias sobre as quais a Ordem se deve pronunciar para efeitos do referido artigo deverão circunscrever-se à matéria relacionada com exercício da profissão, nomeadamente, e conforme é delimitado pelo Sr. Advogado requerente, à aplicação do art. 87º, nº1 e 4 quanto à possibilidade da A divulgar publicamente, através da área reservada do seu Portal na Internet, peças processuais por si assinadas em representação daquela Instituição – e à necessidade de ser obtida autorização prévia, para esse efeito.
 
Ora, dispõe o art. 87º, nº1 do EOA que “O Advogado é obrigado a guardar sigilo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente (...)”
 
Sucede que não se pode interpretar literalmente o conteúdo do nº1 do art. 87º do EOA pois se assim fosse, todos os factos – sem qualquer distinção – que chegassem ao conhecimento do Advogado estariam sempre sujeitos a sigilo.
 
Tal interpretação maximalista, e, digamos, desenquadrada do espírito do sistema colocar-nos-ia perante soluções totalmente desprovidas de sentido.
 
Basta-nos ver que até os próprios factos transmitidos por um cliente ao seu Advogado a fim de serem dados a conhecer em Juízo, estariam, como tal e a enveredar por uma interpretação apenas literal do regime do sigilo profissional, sempre sujeitos a esta obrigação – necessitando o Advogado de obter a respectiva dispensa sempre que quisesse apresentar em juízo uma qualquer petição inicial, requerimento, ou outro articulado processual.
 
Com efeito, de tal forma difícil se tornaria o exercício da profissão, que quase nada um Advogado poderia fazer sem solicitar a dispensa do sigilo profissional.
 
De facto, não é isso que a Lei pretende. Pelo que, haverá que desbravar caminho e encontrar outros índices de interpretação do art. 87º, nº1.
 
Ora, olhando para o regime jurídico – actual e anteriormente previstos – mas, mais do que tudo, para o que tem a Lei em vista, quando se analisa o instituto do sigilo profissional, somos da opinião que serão sigilosos aqueles factos relativamente aos quais, seja de concluir que quem os confiou ao Advogado, nomeadamente o seu cliente (ainda que não só, como poderá acontecer no caso de negociações entre as partes, acompanhadas por Advogado), tinha um interesse objectivo, face à relação de confiança existente, em que se mantivessem reservados[1]. Interesse esse que se presumirá sempre que tais factos não tenham sido transmitidos ao Advogado com o objectivo de serem dados a conhecer, pelo Advogado, a terceiros.
 
Com efeito, o sigilo pretende evitar que os factos transmitidos pelo cliente ao seu Advogado ou por este conhecidos no âmbito dos serviços aquele prestados sejam conhecidos de terceiros.
 
Por outro lado, haverá ainda que fazer uma segunda chamada de atenção no que tange à delimitação do que poderá, ou não estar abrangido pelo sigilo profissional, o que decorre da própria natureza de qualquer obrigação de confidencialidade. É que, só serão confidenciais os factos (e, por extensão, os documentos) que, por natureza, não tem um carácter público ou que não esteja livremente acessível ao público.

Assim, e dentro desta ordem de ideias, as peças processuais que constem de processos judiciais não estarão abrangidas pelo dever de segredo profissional, para os efeitos do previsto no art. 87º do E.O.A.
 
Aliás, no presente caso, e pelo que se percebe, nem sequer seria o Sr. Advogado consulente a revelar o seu teor, mas sim a Parte nesse mesmo processo – a A. Parte essa que não está igualmente limitada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados de dispor do teor dos articulados em processos nos quais é Parte. E de os revelar a terceiros no seu Portal, se assim entender.
 
 
CONCLUSÕES:
1)   As peças processuais que constem de processos judiciais não se encontram abrangidas pelo dever de segredo profissional, para os efeitos do previsto no art. 87º do E.O.A.
Assim,
2)   Não está a A limitada pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, nos termos e para os efeitos da mesma norma, de dispor do teor dos articulados em processos judiciais nos quais é Parte. E de os revelar a terceiros no seu Portal, se assim entender.
 
Lisboa, 16 de Setembro de 2013

(O Assessor Jurídico do CDL)
 
Rui Souto
 
Concordo e homologo o parecer anterior, nos preciso termos e limites aí fundamentados,
 
Lisboa, 16 de Setembro de 2013.
 
(O Vogal do CDL)
Por delegação de poderes de 29 de Janeiro de 2011
 
Paulo de Sá e Cunha



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[1] Posição semelhante podemos encontrar em Rodrigo Santiago, Considerações acerca do regime estatutário do segredo profissional dos advogados”, Revista da Ordem dos Advogados, 57, Janeiro de 1997, p. 229.

Rui Souto

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