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Pareceres do Conselho Geral

Processo N.º 31/PP/2014-G
 

I – RELATÓRIO

 

a)     Por requerimento dirigido ao processo n.º 91/13.4GAANS, em curso na Comarca de Leiria – Instância Local de Pombal – Secção Criminal – J1, o Arguido, Senhor … , já notificado da Sentença proferida, veio manifestar aos autos intenção de recorrer de tal decisão, mas solicitando, para o efeito, a substituição da sua Defensora à Senhora Juiz titular do processo (a fls 5).

b)     Com vista à pretendida substituição da sua Defensora, invocou o Arguido perante o Tribunal que, contactada a Senhora Advogada para efeitos de interposição de recurso da Sentença, “a mesma não se mostrou disponível para o efeito”, mais referindo o Arguido que “perdeu toda e qualquer confiança” na sua defensora “face à conversa e à falta de interesse no assunto e à falta de disponibilidade que a mesma” lhe mostrou. Com tais fundamentos, requereu o Arguido expressamente ao Tribunal a substituição da sua Defensora (a fls 5).

c)     Notificada do requerimento do Arguido, a Defensora Oficiosa, Senhora Dra … , Advogada com cédula profissional n.º xxx, informou o Tribunal de quanto se segue e que aqui, com rigor e exactidão, nos importa transcrever no que se reputa essencial (fls 6, frente e verso):

«É falso o alegado pelo arguido (…).

Com efeito, logo após a notificação da sentença, a requerente recebeu (…), no seu escritório, o arguido, para analisar a referida decisão.

Da reunião resultou, quer para o arguido, quer para a requerente, da inviabilidade de um recurso, sobre a referida decisão (e de comum acordo).

Ficou então acordado uma de duas coisas:

1º - a requerente, efetuar requerimento para substituição da multa, por trabalho a favor da comunidade. Para isso o arguido ficou de ir falar com o Sr. Presidente da Junta de Freguesia de …, para saber, qual seria a atividade que poderia desenvolver naquela instituição, face à incapacidade de que sofre.

2º Caso o Sr. Presidente da Junta não permitisse ao arguido uma atividade “leve”, a requerente efetuaria um requerimento para pagar as multas aplicadas em 24 prestações.

O arguido ficou de trazer a resposta.

O arguido nunca mais apareceu no escritório da requerente.

Face ao silêncio do arguido, e após trânsito da sentença, a requerente solicitou honorários na plataforma SINOA.

Assim muito estranhou a requerente, o requerido pelo arguido.»

 

d)     Vistos os aludidos requerimentos do Arguido e da sua Defensora, o Ministério Público promoveu que fosse solicitado à Ordem dos Advogados emissão de parecer sobre a pretendida substituição de defensor, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 66º, n.º 3, do Código de Processo Penal (a fls 4) e a Senhora Juiz titular do processo decidiu como promovido (a fls 3).

 

Os presentes autos estão instruídos com os elementos necessários para se lograr delimitar, com rigor, o objecto do Parecer, bem como nos pronunciarmos, nesta sede, conforme solicitado.

 

II – DECISÃO

 

Importa, antes de mais, atentar no facto de a Senhora Advogada ter invocado, em resposta ao requerimento do seu Patrocinado, Arguido no aludido processo-crime, que já transitara em julgado a Sentença proferida, pelo que “solicitou honorários na plataforma SINOA”.

Podemos constatar haver significativo hiato temporal entre a data da apresentação do requerimento do Arguido/Patrocinado e a resposta ao mesmo pela Senhora Advogada: mais de três meses, em que se inclui o período de suspensão de prazos compreendido entre 15 de Julho e 30 de Setembro para processos que não sejam urgentes.

Desconhece-se a data em que tenha o Arguido sido notificado da Sentença, bem como quando tenha a Senhora Advogada sido notificada do requerimento apresentado pelo seu Patrocinado em juízo.

De todo o modo, como expresso no n.º 4 do artigo 66º do Código de Processo Penal e se pode extrair também do previsto nos artigos 39º, n.º 1, e 42º, n.º 3, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais[1], o prazo para interposição de recurso de uma decisão judicial não se interrompe com a formulação de pedido de substituição de defensor ao abrigo e nos termos do disposto 66º, n.º 3, do Código de Processo Penal[2].

Determina-se no artigo 39º, n.º 1, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais que “A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e substituição são feitas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.º 2 do artigo 45º.”. E, tendo o Arguido requerido a substituição da sua Defensora ao abrigo do artigo 66º, n.º 3, do Código de Processo Penal, é claro o n.º 4 do mesmo preceito legal em como “Enquanto não for substituído, o defensor nomeado mantém-se para os actos subsequentes do processo.[3]”.

Assim sendo, com apoio e expressão indubitáveis na Lei, a Senhora Advogada manteve-se como Defensora do Arguido, para todos os efeitos e actos subsequentes, independentemente do pedido de substituição formulado pelo Arguido, seu Patrocinado, pelo que, aquando da resposta da Senhora Advogada perante o Tribunal, já havia transitado em julgado a Sentença proferida no processo-crime em causa. Aliás, para além do trânsito em julgado ser invocado pela Senhora Advogada naquela sua resposta, o mesmo podemos concluir face ao tempo decorrido até então desde a data da apresentação do pedido do Arguido, e mesmo que considerada a suspensão de prazo para efeitos de recurso ocorrida entre 15 de Julho e 30 de Setembro de 2014.

Acresce não visionarmos, no caso, que tal possa contender, ou ter contendido, com o direito do Arguido a todas as garantias de defesa e à essencialidade de ser efectivamente assistido por Advogado, sem que uma eventual situação de insuficiência económica o possa precludir ou limitar (artigos 61º, n.º 1, alínea f), e 64º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal; artigos 20º, n.ºs 1, 2 e 4, e 32º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa; e artigo 6º, n.º 1 e 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). No exacto mesmo preceito legal de que o Arguido se socorreu e em que se prevê a possibilidade de requerer a substituição, com justa causa, do defensor nomeado, determina-se também que esse defensor se mantém, enquanto tal, até que seja (se efectivamente o dever ser) substituído. O Arguido pode, a qualquer momento, constituir mandatário da sua escolha, sendo a Lei clara nos precisos requisitos, bem como nos efeitos processuais de uma intencionada substituição de defensor nomeado. O plasmado, nomeadamente, no artigo 32º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa não impede o legislador ordinário de estabelecer, como feito, o procedimento tendente e inerente à substituição de defensor nomeado.

 

Em suma, a Sentença havia já transitado em julgado aquando da própria resposta da Senhora Advogada, porquanto não se interrompeu o prazo para interposição de recurso por força da apresentação do pedido de sua substituição pelo Arguido. Bem andou, pois, a Senhora Advogada ao, após trânsito em julgado da Sentença, dar tal indicação no SINOA e formular o competente pedido de honorários.

 

Sem prejuízo do já exposto, não deixaremos de nos pronunciar sobre o próprio pedido de substituição da Defensora, como apresentado e motivado pelo Arguido.

 

É certo que se prevê no artigo 66º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que o Tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, mas por “justa causa”. Como se refere, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/02/2007 (Proc. 1158/05.8PBAVR-A.C1), a necessária “justa causa” para efeitos de substituição de defensor “deverá ser entendida como todo e qualquer motivo que, após a nomeação, gere uma quebra de confiança do arguido no seu defensor e deste modo debilite a eficácia da defesa”. E só se consegue aferir da eventual quebra de confiança e de uma consequente fragilização da defesa, ou limitação desta em toda a sua indispensável dimensão, se as razões apresentadas pelo arguido forem devidamente concretizadas, permitindo, uma vez ponderadas, concluir por que possa estar realmente comprometida a defesa com a manutenção do defensor nomeado[4].

Ora, como já supra mencionado, com referência ao teor do requerimento apresentado pelo Arguido - que aqui voltamos a reproduzir, para totais clareza e precisão do nosso parecer -, aquele cinge-se, a título de fundamentação, ao Arguido referir que, notificado da Sentença, pretende recorrer da mesma e que:

«(…) contactada a sua defensora oficiosa, a mesma não se mostrou disponível para o efeito,

tendo o requerente, face à conversa e à falta de interesse no assunto e à falta de disponibilidade que a mesma defensora mostrou ao requerente;

o mesmo perdeu toda e qualquer confiança naquela;

motivos pelos quais requer a V. Ex.ª a substituição da defensora

 

A motivação do Arguido é manifestamente insuficiente para que se possa concluir por “justa causa” atendível para efeitos de substituição da sua Defensora. O conceito em apreço é, de per si, vago, pelo que, como já referido, há que indicar factos concretos e precisar as razões por que se pudesse concluir, com coerência e segurança, que da prossecução do patrocínio pela defensora nomeada resultaria prejuízo para o Arguido e o seu legítimo exercício do direito fundamental de defesa.

De resto e em contraste com a insuficiência da fundamentação do pedido formulado pelo Arguido, a Senhora Advogada veio indicar factos outros, objectivos e precisos, ainda que, como devia, sem se alargar no exposto e, assim, sem verter exposição de que pudesse resultar violação do dever de sigilo profissional.

Sem necessidade de mais considerações, o requerido pelo Arguido não se encontra motivado de forma a que resulte preenchido o conceito de “justa causa” para efeitos de substituição da sua Defensora Oficiosa, pelo que sempre deveria (e deverá) ser indeferido.

É este, s.m.o., o nosso entendimento.

À próxima Sessão do Conselho Geral, para apreciação e deliberação.

          

 A Vogal do Conselho Geral

Ana Costa de Almeida

 

Aprovado por unanimidade em Sessão do Conselho Geral de 7 de Abril de 2015



[1] Lei 34/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto.

[2] V.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/12/2013 (Proc. 139/96.5TATND.C1); Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/04/2008 (Proc. 0840455).

[3] Sublinhado nosso.

[4] Vide também Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/09/2006 (Proc. 1247/06.1).



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