Pareceres do CRLisboa

CONSULTA Nº 1/2009

CONSULTA Nº 1/2009

Relator: Rui Souto
Requerente: …..
Assunto:
Sigilo Profissional

CONSULTA

Por requerimento que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia 7 de Janeiro de 2009, com o nº ..., veio o Mmº Juiz da …ª Vara de Competência Mista do Tribunal de Família e menores e de Comarca de …., no âmbito do processo aí pendente com o nº …., solicitar a emissão de parecer sobre a “eventual violação do sigilo profissional, postulado no art. 87º, nº1, als. e) e f) do nº3 do E.O.A., aquando da apresentação da petição inicial e concomitante junção” de documentos.

Tal pedido de parecer vem acompanhado de certidão do despacho de fls 179 e 180 dos identificados autos, bem como de todos os articulados, documentos anexos à petição inicial e procuração forense.

Da leitura da documentação remetida a este Conselho Distrital de forma a instruir o presente parecer, podemos resumir a questão suscitada em juízo, nos seguintes termos:

A) No âmbito da acção judicial identificada, o A. pede que seja declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda celebrado com os RR, por culpa destes últimos, mais pedindo que sejam os RR condenados a pagar ao A. determinada quantia, respeitante ao dobro do sinal entregue, acrescido de juros de mora à taxa legal, já vencidos e calculados desde a data da comunicação de resolução do contrato e interpelação para pagamento.
B) Por sua vez, os RR, contestando, vieram solicitar que os factos relatados nos arts 19º a 23º, 35º a 39º, 43º e 54º da Petição Inicial, assim como os documentos juntos a mesma sob os nºs 3, 5 a 11 e 14, a 20 , porquanto invocados em violação do segredo profissional, não podem ser considerados, não podendo fazer qualquer prova em juízo.
C) Em Réplica, o A veio responder, invocando que:
1. Os factos alegados nos arts da Petição Inicial indicados foram-no pelo A., representado processualmente (como se impõe) por um mandatário (cfr arts 19 a 23 da Réplica);
2. Isto porquanto na génese de um processo judicial, encontra-se um mandato forense com poderes de representação, repercutindo-se os actos praticados por Advogado na pessoa do seu mandante, como se o próprio praticasse o acto (art. 24º).
Ou seja,
3. É como se fosse a parte a escrever a peça processual. (art. 31º)
4. Caso assim não fosse, em todas as peças processuais subscritas por Advogada, estes estariam a violar o segredo profissional, porquanto nas mesmas têm de articular factos conhecidos no exercício da sua profissão. (art 32º)
5. Já quanto aos arts 39 e 54 da Petição Inicial, não são estes mais do que conclusões (art. 35º)
Por outro lado,
6. Não terão existido negociações sobre o objecto do litígio, existiram, sim, negociações circunscritas a um negócio jurídico prometido, que como é óbvio e sucede em todas as causas relacionadas com incumprimento de contrato promessa que são discutidas perante órgãos jurisdicionais, têm por inerente um insucesso. (art. 42 e 43)
Contudo,
7. Tratou-se de um malogro, relativamente à não celebração do contrato definitivo, não relativamente às negociações sobre o litígio propriamente dito. (art. 44)
8. O documento nº3 junto aos autos constitui apenas carta remetida a um Chefe de Repartição de Finanças, onde negociações algumas se referem terem existido entre as partes (art. 54º);
9. O documento nº5 não é mais do que uma carta de interpelação dos RR para celebração do contrato prometido, remetida em cumprimento do mandato atribuído (art. 57º);
10. Os documentos nºs 6, 7, 10, 15, 17, 19 e 20 não são mais do que os comprovativos do envio e recepção dos documentos nºs 5, 9, 14, 16 e 18, pelo que não serão reveladores de nenhum conteúdo factual ou negocial (art. 59º);
11. O documento nº8, reflecte a vontade, aliás transmitida pelo mandatário dos RR, que assinara a carta em nome e representação daqueles, de vir a celebrar-se o contrato-prometido, onde nenhuma negociação é feita que contenda com o objecto do processo (art. 61º);
12. O documento nº9 não transparece qualquer tipo de negociação, muito menos malograda (art. 62º);
13. Os documentos nº11, 12, 13 e 16 traduzem-se no envio de parte da documentação solicitada e/ou a solicitação de elementos tendentes ao agendamento da escritura pública de compra e venda (art. 63º e 64º e 66º)
14. O documento nº 14, traduz-se na prática de dois actos jurídicos: nova interpelação para outorga de escritura pública e na conversão da mora em incumprimento definitivo se, findo um determinado prazo, a escritura não for celebrada, onde nenhuma negociação é feita (art. 65º)
15. O documento nº 18 constitui mera comunicação de perda de interesse e consequente conversão da mora em incumprimento definitivo (art. 67º).
Em conclusão,
16. Na perspectiva do A., todas as provas documentais juntas “não constituem quaisquer negociações malogradas, muito menos se referem, directamente, ao quanto é pedido, fundamentam sim os diversos passos que legal e juridicamente se exigem a qualquer parte para que diligencie pela outorga do contrato prometido e, caso seja a solução/vontade , converta a mora em incumprimento definitivo por perda de interesse.” – art. 68º.

 

PARECER


Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), que cabe a cada um dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.

Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que estas “questões de carácter profissional” serão aquelas de natureza intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.

A matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a uma “questão de carácter profissional” nos termos descritos. Pelo que há que proceder à emissão de parecer sobre as questões colocadas.

Sem prejuízo deverá realçar-se que a análise a empreender e a decisão a tomar sob a forma de parecer, haverá que, necessariamente, cingir-se aos factos trazidos ao conhecimento deste Conselho Distrital, de acordo com a forma como foram transmitidos e dentro dos limites das questões colocadas, sem que isso corresponda à tomada de posição ou apreciação de mérito deste órgão da Ordem sobre a questão de fundo sub judice.

Efectuadas estas necessárias observações prévias pensamos estar em condições de avançar na procura de uma resposta às dúvidas suscitadas pelo Mmº Juiz de Direito.

Como se tem escrito sempre que os órgãos desta Ordem são chamados a pronunciar-se sobre os fundamentos e o alcance do instituto do sigilo profissional, caso ao Advogado não fosse reconhecido o direito de guardar para si, e só para si, o conhecimento de tudo quanto o cliente, directamente ou por via de terceiros, lhe confiou, ou não fosse obrigado a reservar a informação que obteve no exercício do mandato, então não haveria autêntica advocacia.

O mesmo se diga quanto a determinadas relações estabelecidas por Advogado com terceiros, ainda que em cumprimento do mandato conferido pelo respectivo cliente.

O segredo profissional representa uma blindagem normativa e uma garantia legal inamovível contra as tentações de se obter confissão por interposta pessoa e contra a violação do direito à intimidade. É a garantia de existência de uma advocacia que para ser autêntica, tem de ser livre e independente.

Aliás, bem a propósito, o Dr António Arnaut, ilustríssimo Advogado, frisa esta ideia por nós também partilhada, ao escrever que “o dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade”.
Segundo entendimento já adoptado por anterior Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, existem três grandes ordens de razões que estão na origem da consagração estatutária do dever do Advogado guardar segredo profissional sobre factos e documentos, dos quais tome conhecimento no exercício da profissão:
“a) a indispensabilidade de tutelar e garantir a relação de confiança entre o Advogado e o cliente;
b) o interesse público da função do Advogado enquanto agente activo da administração da justiça;
c) a garantia do papel do Advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social.”

Em sentido semelhante, e como refere o Dr Fragoso Marques, os fundamentos ético-jurídicos do sigilo profissional têm as suas raízes no princípio da confiança, estruturante da natureza social e do interesse público do patrocínio forense.

O segredo profissional é, pois, um direito e uma obrigação fundamental e primordial do advogado, comum à profissão na maioria dos países. É parte essencial da função do advogado ser o depositário dos segredos do seu cliente e o destinatário de informações baseadas na confiança. Ora, sem a garantia de confidencialidade no exercício da Advocacia dificilmente será possível a quem contacta um Advogado dar-lhe a conhecer, com confiança, todos os factos necessários à prossecução do mandato.

Assim, pode-se ler no art. 87º do EOA, sob a epígrafe “Segredo Profissional” que:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
(…)”

Em primeiro lugar, diz-nos esta norma, no seu nº1 que “O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente (...)”.

Sob a fórmula constante do nº 1 do art. 87º do EOA, encontra-se aquela que é a regra geral do instituto jurídico-deontológico que ora analisamos. As demais regras previstas nas alíneas da mesma, são sobretudo explicitações ou pormenorizações daquela, que terão sido incluídas no EOA para salientar situações mais marcantes ou de maior dificuldade de interpretação. O sentido da letra de tal disposição, bem como a utilização do advérbio “designadamente”, não deixam, a este propósito, grandes margens para dúvidas.

Não obstante, trata-se, esta, de previsão legal que causa grandes problemas na procura do seu verdadeiro sentido. É que, se se compreende a consagração legislativa do segredo profissional, dada a sua importância fundamental para o exercício da Advocacia – como tivemos ocasião de realçar -, já o mesmo não se poderá dizer da forma como essa consagração foi vertida em letra de lei. Em nossa modesta opinião não terá sido a redacção mais feliz, pois, uma leitura apressada, poderá levar à criação de equívocos. E porquê? Desde logo por, qualificar como sujeitos a sigilo “todos os factos” que cheguem ao conhecimento do Advogado no exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

Uma leitura meramente literal do preceito, sem olhar para a essência ou natureza do sigilo profissional, levaria a conclusões absurdas. Basta-nos ver que até os próprios factos transmitidos pelo cliente ao Advogado que fundamentam os seus direitos, com vista à sua invocação em Juízo, estariam sempre sujeitos a esta obrigação – necessitando o Advogado de previamente solicitar dispensa desta obrigação quando quisesse construir uma qualquer petição inicial -. Não nos parece ser isso o que a norma pretende.

Em nossa opinião serão sigilosos aqueles factos, relativamente aos quais, que não sejam do conhecimento público, seja de concluir que quem os confiou ao Advogado, tinha um interesse objectivo, face à relação de confiança existente, em que se mantivessem reservados. Interesse objectivo que, por princípio, existirá, sempre que os factos dados a conhecer ao Advogado não o tenham sido com o expresso propósito de serem revelados a terceiros à esfera de protecção de confiança.

E, recorde-se que, tal como atrás já adiantámos sumariamente, essa esfera de protecção poderá abranger não apenas os factos que um Advogado toma conhecimento por via do seu cliente, mas também nas relações estabelecidas com terceiros no desempenho do mandato

Assim se passa, como paradigma, no caso de negociações encetadas entre mandatários. Tenham elas malogrado ou não, e tenham sido desenvolvidas em preparação ou execução de um contrato, ou com vista à resolução de um diferendo ou litígio entre as partes. Aliás, o art. 87º do EOA, parece-nos bem claro quanto a este aspecto. O que está em causa é a sujeição ao dever de sigilo profissional dos factos que um Advogado tenha tido conhecimento:
- Por lhe terem sido transmitidos pela contraparte ou respectivo representante durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio – al. e) do art. 87º. E isto independentemente de as negociações terem malogrado ou não, desde que subjacente esteja a tentativa de se chegar a um acordo para pôr termo a um diferendo ou litígio (judicial ou não).
- No âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo - al. e) do art. 87º. E sublinhe-se que em tal situação não se exige que as negociações malogradas tenham por objecto um litígio processual pendente, abrangendo assim, quaisquer negociações, mesmo quando em execução de um contrato (como é o caso dos contratos-promessa). Aliás, o pronome indefinido “quaisquer” utilizado pelo legislador não deixa grandes margens para dúvida neste sentido.

E mais se deverá acrescentar que estarão sujeitos ao sigilo, no decurso de negociações, todos os factos, seja qual for a fonte do respectivo conhecimento – cliente, co-interessado ou contraparte -, que sejam transmitidos entre os participantes nas negociações abrangidos pela esfera de protecção do sigilo.

Isto é de fácil explicação. Sem a imposição de um dever de guardar segredo profissional, dificilmente duas partes em litígio entabulariam negociações acompanhadas por Advogado.

Com efeito, a fase negocial é propícia à transmissão de posições entre as partes que não correspondem à convicção que elas têm sobre os respectivos “direitos”, mostrando-se dispostas a ceder em determinados pontos. Aparentam teses que, noutras circunstâncias seriam muito diferentes, pautando-se por critérios de conveniência e não estritamente jurídicos. Mesmo fora destes casos, não são poucas as vezes em que vão sendo transmitidos factos entre os mandatários (ou entre as próprias partes e os mandatários das contrapartes ou compartes), e que o são, independentemente de dizerem ou não respeito ao objecto das negociações propriamente ditas, por existir a convicção de que os Advogados estão vinculados ao sigilo. E estão-no, em bom verdade, por via da regra geral do nº1 do art. 87º do EOA.

Por outro lado, ainda que se chegue a acordo, ou se termine com a celebração de um contrato, as posições que foram sendo transmitidas entre as partes, que acabaram por não constar do acordo ou contrato, não poderão deixar de ser mantidas em sigilo.

Mas mais ainda haverá que acrescentar quanto ao que já foi, por nós, escrito. A actuação de um Advogado nos serviços que presta aos seus clientes é conduzida pela figura da representação e do contrato de mandato. Os actos praticados na execução dos serviços prestados são-no por conta do seu cliente e, em última medida, repercutem-se na esfera jurídica deste último. É um facto. Contudo, o Advogado, no exercício da profissão e desempenho do mandato, está adstrito a normas legais que o vinculam, em particular no plano deontológico. No caso da obrigação de guardar sigilo profissional, trata-se este de um dever legal que se impõe ao Advogado. E porque o regime legal instituído, acima de tudo, protege os factos abrangidos pelo sigilo e vincula o Advogado, a mera e simples narração ou articulação dos mesmos, pela sua pena (ainda que em desempenho do mandato), com a indicação da intervenção de Advogados na questão, encontra-se-lhe vedada, salvo se tiver sido previamente dispensado para o efeito pelo Presidente do Conselho Distrital competente, conforme exige o art. 87º, nº4 do EOA.

A sanção legalmente prevista e aplicável à violação do sigilo pelo Advogado decorre do art. 87º, nº5 do EOA: “os actos praticados pelo Advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo.”

Daí que, quando hajam sido juntos a processo documentos sigilosos, mais não deve o Juiz do que ordenar o seu desentranhamento, por não só tratar-se da prática de um acto inútil, como da prática de um acto proibido por lei. Mas que fique bem claro que temos aqui em vista todos os documentos sigilosos, sem prejuízo do particular relevo e cuidado que se deverá ter quanto à troca de correspondência entre mandatários, nas quais as relações jurídicas que vieram depois a ser sujeitas a contencioso são tratadas. E de modo algum será sustentável que esses documentos trocados entre mandatários sejam vistos como estando a coberto pelo sigilo apenas quando se reportassem a transacções negociais malogradas, como por vezes se vê argumentar de forma manifestamente contrária ao normativo legal em vigor.

Por outro lado, a mera articulação de factos sigilosos pelo Advogado, independentemente dos meios de prova que seguidamente sejam usados para os corroborar, deverá ser considerada como inatendível e tidos tais factos como não escritos, por não poder ser feita prova sobre os mesmos.

Esclarecida a nossa linha de pensamento, julgamos estar em condições de responder às questões colocadas.

Nesta medida, parece-nos que os arts 19º a 21º da Petição Inicial, tendo em quanto que aludem a factos negociais, mencionando-se expressamente a intervenção dos mandatários em tais realidades, nomeadamente como autores das missivas, estarão sujeitos ao dever de sigilo, não podendo ser considerados em juízo.

O mesmo já não se passará quanto aos demais factos articulados, tendo em conta que não é feita qualquer referência à intervenção dos Mandatários nos mesmos.

Maior atenção deverá ser dirigida aos documentos existentes nos autos. É que, nem todos estão, a nosso ver, vinculados pelo segredo, e os que estão, parece-nos útil justificar tal sujeição.
Efectivamente olhando para o doc. nº3, conclui-se tratar de cópia de um requerimento dirigido por um dos RR ao Chefe da Repartição de Finanças do Concelho de Benavente e, nessa medida, para efeitos do art. 87º do EOA, documento com carácter não sigiloso. Tal como não estarão sujeitos a tal obrigação qualquer documento que conste de processo judicial ou administrativo. Isto, claro, sem prejuízo de eventuais normas que estipulem a sua confidencialidade, com outros fundamentos jurídicos que não o sigilo profissional. Mas nesse campo, será matéria quanto à qual não competirá à Ordem dos Advogados pronunciar-se.

Em segundo lugar, e a propósito dos Docs nºs 5, 14, 16 e 18, não se poderá ignorar a sua natureza interpelatória. É nosso entendimento que as meras interpelações, externas a qualquer processo negocial, não estão sujeitas ao segredo profissional, por se destinarem, precisamente, a marcar a posição dos direitos e interesses dos clientes dos Advogados em relação a terceiros daí retirando consequências práticas e jurídicas. Contudo, a verdade é que do teor de tais documentos decorre não só a simples interpelação de uma parte à outra para prática de determinado acto, como ainda se faz alusão a factos de que a Sra Advogada requerente tomou conhecimento no âmbito das negociações havidas com a contraparte no negócio. Por esta razão, tais documentos verificam-se abrangidos pelo sigilo.

Como estarão os Docs. nºs 8, 9, 11, porquanto se trata de correspondência claramente com carácter negocial, também sujeitos ao dever de sigilo profissional.

Finalmente, quanto aos Docs nºs 6, 7, 10, 15, 17, 19 e 20, manifesta-se que tais corresponderão a simples talões de registos ou aviso de recepção quanto a cartas trocadas entre mandatários. Não revelam qualquer facto ou realidade intrínseca às negociações havidas, pelo que não estão, em nossa modesta opinião, sob a égide do sigilo profissional.

Assim sendo, estamos em condições de serem traçadas as necessárias CONCLUSÕES:

1.
Nos termos do art. 87º do EOA, “O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
(…)
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo;
(…)
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
(…)
5 - Os actos praticados pelo Advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo

2.
Tendo sido juntos a processo judicial pendente documentos sigilosos, deverá o Tribunal ordenar o seu desentranhamento, por não só tratar-se da prática de um acto inútil, como da prática de um acto proibido por lei

 

Por outro lado,
3.
A mera articulação de factos sigilosos pelo Advogado, independentemente dos meios de prova que seguidamente sejam usados para os corroborar, deverá ser considerada como inatendível e tidos tais factos como não escritos, por não poder ser feita prova sobre os mesmos

4.
Analisados os factos e documentos colocados à consideração deste Conselho Distrital, verifica-se que os arts 19º a 21º da Petição Inicial subscrita por Advogada, porque aludem a factos negociais, mencionando-se expressamente a intervenção dos mandatários em tais factos, estarão sujeitos ao dever de sigilo, não podendo ser considerados em juízo.

5.
Os documentos identificados sob os nºs 5, 8, 9, 11, 14, 16 e 18 porquanto ressalta do seu teor a comunicação de factos transmitidos em sede de negociações entre mandatários, verificam-se chancelados pelo dever de sigilo, pelo que não deveriam ter sido juntos aos autos, salvo se tivesse sido requerida e concedida a necessária autorização para o efeito, nos termos do art. 87º, nº4 do EOA.

6.
No que concerne à restante alegação de factos e junção de documentos, não nos foi possível, com os fundamentos acima expostos, concluir pela sua sujeição ao dever de segredo profissional.

Lisboa,
Rui Souto

Rui Souto

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