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Pareceres do Conselho Geral

Parecer sobre o Regulamento de Acesso ao Direito e os Advogados Estagiários
 

«Não faz nenhum sentido que os estagiários, que ainda não cumpriram o tirocínio previsto para o acesso à profissão, e podem nem o fazer, abandonando o estágio ou reprovando no exame de acesso à advocacia, possam legitimar com a sua presença por exemplo a prisão preventiva de alguém ou a sua condenação em processo penal, sem terem o saber, a autoridade e a independência que só um advogado pode ter e que a Constituição reconhece» - escreve o Prof. Doutor Vital Moreira num parecer pedido pela Ordem dos Advogados, a propósito da controvérsia suscitada pela aprovação do Regulamento de Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao Direito na Ordem dos Advogados.

Eis algumas das conclusões desse parecer.

«O conteúdo essencial do direito de acesso ao direito e aos tribunais inclui o direito a ser assistido por advogado, enquanto único profissional tecnicamente habilitado, o direito a escolher advogado e a garantia de patrocínio oficioso por um advogado em casos de insuficiência económica.

A "assistência judiciária" que o Estado garante através de recursos públicos não pode servir para uma defesa de segunda ordem para pobres, mas sim para assegurar uma protecção de igual qualidade e dignidade que as dos cidadãos que podem dispor da assistência de advogados da sua escolha (direito a igual protecção judiciária).

O art. 208.º da CRP impõe uma reserva de advogado na prática de determinados actos, justificada por exigências diversas relativas à deontologia e à disciplina profissional com vista ao adequado funcionamento das instâncias judiciárias e, portanto, do próprio exercício, tanto do direito à justiça, como da função judicial, devendo pois concluir-se que o patrocínio forense é missão dos advogados e não dos estagiários de advocacia.

Uma interpretação desconforme à Constituição dos art. 61.º e ss. do CPP, ou seja, uma interpretação que admita a outros que não os advogados o papel de defensor nos casos previstos naqueles artigos conduzirá irremediavelmente à consideração daqueles preceitos como normas restritivas do conteúdo essencial do direito a advogado consagrado pelo art. 20.º-2, art. 32.º-3 e 208.º da CRP, e por isso inconstitucionais por violação daqueles comandos e do art. 18.º da CRP.

Deve igualmente ser considerado inconstitucional a possibilidade de o apoio judiciário no sistema público de acesso ao direito destinado a pessoas sem meios económicos ser assegurado por advogados estagiários, por violação do direito a igual protecção jurídica, no que respeita ao patrocínio judiciário e ao acompanhamento por advogado (CRP, art. 20º-2).

Por conseguinte, deve ser considerado inconstitucional o preceito do art. 41º da Lei nº 34/2004, na parte em que admite a inclusão de advogados estagiários nas "escalas de prevenção" do sistema público de assistência jurídica, para actos e diligências urgentes na esfera do processo penal, pelo menos quando envolvam actos constitucionalmente sujeitos a "obrigação de advogado".

Deve também ser objecto de uma leitura restritiva, em termos de "interpretação conforme à Constituição", sob pena da sua inconstitucionalidade, o art. 189º do Estatuto da Ordem dos Advogados na parte em que admite a advocacia praticada por advogados estagiários, de modo a excluir as diligências processuais em sede de processo penal que constitucionalmente devem estar sujeitas a "obrigação de advogado", bem como as demais missões de apoio judiciário no âmbito do sistema público de assistência jurídica às pessoas em situação de dificuldade económica.

Isto porque uma interpretação contrária à Constituição afronta a "obrigação de advogado" estabelecida no artigo 32º-3 da Constituição, com consagração legal no art. 62.º do CPP, visto que os referidos (na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais) actos processuais não podem deixar de se contar entre os que a lei tem de submeter (e submete) à "reserva de advogado".

E ainda porque infringe o referido direito de todos ao acompanhamento por advogado perante qualquer autoridade (CRP, art. 20º-2), a começar naturalmente pelas autoridades judiciais.

Finalmente, e de uma importância fulcral, uma interpretação daqueles preceitos no sentido da admissibilidade do advogado estagiário em patrocínio oficioso de actos processuais penais em que estejam em causa a liberdade, acusação ou condenação será inconstitucional por violação flagrante da igualdade na protecção jurídica, independentemente dos meios económicos (CRP, art. 13º e art. 20º-2).

Todos têm direito a advogado efectivo, independentemente da sua condição económica. Não faz nenhum sentido que os estagiários, que ainda não cumpriram o tirocínio previsto para o acesso à profissão, e podem nem o fazer, abandonando o estágio ou reprovando no exame de acesso à advocacia, possam legitimar com a sua presença por exemplo a prisão preventiva de alguém ou a sua condenação em processo penal, sem terem o saber, a autoridade e a independência que só um advogado pode ter e que a Constituição reconhece.

Não existe nenhuma restrição ao exercício da profissão de advogado a interdição de intervenção de advogados estagiários em certos actos do processo penal e, em geral, em actos de assistência judiciária. Uma das restrições legalmente estabelecidas ao livre exercício da profissão é a inscrição na respectiva Ordem, bem como a submissão dos candidatos a um período de estágio e à aprovação de exames intercalares e de um outro afinal.

A proibição de os advogados estagiários (e que, portanto, ainda não acederam à profissão) praticarem actos reservados apenas aos advogados, não constitui qualquer restrição do direito ao livre exercício da profissão daqueles, não só porque a proibição decorre da própria Constituição mas também porque os advogados estagiários ainda não preencheram os requisitos (constitucionalmente admitidos e legalmente impostos) de acesso à profissão».

>> O parecer pode ser lido na íntegra AQUI.


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