Consulta Nº 14/2009
CONSULTA Nº 14/2009
Relator: Rui Souto
Assunto:
Sigilo Profissional
CONSULTA
Por requerimento que deu entrada nos serviços deste Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados no dia 17 de Março de 2009, com o nº... 12393, veio a Mmª Juiz da ... 12ª Vara Cível de Lisboa, no âmbito do processo aí pendente com o nº 265-B/1999, “tendo sido suscitada uma questão nos autos acima identificados, pertinente à extensão do sigilo profissional previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados aos funcionários forenses dos respectivos escritórios (nos termos do art. 87º, nº7 do referido Estatuto),” solicitar a emissão de parecer sobre o assunto em causa.
Tal solicitação tem na sua génese o ocorrido em sede de audiência de discussão e julgamento aquando da inquirição da secretária do Autor, Advogado.
Efectivamente, e face ao objecto proposto para o seu depoimento, a Mmª Juiz terá instando expressamente a testemunha sobre a forma como tomou conhecimento dos factos sobre que iria depor, tendo a mesma esclarecido ter tomado conhecimento dos mesmos apenas por exercer funções de secretária no escritório de Advocacia do Autor.
Face às dúvidas que se terão suscitado à Mmª Juiz em face das normas estatutárias em vigor quanto à possibilidade da prestação de tal testemunho, entendeu a mesma que caberia à Ordem dos Advogados, em primeira linha, pronunciar-se sobre a questão suscitada.
PARECER
Dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 50º do Estatuto da Ordem dos Advogados (E.O.A.) aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, que cabe a cada um dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, “pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional”.
Tem sido entendido pela jurisprudência da Ordem dos Advogados que estas “questões de carácter profissional” serão aquelas de natureza intrinsecamente estatutárias, ou seja, que decorrem dos princípios, regras, usos e praxes que comandam ou orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente os que relevam das normas do E.O.A., do regime jurídico das sociedades de Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei aos órgãos da Ordem.
A matéria colocada à apreciação deste Conselho Distrital subsume-se, precisamente, a uma “questão de carácter profissional” nos termos descritos. Pelo que há que proceder à emissão de parecer sobre as questões colocadas.
Sem prejuízo deverá realçar-se que a análise a empreender e a decisão a tomar sob a forma de parecer, haverá que, necessariamente, cingir-se aos factos trazidos ao conhecimento deste Conselho Distrital, de acordo com a forma como foram transmitidos e dentro dos limites das questões colocadas, sem que isso corresponda à tomada de posição ou apreciação de mérito deste órgão da Ordem sobre a questão de fundo sub judice.
Efectuadas estas necessárias observações prévias pensamos estar em condições de avançar na procura de uma resposta às dúvidas suscitadas pelo Mmª Juiz de Direito.
Como se tem escrito sempre que os órgãos desta Ordem são chamados a pronunciar-se sobre os fundamentos e o alcance do instituto do sigilo profissional, caso ao Advogado não fosse reconhecido o direito de guardar para si, e só para si, o conhecimento de tudo quanto o cliente, directamente ou por via de terceiros, lhe confiou, ou não fosse obrigado a reservar a informação que obteve no exercício do mandato, então não haveria autêntica advocacia.
O mesmo se diga quanto a determinadas relações estabelecidas por Advogado com terceiros, ainda que em cumprimento do mandato conferido pelo respectivo cliente.
O segredo profissional representa uma blindagem normativa e uma garantia legal inamovível contra as tentações de se obter confissão por interposta pessoa e contra a violação do direito à intimidade. É a garantia de existência de uma advocacia que para ser autêntica, tem de ser livre e independente.
Aliás, bem a propósito, o Dr António Arnaut, ilustríssimo Advogado, frisa esta ideia por nós também partilhada, ao escrever que “o dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade”.
Segundo entendimento já adoptado por anterior Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, existem três grandes ordens de razões que estão na origem da consagração estatutária do dever do Advogado guardar segredo profissional sobre factos e documentos, dos quais tome conhecimento no exercício da profissão:
“a) a indispensabilidade de tutelar e garantir a relação de confiança entre o Advogado e o cliente;
b) o interesse público da função do Advogado enquanto agente activo da administração da justiça;
c) a garantia do papel do Advogado na composição extrajudicial de conflitos, contribuindo para a paz social.”
Em sentido semelhante, e como refere o Dr Fragoso Marques, os fundamentos ético-jurídicos do sigilo profissional têm as suas raízes no princípio da confiança, estruturante da natureza social e do interesse público do patrocínio forense.
O segredo profissional é, pois, um direito e uma obrigação fundamental e primordial do advogado, comum à profissão na maioria dos países. É parte essencial da função do advogado ser o depositário dos segredos do seu cliente e o destinatário de informações baseadas na confiança. Ora, sem a garantia de confidencialidade no exercício da Advocacia dificilmente será possível a quem contacta um Advogado dar-lhe a conhecer, com confiança, todos os factos necessários à prossecução do mandato.
Assim, pode-se ler no art. 87º do EOA, sob a epígrafe “Segredo Profissional” que:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
(…)
7- O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no nº1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o Advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no nº5
(…)”
Em primeiro lugar, diz-nos esta norma, no seu nº1 que “O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente (...)”.
Sob a fórmula constante do nº 1 do art. 87º do EOA, encontra-se aquela que é a regra geral do instituto jurídico-deontológico que ora analisamos. As demais regras previstas nas alíneas da mesma, são sobretudo explicitações ou pormenorizações daquela, que terão sido incluídas no EOA para salientar situações mais marcantes ou de maior dificuldade de interpretação. O sentido da letra de tal disposição, bem como a utilização do advérbio “designadamente”, não deixam, a este propósito, grandes margens para dúvidas.
Não obstante, trata-se, esta, de previsão legal que causa grandes problemas na procura do seu verdadeiro sentido. É que, se se compreende a consagração legislativa do segredo profissional, dada a sua importância fundamental para o exercício da Advocacia – como tivemos ocasião de realçar -, já o mesmo não se poderá dizer da forma como essa consagração foi vertida em letra de lei. Em nossa modesta opinião não terá sido a redacção mais feliz, pois, uma leitura apressada, poderá levar à criação de equívocos. E porquê? Desde logo por, qualificar como sujeitos a sigilo “todos os factos” que cheguem ao conhecimento do Advogado no exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
Uma leitura meramente literal do preceito, sem olhar para a essência ou natureza do sigilo profissional, levaria a conclusões absurdas. Basta-nos ver que até os próprios factos transmitidos pelo cliente ao Advogado que fundamentam os seus direitos, com vista à sua invocação em Juízo, estariam sempre sujeitos a esta obrigação – necessitando o Advogado de previamente solicitar dispensa desta obrigação quando quisesse construir uma qualquer petição inicial -. Não nos parece ser isso o que a norma pretende.
Em nossa opinião serão sigilosos aqueles factos, todos eles, relativos à prestação de serviços de Advocacia por Advogado, que não sejam do conhecimento público e ainda todos e quaisquer factos que sejam transmitidos pelo cliente (ou terceiros) a Advogado no exercício da profissão conquanto não o tenham sido com o objectivo de serem dados a conhecer a terceiros.
Essa obrigação extende-seestende-se, necessariamente, por força do art. 87º, nº7, a todas as pessoas que com o Advogado colaborem. A razão de ser de tal extensão é, parece-nos, de simples compreensão. A realidade moderna do exercício da Advocacia demonstra-nos que o tempo em que o Advogado exercia e prestava os seus serviços em solitário no recolhimento do seu escritório, está em vias de se tornar uma excepção. Isto assim é porque as exigências e solicitações do presente levam a que, cada vez mais, necessitem os Advogados de ter ao seu serviço outras pessoas que o auxiliem, no âmbito de tarefas complementares aquelas que constituem o cerne dos serviços do Advogado (porque estas só o Advogado pode prestar). É o caso emblemático das secretárias ou dos funcionários que tratam do serviço externo administrativo (como sucede, por exemplo, com a correspondência).
Ora, a exclusão dos empregados dos Advogados do dever de guardar sigilo seria uma porta aberta à fraude à lei, sendo suficiente razão para que o Estatuto da Ordem dos Advogados de 2005 viesse a consagrar como opção legislativa a solução adoptada no nº7 do art. 87º (algo que constituía, há largos anos, doutrina e jurisprudência dominante, ainda que tal extensão do sigilo não decorresse expressamente da letra da lei do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados).
No processo judicial pendente no âmbito do qual foi entendido ser solicitado parecer verifica-se ter sido arrolada como testemunha a secretária do Autor, Advogado.
Sendo que, estando em causa uma acção de honorários, e analisada a Base Instrutória, conclui-se que a matéria levada a produção de prova testemunhal diz, toda ela, respeito a serviços prestados por Advogado, bem como a factos intimamente relacionados com a relação profissional estabelecida entre o Advogado e seus clientes.
Pelo que, em nosso entender, a testemunha em causa não poderá deixar de estar sujeita a sigilo profissional.
Assim sendo, estamos em condições de serem traçadas as necessárias CONCLUSÕES:
1.
Nos termos do art. 87º do EOA, “O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, (…):
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
(…)
7- O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no nº1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o Advogado no exercício da sua actividade profissional (…)
2.
Analisada a Base Instrutória deduzida nos autos judiciais no âmbito dos quais foi solicitado o presente parecer, conclui-se que a matéria levada a produção de prova testemunhal diz, toda ela, respeito a serviços prestados por Advogado, bem como a factos intimamente relacionados com a relação profissional estabelecida entre o Advogado e os seus clientes.
Nestes termos,
3.
Tendo sido arrolada como testemunha uma secretária do Autor, Advogado, para depor sobre toda a matéria da base instrutória, estará aquela, necessariamente impedida de prestar o seu testemunho, por força do art. 87º, nº1 e 7 do Estatuto da Ordem dos Advogados e do dever de sigilo que sobre si impende.
4.
O seu testemunho depende de prévia autorização do Presidente do Conselho Distrital de Lisboa a qual deverá ser requerida pelo Senhor Advogado, pois não poderá ser proferida oficiosamente.
Lisboa,
(O Assessor Jurídico do CDL)
Rui Souto
Concordo e homologo o parecer anterior, nos preciso termos e limites aí fundamentados,
Lisboa,
(O Vice Presidente do CDL)
Por delegação de poderes de 4 de Fevereiro de 2008
Jaime Medeiros
Rui Souto
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