Pareceres do CRLisboa

Consulta nº 15/2009

Consulta n.º 15/2009 Questão O Senhor Advogado, Dr...., vem solicitar que o Conselho Distrital de Lisboa emita parecer sobre a necessidade de requerer a dispensa de segredo profissional para, em representação de um cliente, exibir em Tribunal nota de serviços e honorários apresentada por Colega a esse mesmo cliente, comprovativa de anterior relação profissional entre a Colega e este último. Acrescenta ainda o Senhor Advogado consulente que a discriminação de serviços constante da nota de honorários é, no essencial, a seguinte: i. Assistência à identificação dos programas contratuais da sociedade em causa e demais partes contratualmente vinculadas no processo de reestruturação accionista de sociedade terceira e de reorganização do sector económico em causa, com vista à retoma das negociações com todos os accionistas desta última sociedade. ii. Elaboração de memorandos e pareceres jurídicos acerca dos processos contratuais anteriormente decorridos e acerca das questões jurídicas relevantes que novas orientações políticas envolveriam para as partes contratualmente vinculadas. iii. Assistência à contratação accionista no âmbito da sociedade terceira no quadro da assembleia-geral electiva. iv. Participação em diversas reuniões com consultores acerca do modelo de reorganização do sector económico em causa. v. Assistência na definição da estratégia a seguir pela sociedade em causa e demais accionistas públicos da sociedade terceira, enquanto accionistas desta, e elementos essenciais à concretização das orientações políticas de reorganização do sector económico em causa. vi. Concepção e discussão com o Governo português e a sociedade em causa, com vista à aprovação de soluções alternativas para a prossecução dos objectivos de reestruturação accionista da sociedade terceira e reorganização do sector económico em causa, em particular com vista à transferência de certos activos para a sociedade em causa. vii. Elaboração de memorandos e pareceres acerca das questões jurídicas relevantes que se foram colocando ao longo dos processos negociais, viii. Articulação de posições entre as partes públicas do processo de reestruturação accionista da sociedade terceira e assistência permanente ao processo de negociação de soluções jurídicas alternativas à prossecução dos objectivos definidos. ix. Acompanhamento do processo de formação dos instrumentos contratuais de execução da solução consensualizada entre a sociedade em causa para implementação dos objectivos definidos, designadamente, o de transferência para a sociedade terceira de activos. x. Assistência na execução dos contratos celebrados e na preparação do primeiro aditamento ao Acordo Parassocial celebrado no âmbito da sociedade terceira. Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa Estatui o n.º 1 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) que “ O Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços (…)”. Portanto, a regra é a de que os advogados são obrigados a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhes advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, sendo as alíneas do n.º 1 do artigo 87º do EOA, meramente exemplificativas. Conforme entendimento pacífico na Ordem, as normas que proíbem a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional estatutariamente imposto ao advogado são de interesse e ordem pública, e não tanto, ou apenas, de natureza contratual. O segredo profissional tem na sua génese a necessidade não só de garantir a relação de confiança entre o advogado e o cliente – que deve ser sem limites, mas também o interesse público da função do advogado enquanto agente activo da administração da justiça, entendida em sentido amplo e não restrita à actividade judicial. Tanto assim é que, nos termos do n.º 2 do artigo 87º do EOA, a obrigação do advogado guardar segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido envolva ou não representação judicial. E não residindo a natureza jurídica do segredo profissional do advogado no foro contratual, então não surpreende que a autorização do cliente não baste para a sua desvinculação. Em suma: A existência da obrigação de segredo profissional impede o Advogado de revelar os factos sigilosos e/ou os documentos nos quais esses factos possam estar contidos, excepto se devida e previamente autorizado pelo Presidente do Conselho Distrital respectivo, verificados que estejam os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro), e pelo artigo 4º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional. Assim, coloca-se uma primeira questão, que é a de saber se a nota de honorários com a discriminação dos serviços tal qual foram elencados pelo Senhor Advogado consulente estará sujeita a sigilo profissional? Entendemos que sim. Da nota de honorários constam, de forma detalhada, os serviços jurídicos prestados por um Colega ao actual cliente do Senhor Advogado consulente, serviços esses que, tanto quanto se alcança, foram prestados no âmbito de um processo negocial. A referência feita aos serviços prestados na nota de honorários envolve, sem sombra de dúvidas, a divulgação de factos concretos sujeitos a segredo profissional, tal como é exigido pelo n.º 1 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados. E, contendo factos sigilosos, está a nota de honorários, por força do disposto no n.º 3 do artigo 87º do EOA, coberta pelo sigilo profissional. Só assim não seria se a referência feita aos serviços prestados na nota de honorários fosse de tal forma genérica que não chegasse a envolver a divulgação de qualquer facto concreto sujeito a segredo profissional. O que não é manifestamente o caso. Coloca-se, agora, uma segunda questão: Está o Senhor Advogado consulente também ele abrangido pela obrigação de segredo profissional quanto à nota de honorários em causa? O Senhor Advogado consulente tomou conhecimento da nota de honorários e dos factos nela contidos no exercício da sua profissão e por força desse mesmo exercício. E assim sendo, o segredo profissional a que o Colega que emitiu o nota de honorários está sujeito, enquanto titular originário do sigilo, transmitiu-se integralmente, em toda a sua extensão e com todos os seus destinatários ou beneficiários, para o Senhor Advogado consulente, que lhe sucedeu – tanto quanto entendemos – no patrocínio do cliente em causa em que esses factos têm relevo. E isto, mesmo que a nota de honorários não tenha sido transmitida ao Senhor Advogado consulente – sucessor no sigilo, pelo titular originário do sigilo, mas conste do dossier que eventualmente lhe foi entregue pelo próprio cliente. Assim sendo, pretendendo o Senhor Advogado consulente exibir em Tribunal a referida nota de honorários, deverá, previamente, requerer a dispensa do sigilo profissional ao Presidente do Conselho Distrital de Lisboa, a quem compete, nos termos do EOA, autorizar a dispensa de sigilo profissional, desde que estejam preenchidos os requisitos inerentes ao regime excepcional da dispensa, previstos no n.º 4 do artigo 87º do EOA e no artigo 4º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional. Da leitura conjugada do EOA e da regulamentação da Ordem dos Advogados decorre que a dispensa do sigilo profissional só poderá ocorrer quando esteja em causa a dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do seu cliente ou representante e, mesmo nesse contexto, a dispensa tem de assumir carácter de absoluta necessidade. CONCLUSÕES: 1. A referência feita aos serviços prestados na nota de honorários envolve, sem sombra de dúvidas, a divulgação de factos concretos sujeitos a segredo profissional, tal como é exigido pelo n.º 1 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Advogados. 2. E, contendo factos sigilosos, está a nota de honorários, por força do disposto no n.º 3 do artigo 87º do EOA, coberta pelo sigilo profissional. 3. O Senhor Advogado consulente tomou conhecimento da nota de honorários e dos factos nela contidos no exercício da sua profissão e por força desse mesmo exercício. 4. E assim sendo, o segredo profissional a que o Colega que emitiu o nota de honorários está sujeito, enquanto titular originário do sigilo, transmitiu-se integralmente, em toda a sua extensão e com todos os seus destinatários ou beneficiários, para o Senhor Advogado consulente, que – segundo entendemos – lhe terá sucedido no patrocínio do cliente em causa em que esses factos têm relevo. 5. E isto, mesmo que a nota de honorários não tenha sido transmitida ao Senhor Advogado consulente – sucessor no sigilo, pelo titular originário do sigilo, mas conste do dossier que eventualmente lhe foi entregue pelo próprio cliente. 6. Assim sendo, pretendendo o Senhor Advogado consulente exibir em Tribunal a referida nota de honorários, deverá, previamente, requerer a dispensa do sigilo profissional ao Presidente do Conselho Distrital de Lisboa. 7. Compete, pois, ao Presidente do Conselho Distrital de Lisboa autorizar a dispensa de sigilo profissional, desde que estejam preenchidos os requisitos inerentes ao regime excepcional da dispensa, previstos no n.º 4 do artigo 87º do EOA e no artigo 4º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional. 8. Da leitura conjugada do EOA e da regulamentação da Ordem dos Advogados decorre que a dispensa do sigilo profissional só poderá ocorrer quando esteja em causa a dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do seu cliente ou representante e, mesmo nesse contexto, a dispensa tem de assumir carácter de absoluta necessidade. Notifique-se. Lisboa, 23 de Março de 2009 A Assessora Jurídica do C.D.L. Sandra Barroso Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados, Lisboa, O Vice-Presidente do C.D.L. (por delegação de poderes delegados de 4 de Fevereiro de 2008) Jaime Medeiros

Sandra Barroso

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