Pareceres do CRLisboa

Consulta nº 11/2009

Consulta n.º 11/2009

Questão

O Senhor Advogado, Dr... vem solicitar que o Conselho Distrital de Lisboa emita parecer sobre a factualidade que passamos a enunciar:

  1. O Senhor Advogado consulente foi notificado, nos termos do disposto nos artigos 229º-A e 260º-A do Código de Processo Civil, da apresentação das alegações de recurso, no âmbito do processo n.º .., da 2ª Secção do Tribunal de Lisboa.
  2. Este processo tem origem numa acção cível cujo valor é de € 322.542,99.
  3. As alegações de recurso foram subscritas por uma Advogada e por um Advogado Estagiário.
  4. Contudo, a Advogada juntou um substabelecimento com reserva a favor do Advogado Estagiário, sem qualquer motivação sobre o mesmo, e não juntou procuração conjunta.

 

Considerando a factualidade exposta, vem o Senhor Advogado consulente solicitar a emissão de parecer quanto à legitimidade dos actos praticados.

Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa

O Estágio em Advocacia é a actividade que se destina a preparar o ingresso no exercício da profissão, através da aprendizagem e da prática progressiva, pelo licenciado em Direito, das regras técnicas e deontológicas da Advocacia.

 

Aliás, pensamento bem patente no teor do artigo 188º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro (EOA).

Por via desta norma, apreende-se com certa segurança o que são os objectivos do Estágio em Advocacia:

  • A primeira fase do estágio destina-se a fornecer aos estagiários os conhecimentos técnico-profissionais e deontológicos fundamentais e habilitá-los para a prática de actos próprios da profissão.
  • A segunda fase do estágio destina-se a dar a conhecer ao estagiário o que é a vivência da profissão, baseada no relacionamento com os patronos, intervenções judiciais em práticas tuteladas, contactos com a vida judiciária e demais serviços relacionados com a vida judiciária.

A competência do advogado estagiário está prevista no artigo 189º do EOA.

Da sua leitura decorre que, na fase inicial do estágio, está vedada ao advogado estagiário a prática de quaisquer actos próprios da profissão, ainda que se trate de causa própria, do seu cônjuge, descendente ou ascendente (ao contrário do que previa o anterior Estatuto). 

Na fase de formação complementar, e uma vez obtida a cédula profissional – o advogado estagiário pode, autonomamente, (1) praticar todos os actos de competência dos solicitadores, (2) exercer a advocacia em processos penais da competência de tribunal singular, (3) em processos não penais quando o respectivo valor caiba na alçada da primeira instância, (4) em processos da competência dos tribunais de menores e em processos de divórcio por mútuo consentimento e, ainda, (5) exercer a consulta jurídica.

Procurando sempre o necessário equilíbrio entre a relevância essencial da advocacia na efectivação dos direitos e interesses dos cidadãos e o fim que visa prosseguir o estágio do advogado estagiário, preparando-o, de modo pleno e autónomo, para o exercício da profissão, o legislador entendeu alargar o âmbito das competências próprias do advogado estagiário, permitindo a sua intervenção em todo e qualquer processo, independentemente do valor, desde que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 189º do EOA, efectivamente acompanhado do seu patrono, a quem compete assegurar a tutela do seu tirocínio.

E, partindo destas premissas, vejamos então o caso concreto.

O Senhor Advogado Estagiário tem competência autónoma para subscrever as alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, cuja base jurídica reside numa acção cível cujo valor é € 322.542,99?

Parece-nos que não e vejamos porquê.

É que, olhando para o disposto na 2ª parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 189º do EOA, facilmente concluímos que o advogado estagiário só tem competência para, autonomamente, exercer a advocacia em processos não penais quando o respectivo valor caiba na alçada da primeira instância, ou seja, até € 5.000,00.
O que não é manifestamente o caso.

Mas, apesar de não ter competência autónoma para intervir no processo judicial em causa, o Senhor Advogado Estagiário, Dr. ..., pode nele intervir, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 189º do EOA.

 

E, a prática de actos próprios do advogado pelo advogado estagiário nos processos a que se reporta o n.º 2 do artigo 189º do EOA está condicionada ao efectivo acompanhamento pelo patrono que assegura a tutela do tirocínio do advogado estagiário.

E o que implica, em termos práticos, esse efectivo acompanhamento pelo patrono?

Ora, sobre esta questão já foi emitido Parecer pela Comissão Nacional de Estágio em 5 de Dezembro de 2005, homologado em 6 de Janeiro de 2006, pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

Aí se conclui que a tutela do tirocínio do advogado estagiário implica que, nos processos a que se reporta o n.º 2 do artigo 189º do EOA:

  1. O mandato judicial seja conferido conjuntamente ao advogado estagiário e ao patrono;
  2. Que todas as peças processuais em que se coloquem questões de direito sejam subscritas por ambos;
  3. E ainda que o patrono esteja presente em todas as diligências orais a que haja lugar.

A solução plasmada no ponto i. do referido parecer parte do pressuposto do mandato conjunto ser conferido ab initio, nos termos previstos no artigo 1160º do Código Civil, ou seja, por vontade do mandante.

E se tiver em causa um processo judicial no âmbito do qual o patrono já tem intervenção, como acontece no caso concreto?

 

 

Vejamos então.

O mandato judicial atribui poderes ao mandatário para representar a parte (o mandante) em Tribunal.
E é a procuração (forense) que materializa o contrato de mandato celebrado entre a Dra. ..... e o recorrido. 

Nos poderes que a lei presume conferidos aos mandatários está incluído o de substabelecer o mandato.
O substabelecimento pode ser com reserva ou sem reserva.
O n.º 3 do artigo 36º do Código de Processo Civil consagra expressamente que o substabelecimento sem reserva implica a exclusão do primitivo mandatário.

Já no substabelecimento com reserva, a parte fica representada por dois mandatários, cada um deles com plenos poderes para praticar actos processuais em representação da parte.
Ou seja, o substituinte não é excluído da posição representativa, subsistindo antes dois mandatos.

E estas regras processuais do mandato judicial têm de ser lidas em articulação com o n.º 2 do artigo 189º do EOA.
Ou seja, a advogada (mandatária) do recorrido mantém todos os poderes de representação que lhe foram conferidos pelo recorrido (mandante), ficando a subsistir no processo dois mandatos, precisamente com o mesmo conteúdo, com a particularidade do Advogado Estagiário não poder, só por si, por força do Estatuto, praticar actos judiciais no processo judicial em causa.

 

E terá sido precisamente o que aconteceu no caso concreto: as alegações de recurso foram subscritas, conjuntamente, por Advogada e por Advogado Estagiário, e o substabelecimento, com reserva, junto aos autos, legitima a intervenção do Advogado Estagiário nos autos, intervenção que decorreu sob a tutela da Senhora Advogada, tal como é exigido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados.

Considerando o exposto, e de acordo com os elementos trazidos ao conhecimento deste Conselho pelo Senhor Advogado requerente, não nos parece existir qualquer irregularidade na intervenção do Senhor Advogado Estagiário nos autos.

 

CONCLUSÕES:

  • Na fase inicial do estágio, mostra-se vedado ao advogado estagiário a prática de quaisquer actos próprios da profissão. 
  • Contudo, na fase de formação complementar, e uma vez obtida a cédula profissional – o advogado estagiário pode, autonomamente, (1) praticar todos os actos de competência dos solicitadores, (2) exercer a advocacia em processos penais da competência de tribunal singular e (3) em processos não penais quando o respectivo valor caiba na alçada da primeira instância, (4) em processos da competência dos tribunais de menores e em processos de divórcio por mútuo consentimento e, ainda, (5) exercer a consulta jurídica.  
  • É ainda permitido ao advogado estagiário intervir em todo e qualquer processo, independentemente do valor, desde que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 189º do EOA, efectivamente acompanhado do seu patrono, que assegure a tutela do seu tirocínio.
  • A prática de actos próprios de advogado pelo advogado estagiário nos processos a que se reporta o n.º 2 do artigo 189º do EOA está condicionada ao efectivo acompanhamento pelo patrono que assegura a tutela do tirocínio do advogado estagiário.  
  • E, a tutela do tirocínio implica que o mandato judicial seja conferido conjuntamente ao advogado estagiário e ao patrono e que todas as peças processuais em que se coloquem questões de direito sejam subscritas por ambos, devendo o patrono estar presentes em todas as diligências orais a que haja lugar.
  • A junção aos autos judiciais de substabelecimento com reserva a favor do Advogado Estagiário, no âmbito dum processo judicial para o qual não tem competência autónoma, mas em que a sua intervenção decorreu sob a tutela de Advogada, cumpre as formalidades exigidas, quer pela lei processual civil, quer pelo n.º 2 do artigo 189º do E.O.A.

 

Lisboa, 17 de Março de 2009

Sandra Barroso
Assessora Jurídica do C.D.L.

 

Bastonário Carlos Lima, “Aspectos do Estágio”, ROA, 32, 554 a 772.

Sandra Barroso

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