Pareceres do CRLisboa

CONSULTA Nº 54/2008

Consulta n.º 54/2008

Assunto - Exame de processo judicial - artigo 74º do EOA.

Aprovação – Sessão Plenária de 17 de Dezembro de 2008

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Dos factos

O Senhor Advogado, ...titular da cédula profissional n.º .., com domicílio profissional sito na ......, veio solicitar a pronúncia do Conselho Distrital de Lisboa, relativamente à seguinte questão:

O Senhor Advogado consulente requereu, oralmente, junto dos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca..., o exame do processo de inquérito n.º ....., no âmbito do qual já foi proferido despacho de acusação, para julgamento em tribunal colectivo.

A consulta do processo foi-lhe negada pelo funcionário judicial que referiu que “o Senhor Advogado consulente só poderia consultar o processo se juntasse procuração, se se fizesse acompanhar do cliente ou requeresse por escrito, protestando juntar procuração”.

Por entender que esta conduta viola frontalmente o disposto no n.º 1 do artigo 74º do E.O.A., o Senhor Advogado consulente voltou a requerer, por escrito, a consulta do processo na secretaria, sem necessidade de juntar procuração.

 

Sobre o requerimento em causa, foi proferido despacho de indeferimento, com fundamento, por um lado, no facto do Senhor Advogado consulente não assumir, no referido inquérito, nenhuma das qualidades a que alude o n.º 1 do artigo 89º do C.P.P. e, por outro, no facto do Senhor Advogado consulente não ter alegado nem fundamentado qualquer interesse legítimo na consulta, tal como é exigido pelo artigo 90º do C.P.P.

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Da competência consultiva dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados

Nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, compete aos Conselhos Distritais pronunciarem-se sobre questões de carácter profissional, que se suscitem no âmbito da sua competência territorial.

A competência consultiva dos Conselhos Distritais está assim, limitada pelo E.O.A. a questões inerentemente estatutárias, isto é, as que revelam dos princípios, regras, usos e praxes que regulam e orientam o exercício da profissão, maxime as que decorrem das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido pela lei aos órgãos da Ordem dos Advogados.

Ora, a matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a uma “questão de carácter profissional” nos termos descritos, pelo que há que proceder à emissão de parecer sobre a questão colocada.

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Da questão suscitada

O Estatuto da Ordem dos Advogados consagra no n.º 1 do seu artigo 74º que, no exercício da sua profissão, o Advogado tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões, sem necessidade de exibir procuração.

O mencionado preceito legal reconhece assim, aos Advogados o direito de solicitar informação, examinar processos e pedir certidões, sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração, desde que tais documentos não tenham carácter secreto ou reservado.

É compreensível, parece-nos, que, eventualmente, o Advogado tenha de fazer prova da sua qualidade de Advogado, mediante a exibição da respectiva cédula profissional.
Mas, a junção ou sequer a exibição de procuração já não nos parece aceitável, pois que, ao exigi-lo, estar-se-ia a esvaziar de conteúdo o disposto no n.º 1 do artigo 74º do E.O.A.

Não obstante este direito reconhecido aos Advogados, no exercício da sua profissão, tem sido pacificamente entendido que o direito aqui consignado, relativamente a certidões (e pensamos que também, no que concerne às cópias), não prejudica o que se encontra estabelecido quanto às formalidades da sua obtenção.

É que, uma coisa é o direito atribuído por lei aos Advogados de poderem requerer, oralmente ou por escrito e sem necessidade de exibir procuração, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões.
Outra coisa, bem diferente, são os formalismos que a lei estabelece para a sua obtenção.
E, no caso concreto, ater-nos-emos, única e exclusivamente, ao disposto no artigo 90º do Código de Processo Penal, relativo à consulta de auto e obtenção de certidão por outras pessoas que não assumem nenhuma das qualidades a que alude o n.º 1 do artigo 89º do C.P.P., a saber, arguido, assistente, ofendido, lesado ou responsável civil.
Estatui o n.º 1 do artigo 90º do C.P.P. que, “qualquer pessoa que nisso revelar interesse legítimo pode pedir que seja admitida a consultar auto de um processo que não se encontre em segredo de justiça e que lhe seja fornecida, à sua custa, cópia, extracto, ou certidão de auto ou de parte dele. Sobre o pedido decide, por despacho, a autoridade judiciária que presidir à fase em que se encontre o processo ou que nele tiver proferido a última decisão”.
Ora, a aplicação do disposto na norma legal atrás transcrita não é, de todo, afastada pelo preceito estatutário, mantendo-se, pois, a necessidade de revelação de um interesse legítimo por parte do Advogado que requeira a consulta e/ou as certidões ou fotocópias.
Assim, o Tribunal Constitucional já se pronunciou, não julgando inconstitucional a interpretação do n.º 1 do artigo 90º do C.P.P., segundo a qual, mesmo nas situações em que seja um advogado a requerer a passagem de uma certidão de auto ou de parte dele, de um processo que se não encontre em segredo de justiça, deverá especificar em concreto o interesse que tal pedido determina.

Refira-se, por último, que a fundamentação do interesse legítimo na consulta do processo ou nas cópias, extractos ou certidões do mesmo não poderá acarretar para o Advogado um relato discriminado de todos os passos que o Advogado a seguir irá tomar, uma vez que tal poderá colocar alguns problemas no campo da obrigação de guardar sigilo profissional que vincula os Advogados.
Há interesse legítimo na consulta de determinado processo crime em que já tenha sido proferido o despacho de encerramento do inquérito, nos casos em que o Advogado, que se identifique como tal mediante exibição da respectiva cédula profissional, pretenda ponderar se aceita ou não o patrocínio ou a defesa, e isto sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração.

CONCLUSÕES:

1. O n.º 1 do artigo 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados reconhece aos Advogados o direito de solicitar informação, examinar processos e pedir certidões, sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração, desde que tais documentos não tenham carácter secreto ou reservado.
2. O direito aqui consignado, não prejudica o que se encontra estabelecido na lei quanto às formalidades da sua obtenção, nomeadamente, como sucede com o disposto no n.º 1 do artigo 90º do Código de Processo Penal.

3. Haverá assim, nos termos destas normas, um interesse legítimo na consulta de determinado processo crime em que já tenha sido proferido o despacho de encerramento do inquérito, nos casos em que o Advogado, que se identifique como tal, mediante exibição da respectiva cédula profissional, pretenda ponderar se aceita ou não o patrocínio ou a defesa, e isto sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2008

Sandra Barroso
Assessora Jurídica do C.D.L.

Sandra Barroso

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