Pareceres do Conselho Geral

Parecer n.º E-22/05

Sumário: I. O “representante fiscal” e o “gestor de bens ou direitos” são figuras jurídico-tributárias que não se confundem e cujo traço distintivo fundamental, sem prejuízo das especificidades previstas no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, se centra na existência, ou não - como acontece na “representação fiscal” -, de capacidade de intervenção ao nível da obtenção dos rendimentos sujeitos a tributação. II. A circunstância de alguns advogados de clientes domiciliados fora de Portugal intervirem, em representação destes, perante as autoridades fiscais, praticando actos diversos como a assinatura das respectivas declarações de rendimentos, não basta para que os mesmos possam ser considerados como “gestores de bens ou direitos”, apesar de serem, em tal contexto, “representantes fiscais”. III. O “representante fiscal” - figura prevista no artigo 19.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária - está obrigado a informar a Administração Fiscal sobre a existência, ou não, de um “gestor de bens ou direitos” do sujeito passivo não residente concretamente representado e, em caso afirmativo, sobre a respectiva identificação, sob pena de presunção elidível dessa mesma qualidade, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 27.º, n.os 1 e 3, do mesmo diploma. IV. Citado na qualidade de responsável solidário pelas dívidas fiscais do representado não residente, o “representante fiscal”, não assumindo a qualidade de “gestor de bens ou direitos” - ou, assumindo-a, se a dívida exigida extravasar o âmbito da sua intervenção -, pode deduzir oposição à execução apoiada na sua ilegitimidade e, se for o caso, na falta de notificação do acto tributário objecto de execução, nos termos do disposto no artigo 204.º, n.º 1, alíneas b) e i), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

CONSULTA
A Senhora Advogada X submeteu à apreciação do Senhor Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Faro a seguinte situação factual:
a) Alguns advogados de clientes domiciliados fora de Portugal intervêm, em representação destes, perante as autoridades fiscais, praticando actos diversos como a assinatura das respectivas declarações de rendimentos;
b) Mais do que isso, parece ser usual, sobretudo na área do Algarve, em que a existência de clientes domiciliados em território estrangeiro é mais frequente, o fornecimento às autoridades fiscais do nome e morada do próprio escritório de advogados, “como elo de ligação entre as autoridades portuguesas e o cliente no estrangeiro”;
c) Sucede que, perante a situação factual descrita, a Administração Fiscal, pelo menos numa ocasião, comunicou a um advogado que, naturalmente que em representação do respectivo cliente domiciliado em território estrangeiro, adoptou um tal procedimento, o considerava responsável solidário pelas dívidas fiscais do respectivo “representado”, por força do disposto no artigo 27.º da Lei Geral Tributária.

À luz dos factos descritos, pretende saber-se se a conduta adoptada pela Administração Fiscal, com evidentes e sensíveis repercussões ao nível do exercício da advocacia, é, ou não, conforme às disposições legais aplicáveis.


PARECER
1. A questão colocada na Consulta está delineada com a clareza devida, estando directamente relacionada com a aplicação do disposto no artigo 27.º da Lei Geral Tributária, cuja epígrafe ? neste caso claramente identificadora da matéria em análise ? consiste na responsabilidade de gestores de bens ou direitos de não residentes. Dito de outro modo, o problema que se coloca consiste em saber em que medida e com que extensão é que a Administração Fiscal pode exigir de terceiros o pagamento de impostos relacionados com factos tributários em cuja formação não tenham qualquer intervenção ou ligação.
Está, por isso, em causa o fenómeno da responsabilidade tributária.

2. Delineada a questão, há responsabilidade tributária sempre que a lei permite a exigência do pagamento do imposto por parte de alguém que não é o contribuinte directo, em função da respectiva proximidade ou relação com a constituição do facto tributário que estiver em análise. Ainda que a regra seja a de que o contribuinte directo é o responsável principal pelo pagamento de impostos à Administração Fiscal, há circunstâncias específicas de envolvimento de terceiros com a relação jurídica tributária estabelecida que permitem exigir destes terceiros, dada a sua responsabilidade na constituição do facto tributário ou na decisão quanto à entrega do montante devido, o pagamento da dívida tributária. É, portanto, neste quadro, que a Lei Geral Tributária considera como sujeito passivo de imposto “a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável”(1) .
Mas a responsabilidade de terceiros nem sempre é imediata.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, “a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária”. É o caso, a título de exemplo, dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos de sociedades, que, por força do exercício das respectivas funções e reunidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito, são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento de dívidas fiscais de tais sociedades (cfr. artigo 24.º da Lei Geral Tributária). Este será, aliás, o caso mais frequente de responsabilidade tributária (subsidiária), sendo abundante a jurisprudência e a doutrina sobre a matéria(2) .
O mesmo não se dirá a respeito da responsabilidade de gestores de bens ou direitos de não residentes, matéria que não tem sido tratada com a mesma intensidade ou regularidade.

2. A responsabilidade de gestores de bens ou direitos de não residentes foi introduzida no nosso ordenamento jurídico, ainda na vigência do anterior Código de Processo Tributário(3) , foi introduzida pela Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, que aditou aquele Código o respectivo artigo 14.º-A. De acordo com este preceito, que apenas se aplica em relação aos factos tributários ocorridos após a respectiva entrada em vigor(4) , “os gestores de bens ou direitos de sujeitos passivos não residentes sem estabelecimento estável em território português são solidariamente responsáveis em relação àqueles e entre si por todas as contribuições e impostos dos não residente relativamente ao período em que exerceram essa gestão”. Posteriormente, ainda na vigência do referido Código de Processo Tributário, este regime foi objecto de alteração pelo Decreto-Lei n.º 23/97, de 23 de Janeiro, num propósito claro, justificado pela necessidade de harmonização de legislação em matéria fiscal, de facilitar a aplicação do mesmo, através da respectiva clarificação dos conceitos. Assim, de acordo com a redacção então introduzida, consideravam se “gestores de bens ou direitos todas aquelas pessoas singulares ou colectivas que assumam ou sejam incumbidas, por qualquer meio, da direcção de negócios de entidade não residente em território português, agindo no interesse e por conta dessa entidade”.
Este regime vigorou durante praticamente dois anos, até que, através do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, foi aprovada a Lei Geral Tributária, que revogou o Código de Processo Tributário e, no seu artigo 27.º, consagrou o regime da responsabilidade de gestores de bens ou direitos de não residentes. A redacção então introduzida vigorou durante algum tempo, até meados de 2004, altura em que a Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, lhe deu a redacção que ainda hoje vigora e que cumpre analisar.

3. Dito isto, de acordo com o regime actualmente em vigor, “os gestores de bens ou direitos de não residentes sem estabelecimento estável em território português são solidariamente responsáveis em relação a estes e entre si por todas as contribuições e impostos do não residente relativos ao exercício do seu cargo [, considerando-se como tais] todas aquelas pessoas singulares ou colectivas que assumam ou sejam incumbidas, por qualquer meio, da direcção de negócios de entidade não residente em território português, agindo no interesse e por conta dessa entidade” (cfr. n.os 1 e 2 do artigo 27.º da Lei Geral Tributária). O n.º 3 do mesmo preceito, por seu lado, esclarece que “o representante fiscal do não residente, quando pessoa diferente do gestor dos bens ou direitos, deve obter a identificação deste e apresentá-la à administração tributária, bem como informar no caso da sua inexistência, presumindo-se, salvo prova em contrário, gestor dos bens ou direitos na falta destas informações”.
A primeira conclusão que decorre da simples leitura deste preceito legal é que existem duas figuras perfeitamente distintas do ponto de vista jurídico: por um lado, a gestão de bens ou direitos; por outro lado, a representação fiscal. Com efeito, apesar de o legislador admitir que a mesma pessoa pode exercer as duas funções, é inequívoco que são funções distintas, que não se confundem. E outras disposições legais confirmam essa conclusão.

4. Começando por esta última figura, dispõe o artigo 19.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária que “os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional”. O incumprimento desta obrigação acessória é passível de sanção sob a forma de coima, por força do artigo 124.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Mas a necessidade de escolha de um representante fiscal não resulta apenas da Lei Geral Tributária. Decorre, também, de diversas disposições legais previstas nos códigos tributários. O artigo 130.º do Código do IRS, desde logo, obriga os não residentes que obtenham rendimentos sujeitos a IRS à designação de “uma pessoa singular ou colectiva com residência ou sede em Portugal para os representar perante a Direcção-Geral dos Impostos e garantir o cumprimento dos seus deveres fiscais”. O termo “garantir”, aqui, não foi utilizado em sentido técnico: “é insustentável defender que o representante é um garante da obrigação principal de imposto, no sentido de responder patrimonialmente por ela em caso de incumprimento do sujeito passivo ou mesmo em primeira linha, tal como se fosse um fiador (...). O representante é apenas a pessoa incumbida de, agindo em nome e por conta do sujeito passivo (...), cumprir os deveres acessórios do sujeito passivo e de receber as notificações dos actos de que este seja destinatário”(5) .
Também o Código do IRC prevê idêntica disposição, no respectivo artigo 118.º, redigido em termos praticamente idênticos aos que constam do Código do IRS.
Regime diferente foi, porém, instituído em sede de IVA. Neste quadro, numa perspectiva distinta que traduz uma visão isolada no contexto fiscal globalmente considerado, o representante nomeado nos termos do artigo 29.º, n.os 1 e 2, do respectivo Código “deverá cumprir todas as obrigações decorrentes da aplicação do (...) diploma, incluindo a do registo, e será devedor do imposto que se mostre devido pelas operações realizadas pelo representado”. Trata-se, portanto, de um regime bastante mais exigente do que os anteriormente identificados, mas isolado no quadro global em análise(6) .
O representante fiscal, dito isto, correspondente ao elo de ligação formal entre o contribuinte e a Administração Fiscal, necessário em função da distância física entre aquele e esta ? justamente porque a designação em causa apenas se exige perante contribuintes não residentes em território nacional ?, onerado com a responsabilidade pelo cumprimento das diversas obrigações acessórias do sujeito passivo propriamente dito, mas sem que tal encerre em si mesmo a própria obrigação principal de pagamento de imposto.
Essa não sujeição à obrigação de pagamento do imposto é facilmente compreensível, na medida em que o representante não tem, “em princípio, quaisquer meios para controlar a produção ou a transferência do rendimento para o não residente”, justamente por a sua intervenção ser apenas formal. O representante, por definição e enquanto tal, não tem intervenção na obtenção de rendimentos e na gestão de património por parte do sujeito passivo não residente, sendo, ao invés, apenas o interlocutor entre este último e a Administração Fiscal, para efeitos exclusivamente formais.
Daí que o legislador não lhe tenha atribuído qualquer responsabilidade fiscal, se, de facto, exercer as suas funções dentro destes limites.

5. Questão diferente se passa quando estão em causa “gestores de bens ou direitos de não residentes”, que, nos termos do referido artigo 27.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, respondem solidariamente por dívidas fiscais destes últimos. Mas não por todas, naturalmente, apenas por aquelas que estejam directamente relacionadas com o exercício do seu cargo.
De acordo com o artigo 27.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, são “gestores de bens ou direitos todas aquelas pessoas singulares ou colectivas que assumam ou sejam incumbidas, por qualquer meio, da direcção de negócios de entidade não residente em território português, agindo no interesse e por conta dessa entidade”.
O legislador foi assim claro quanto à delimitação do âmbito subjectivo deste preceito. Não é qualquer pessoa que tenha uma relação estreita com um sujeito passivo não residente que é responsável solidário pelas suas dívidas fiscais, mas, apenas, aquele que assuma ou que seja incumbido da direcção de negócios daquele e que aja no interesse e por conta dessa entidade (cfr. artigo 27.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária). Há, assim, apelo, a um tempo, às regras da gestão de negócios, previstas nos artigos 464.º e seguintes do Código Civil, aplicáveis quando “uma pessoa assume a direcção de negócios alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada”, e, bem assim, às regras do mandato, enquanto “contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra”, previstos nos artigos 1157.º e seguintes do Código Civil.
Em qualquer um dos casos, para os quais o legislador remete, torna-se clara a intenção de onerar o “gestor de bens ou direitos” com a responsabilidade fiscal, a partir do momento em que seja igualmente clara a sua capacidade de intervenção na própria “gestão” do cumprimento das obrigações tributárias. Ou seja, não é o simples interveniente formal, sem qualquer capacidade decisória ao nível do cumprimento das obrigações tributárias e da afectação de quaisquer rendimentos a esse mesmo cumprimento, que é solidariamente responsável, mas, sim, quem é cometido com um nível de intervenção tal que lhe permita decidir ou interferir aquando da decisão de cumprimento das obrigações fiscais legalmente previstas.
A título de exemplo, repare-se que o simples representante fiscal, dada a sua reduzida capacidade de intervenção na esfera jurídica do seu representado, não tem quaisquer meios de cumprir ou de impor o cumprimento do disposto no actual artigo 139.º do Código do IRS, segundo o qual “não se podem realizar transferências para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a IRS obtidos em território português por sujeitos passivos não residentes sem que se mostre pago ou assegurado o imposto que for devido”. Mas o “gestor de bens ou direitos”, por força do disposto nas referidas disposições legais, pode decidir quando e como procede à entrega de tais rendimentos ao sujeito passivo não residente, razão pela qual, portanto, assume a responsabilidade solidária pelo pagamento dos impostos em causa.
Extrapolando o que se deixou referido para o caso da Consulta, parece evidente que a simples intervenção de advogados de clientes domiciliados fora de Portugal, em representação destes, perante as autoridades fiscais, praticando actos diversos como a assinatura das respectivas declarações de rendimentos, não corresponde, manifestamente, a um acto de “gestão de bens ou de direitos”, na acepção do disposto no n.º 2 do artigo 27.º da Lei Geral Tributária, pelo que nenhuma responsabilidade fiscal solidária lhes pode ser assacada por força, apenas, dessa intervenção. Mas isso não significa, todavia, que essa intervenção não traga consigo obrigações declarativas acessórias, previstas, precisamente, para obviar à responsabilidade tributária indevida.

6. Dito isto, e tendo presente a distinção a que se fez referência e a que o legislador foi sensível, impende sobre o mero “representante fiscal”, enquanto tal, o dever de imediatamente informar a Administração Fiscal de uma de duas coisas, nos termos e para efeitos do artigo 27.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária: ou da identificação do “gestor de bens ou direitos” do sujeito passivo não residente, no caso de existir; ou, em alternativa, da sua inexistência.
Em qualquer uma destas circunstâncias, tornam-se claras perante a própria Administração Fiscal as funções desempenhadas (e os seus limites) por quem invoca a qualidade de “representante fiscal”, ficando automaticamente excluída qualquer responsabilidade fiscal pelo imposto devido por rendimentos auferidos pelo sujeito passivo não residente, nos termos do mesmo preceito. Sendo perfeitamente justificada a responsabilidade fiscal dos “gestores de bens ou direitos”, por desempenharem o papel do sujeito passivo não residente, titular de rendimentos passíveis de tributação, a referida responsabilidade fiscal do representante fiscal, naquela qualidade, apenas existe se…
i) …este conhecer a identificação do “gestor de bens ou direitos” e entender não a comunicar à Administração Fiscal;
ii) …este souber da inexistência de qualquer “gestor de bens ou direitos” do sujeito passivo não residente e, à semelhança do que sucede na alínea anterior, não o comunicar à Administração Fiscal.
É certo que se poderá sempre argumentar, e admite-se que tal sucede com alguma regularidade, que o representante fiscal pode desconhecer sequer se existe, ou não, qualquer “gestão de bens ou direitos”, pelo que não pode prestar qualquer das informações referidas nas alíneas anteriores. Contra esta linha de argumentação, pode sempre acrescentar-se que a aceitação da representação fiscal traduz um acto voluntário, que depende naturalmente da vontade do futuro representante, e que o legislador entendeu que, como pressuposto dessa aceitação, deve ser observado um dever mínimo de informação, que abrange a indicação relacionada com a existência, ou não, de “gestor de bens ou direitos”.
Em suma, a inobservância, por parte do representante fiscal, do dever de informação a que se aludiu, traz consigo o peso da responsabilidade solidária pelas dívidas fiscais do sujeito passivo não residente. Mas, mesmo neste caso, tal ónus não é incontornável, na medida em que corresponde, apenas, a uma presunção legal, que o visado/representante fiscal pode elidir. Justifica-se, por isso, analisar as formas previstas na lei para essa elisão.

7. O local próprio para a defesa da inexistência de responsabilidade fiscal por parte de quem seja visado pelo disposto no artigo 27.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária é o correspondente processo de execução fiscal, que o competente serviço de finanças deverá instaurar com vista à cobrança coerciva da dívida fiscal concretamente em causa. Neste quadro, deve o representante fiscal ? não sendo “gestor de bens ou direitos” ou, sendo-o, a dívida fiscal em causa respeitar a rendimentos que extravasam o âmbito da respectiva gestão ? deduzir oposição à execução, nos termos e com os fundamentos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. De acordo com este preceito, e sendo certo que a oposição à execução apenas pode ter por fundamento um dos aí identificados, sob pena de rejeição liminar(7) , tal meio de defesa pode ser desencadeado com base na “ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida”. A hipótese prevista na parte final do preceito, “tem em vista os casos em que há reversão contra responsáveis subsidiários ou em que a execução é dirigida contra responsáveis solidários, quer directamente quer através de reversão”(8) . Para além deste fundamento, tem a jurisprudência admitido que, no caso de o responsável solidário ser citado em processo de execução fiscal sem que, antes disso, tenha sido notificado do próprio acto tributário pendente de pagamento, pode o mesmo deduzir oposição à execução (também) com base na actual alínea i) do n.º 1 do mesmo artigo 204.º(9) .



CONCLUSÕES
1. O “representante fiscal” e o “gestor de bens ou direitos” são figuras jurídico-tributárias que não se confundem e cujo traço distintivo fundamental, sem prejuízo das especificidades previstas no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, se centra na existência, ou não - como acontece na “representação fiscal” -, de capacidade de intervenção ao nível da obtenção dos rendimentos sujeitos a tributação.

2. A circunstância de alguns advogados de clientes domiciliados fora de Portugal intervirem, em representação destes, perante as autoridades fiscais, praticando actos diversos como a assinatura das respectivas declarações de rendimentos, não basta para que os mesmos possam ser considerados como “gestores de bens ou direitos”, apesar de serem, em tal contexto, “representantes fiscais”.

3. O “representante fiscal” - figura prevista no artigo 19.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária - está obrigado a informar a Administração Fiscal sobre a existência, ou não, de um “gestor de bens ou direitos” do sujeito passivo não residente concretamente representado e, em caso afirmativo, sobre a respectiva identificação, sob pena de presunção elidível dessa mesma qualidade, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 27.º, n.os 1 e 3, do mesmo diploma.

4. Citado na qualidade de responsável solidário pelas dívidas fiscais do representado não residente, o “representante fiscal”, não assumindo a qualidade de “gestor de bens ou direitos” - ou, assumindo-a, se a dívida exigida extravasar o âmbito da sua intervenção -, pode deduzir oposição à execução apoiada na sua ilegitimidade e, se for o caso, na falta de notificação do acto tributário objecto de execução, nos termos do disposto no artigo 204.º, n.º 1, alíneas b) e i), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.


Lisboa, 17 de Fevereiro de 2006



NOTAS
1-Cfr. MANUEL HENRIQUE DE FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, 2005, pp. 254 e seguintes.
2-Cfr., inter alia, MANUEL HENRIQUE DE FREITAS PEREIRA, Fiscalidade, Almedina, 2005, pp. 255 e seguintes, JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2.ª Edição, 2003, pp. 267 e seguintes, SOFIA DE VASCONCELOS CASIMIRO, A responsabilidade dos gerentes e administradores e directores pelas dívidas tributárias das sociedades comerciais, 2000, pp. 61 e seguintes.
3- Código de Processo Tributário foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, que, por sua vez, aprovou o ainda vigente Código de Procedimento e de Processo Tributário.
4-Cfr., inter alia, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 1 de Julho de 2004 (Processo n.º 21/04).
5-Cfr. ANDRÉ SALGADO MATOS, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares Anotado, 1999, pp. 540 e seguintes.
6-Cfr. PATRÍCIA NOIRET CUNHA, Imposto sobre o Valor Acrescentado ? Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas transacções intracomunitárias, 2004, pp. 364 e seguintes.
7-Cfr., neste sentido, artigos 204.º e 209.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
8-Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª Edição, 2003, pp. 879 e seguintes, JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Lições de Procedimento e de Processo Tributário, Coimbra, 2004, pp. 256 e seguintes.
9-Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Março de 2004, Processo n.º 1880/03.


Bernardo Diniz de Ayala e Ricardo Guimarães

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