Consulta Nº 25/2009
Consulta nº 25/2009
Requerente:
Assunto: Sigilo profissional
I - Consulta
Por requerimento que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia .......... , (entrada com o número de registo ..... de ......), a Senhora Advogada ..............veio solicitar a emissão de parecer sobre as seguintes questões:
- Solicita-se parecer “sobre a licitude do uso por parte de Entidade Patronal de factos e informações atinentes a uma relação cliente-advogado, ainda que com o consentimento do cliente, com o intuito de condicionar o exercício da profissão, isto não obstante o contrato de trabalho expressamente autorizar tal exercício”;
- Dependendo da autorização requerida para levantamento do sigilo profissional, e mediante uma exposição dos serviços que a requerente “poderá ou não ter prestado a certas pessoas referidas ou não na Nota de Culpa, seja lavrado Parecer vinculativo sobre se tais actos são ou não actos próprios de advogados ou actos que só podem ser praticados por advogados no âmbito do mandato forense”.
As questões são-nos colocadas no contexto de um procedimento disciplinar instaurado pela entidade patronal da Dra (............) conducente à aplicação da sanção de despedimento com justa causa.
II – Questão Prévia
Nos termos do artigo 68º do EOA, são cometidas à Ordem dos Advogados competências exclusivas de interpretação de cláusulas contratuais ou de actos praticados na execução do contrato em tudo o que respeite aos princípios deontológicos do exercício da advocacia em regime de subordinação jurídica.
O parecer da Ordem é da competência do Conselho Geral, tem carácter vinculativo e é obrigatório em caso de litígio,
No entanto, segundo entendemos do pedido de Parecer e da documentação que o instruiu, em causa não estão actos praticados na execução do contrato mas, pelo contrário, actos praticados pela Senhora Advogada requerente perante terceiros no âmbito do exercício da advocacia enquanto profissão liberal que no entendimento da entidade patronal consubstanciariam violação de deveres de lealdade e a quebra da relação de confiança.
Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.), que cabe a cada um dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.
Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que estas “questões de carácter profissional” serão aquelas de natureza intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.
Ora, a matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a “questões de carácter profissional” nos termos descritos, pelo que há que proceder à emissão de parecer sobre a questão colocada.
Este parecer não é emitido nos termos e para os efeitos do artigo 68º do EOA e não tem por isso carácter vinculativo.
O Parecer limitar-se-á à primeira questão formulada. A Senhora Advogada consulente, após a autorização parcial de dispensa de sigilo profissional, não concretizou a exposição de serviços que “poderá ou não ter prestado a certas pessoas referidas ou não na Nota de Culpa”, pelo que nessa parte estará o pedido de parecer prejudicado.
Assim,
III–Parecer
Convém antes de mais delimitar o âmbito da consulta.
A Senhora Advogada consulente exerce advocacia para uma pessoa colectiva de direito privado no âmbito de um contrato de trabalho. Exerce também a advocacia enquanto profissional liberal no seu escritório para um número indeterminado de clientes.
Em causa estão factos relativos ao exercício da profissão de advogado enquanto profissional liberal que chegaram ao conhecimento da entidade patronal por lhe terem sido comunicados por clientes da senhora advogada consulente.
Entende a entidade patronal que tais factos violam os deveres do advogado enquanto trabalhador. E a Senhora advogada consulente pretende saber se a sua entidade patronal pode invocar contra si tais factos ou se eles, por natureza, estão sujeitos a sigilo profissional.
No fundo, o que está em causa é saber se o sigilo profissional vincula tão só o advogado ou a ele estarão igualmente sujeitos os clientes e terceiros que com eles se relacionem,
O EOA adoptou uma estrutura unitária da profissão.
Ao contrário de outras ordens de advogados, a Ordem dos Advogados Portugueses congrega e regula de forma unitária as diversas formas de exercício da profissão, sejam elas a do exercício da advocacia em regime liberal e em prática isolada, o exercício da advocacia no âmbito de sociedades de advogados e o exercício da advocacia em execução de uma relação laborar e em regime de subordinação jurídica.
Todas elas transversalmente se submetem à matriz e aos princípios deontológicos. O que se diria em matéria se sigilo profissional para um advogado em profissão liberal dir-se-á exactamente da mesma forma e com o mesmo conteúdo para o advogado que exerce a sua profissão em subordinação jurídica e no âmbito de um contrato de trabalho.
Neste sentido o Parecer do Instituto dos Advogados de Empresa e do Conselho Geral n.º E-7/2007, de 6 de Julho de 2007:
“(…) em lado nenhum encontramos qualquer discriminação legal negativa de qualquer Advogado (desde que com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados), designadamente de qualquer Advogado que exerce a sua profissão no âmbito de uma relação jurídico-laboral. Antes pelo contrário, o artigo 68º do EOA veio explicitamente consagrar, “urbi et orbe”, a plena compatibilidade de exercício da Advocacia com a subordinação jurídica. Mais do que isso, tal preceito veio mesmo salvaguardar e garantir o exercício da Advocacia nesse contexto de vínculo jurídico-laboral nos ditames da isenção, autonomia e independência técnicas do Advogado e dos princípios deontológicos da profissão.” In Base de Dados de Jurisprudência da Ordem dos Advogados http://jurisprudencia.oa.pt/.
E o Bastonário Augusto Lopes Cardoso é igualmente claro:
“O Advogado vinculado por contrato de trabalho não pode ter uma dupla veste, com deontologias diferentes, e antes deve opor-se tenazmente à aparente «vantagem» que daí lhe adviesse, e que, de facto, mais não seria do que uma capitis diminutio à sua inteireza profissional. Se é certo que a sua relação laboral, no dizer do EOA, «não pode afectar a sua plena isenção e independência técnica perante a entidade patronal, nem violar o presente Estatuto, não tem o direito nem se lhe pode exigir que tenha o dever de ter um regime diferente em matéria tão transcendente como a do segredo profissional” In Augusto Lopes Cardoso, Do Segredo Profissional da Advocacia, pag. 45, Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados,
Portanto, a regra é que todos os advogados são obrigados a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhes advenha do exercício das suas funções (insiram-se estas no âmbito de uma prestação de serviços ou no âmbito duma prestação laboral).
Conforme entendimento pacífico na Ordem, as normas que proíbem a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional estatutariamente imposto ao Advogado são de interesse e ordem pública, e não de natureza contratual (cfr. Parecer do Conselho Geral 14/PP/2008-G, onde se poderá consultar referência a diversas decisões jurisprudenciais e pareceres dos Órgãos da Ordem dos Advogados nos últimos vinte anos.
E por ser o sigilo profissional de interesse e ordem pública, a sua libertação não depende de manifestação de vontade do cliente. Isto é, o titular do segredo não é o cliente, mas o próprio advogado, a sua eventual libertação está sujeita a requisitos de excepcionalidade, essencialidade e actualidade e depende de autorização prévia da Ordem.
Mas sobre quem impende o dever de sigilo?
Que impende sobre o advogado, não haverá dúvida. Que impende também sobre o advogado da parte contrária que a esses factos tenha tido acesso, também não haverá dúvida. Mas impende também sobre o cliente? Poderá o cliente do advogado divulgar a terceiros as relações entre ele e o seu advogado? E o terceiro que deles tiver acesso poderá invocá-los contra o próprio advogado?
É essa a questão central do presente Parecer.
A literalidade do artigo 87º do EOA parece impor a tese de que o segredo profissional vincula e obriga tão só o advogado (advogado e funcionário ou colaborador de advogado) a quem tenha sido dado conhecimento de determinados factos.
Existem, segundo entendimento já perfilhado pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, três grandes ordens de razões que estão na origem da consagração estatutária do dever (que é ao mesmo tempo direito) do Advogado guardar segredo profissional sobre factos e documentos, dos quais tome conhecimento no exercício da profissão:
- a indispensabilidade de tutelar e garantir a relação de confiança entre o Advogado e o cliente;
- o interesse público da função do Advogado enquanto agente activo da administração da justiça;
- a garantia do papel do Advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social.
Por todas elas, em consulta recente, defendemos ainda que a correspondência de advogado estaria também sujeita objectivamente a sigilo, não podendo fazer prova em juízo mesmo que seja junta aos autos por uma das partes sem que para tal tenha recorrido a patrocínio de advogado.
Mas entendemos que esta interpretação extensiva da obrigação de sigilo não é generalizável e tem por limite os documentos que, em si, incorporam matéria sujeita a sigilo enquanto correspondência de advogado.
Os fundamentos que estão na génese do segredo profissional não são extensíveis à comunicação de factos a quem não seja advogado.
Temos por isso para nós que o cliente do advogado não se encontra sujeito a qualquer dever de sigilo, podendo revelar a terceiros factos referentes às relações com o seu advogado.
Esta liberdade de comunicação terá tão só como limite os princípios gerais de salvaguarda da intimidade e do direito à imagem e bom nome do advogado, como qualquer cidadão.
Por seu lado, se o receptor da informação for a entidade patronal do advogado, esta poderá utilizar contra o advogado a informação recebida, mesmo em sede de procedimento disciplinar.
IV - Conclusões;
- Os fundamentos que estão na génese do segredo profissional não são extensíveis à comunicação de factos a quem não seja advogado.
- O cliente do advogado não se encontra sujeito a qualquer dever de sigilo, podendo revelar a terceiros factos referentes às relações com o seu advogado.
- Esta liberdade de comunicação terá tão só como limite os princípios gerais de salvaguarda da intimidade e do direito à imagem e bom nome do advogado, enquanto cidadão titular de direitos de personalidade.
- Por seu lado, se o receptor da informação for a entidade patronal do advogado, esta poderá utilizar contra o advogado a informação recebida de outros seus clientes, mesmo em sede de procedimento disciplinar.
Lisboa, 13 de Junho de 2009
A Assessora Jurídica do C.D.L.
Sandra Barroso
Concordo e homologo o despacho anterior, nos precisos termos e limites aí fundamentados,
Lisboa,
O Vice-Presidente do C.D.L.
(por delegação de poderes delegados de 4 de Fevereiro de 2008)
Jaime Medeiros
Sandra Barroso
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