Advogado Informado Vale por Dois - Lei n.º 9/2020 (13-04-2020)

No âmbito da emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID-19, e com vista a minorar os elevados e inevitáveis ricos de propagação da doença nos estabelecimentos prisionais, foi publicada a Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, que estabelece um regime excecional de flexibilização da execução das penas e das medidas de graça, prevendo a adoção de quatro medidas distintas:
a) um perdão parcial de penas de prisão (artigo 2.º);
b) um regime especial de indulto das penas (artigo 3.º);
c) um regime extraordinário de licença de saída administrativa de reclusos condenados (artigo 4.º);
d) a antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional (artigo 5.º);
Do âmbito de aplicação da presente lei encontram-se excluídos os condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários e guardas dos serviços prisionais, no exercício das respetivas funções (art. 1.º, n.º 2).
a) No que se refere ao perdão parcial de penas de prisão, pode ser concedido a reclusos cujas condenações tenham transitado em julgado em data anterior à da entrada em vigor da presente Lei (11 de abril de 2020) e só pode ser aplicado uma vez por cada condenado.
Encontra-se previsto o perdão das penas de prisão de duração igual ou inferior a dois anos, bem como o período remanescente das penas de prisão superiores a dois anos, se o tempo que faltar para o seu cumprimento integral for igual ou inferior a dois anos, desde que se mostre cumprida, pelo menos, metade da pena.
O perdão abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única.
É da competência dos tribunais de execução de penas proceder à aplicação do perdão e emitir os respetivos mandados com caráter urgente.
Encontra-se, ainda, previsto que o perdão é concedido sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce a pena perdoada.
Não obstante, encontram-se excluídos da concessão do perdão os condenados pela prática dos crimes elencados no n.º 6 do art. 2.º, entre os quais o crime de homicídio previsto nos artigos 131.º, 132.º e 133.º do Código Penal, o crime de violência doméstica e de maus tratos, os crimes contra a liberdade pessoal, contra a liberdade sexual e autodeterminação sexual, os crimes cometidos enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas.
b) Quanto ao indulto excecional de penas, total ou parcial, pode ser proposto pela Ministra da Justiça ao Presidente da República quanto a reclusos com 65 ou mais anos de idade à data da entrada em vigor da lei, portadores de doença, física ou psíquica, ou de um grau de autonomia incompatível com a normal permanência em meio prisional, no contexto da pandemia.
Compete ao diretor do estabelecimento prisional a que está afeto o recluso, obter o consentimento deste, e remeter, em 48 horas, ao diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a proposta de indulto excecional acompanhada da respetiva informação médica, informação do processo individual de recluso, registo criminal e cômputo da pena, devidamente homologado.
Obtidos os elementos identificados e o parecer do diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a proposta é remetida, em 48 horas, ao Ministério da Justiça, que a leva à decisão do Presidente da República.
O indulto pode também ser requerido pelos próprios interessados, no prazo de três dias úteis após a entrada em vigor da Lei 9/2020, devendo o pedido ser instruído em cinco dias úteis.
Do âmbito de abrangência desta medida encontram-se também excluídos os condenados pela prática dos crimes elencados no n.º 6 do artigo 2.º.
c) No que tange à licença de saída administrativa extraordinária, a mesma pode ser concedida pelo diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais ou, por delegação deste, pelos subdiretores-gerais, pelo período de 45 dias, que pode ser renovado, desde que se encontrem verificados os seguintes requisitos: o condenado preste o seu consentimento; se mostrem preenchidos os pressupostos e critérios gerais de concessão da licença de saída previstos no Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (artigo 78.º); o gozo prévio pelo condenado de pelo menos uma licença de saída jurisdicional, caso cumpra pena em regime aberto, ou de duas saídas jurisdicionais, no caso de cumprimento de pena em regime comum; nos 12 meses antecedentes não tenha existido qualquer situação de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional.
Durante o período da licença, o condenado fica obrigado à permanência na habitação e sujeito à vigilância dos serviços de reinserção social e dos elementos dos órgãos de polícia criminal, devendo cumprir as suas recomendações e responder aos contactos que com ele vierem a estabelecer.
O incumprimento injustificado das condições impostas leva à aplicação de uma solene advertência pelo diretor do estabelecimento prisional ou à revogação da licença de saída pelo diretor-geral de Reinserção e Serviços Prisionais. No caso de revogação da medida, a respetiva legalidade pode ser impugnada junto do tribunal de execução das penas.
Quer a decisão de concessão quer a de revogação da licença de saída administrativa são comunicadas ao Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas territorialmente competente, a fim de o mesmo verificar a legalidade da decisão de concessão ou, no caso de revogação, promover o desconto, no cumprimento da pena, do tempo em que o recluso esteve em liberdade.
d) A Lei 9/2020 prevê, ainda, um regime excecional de adaptação à liberdade condicional, estabelecendo que a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo Tribunal de Execução das Penas, por um período máximo de seis meses. Tal antecipação depende do prévio gozo, com êxito, de licença de saída administrativa concedida nos termos do art. 4.º, de duração equivalente ao período em falta para o condenado atingir o cumprimento de dois terços ou cinco sextos da pena, conforme se trate de pena de prisão em medida inferior ou superior a seis anos.
Também neste caso, o condenado fica obrigado, durante o período da antecipação, além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação.
Cumpre realçar que a lei estabelece, no art. 6.º, que no caso de o recluso regressar ao meio prisional terá de cumprir previamente um período de quarentena de 14 dias, nos termos determinados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, sendo certo que também a libertação de reclusos deve ser antecedida dos procedimentos indicados pela Direção-Geral da Saúde (art. 8.º).
O diploma prevê, ainda, no art. 7.º, o dever do juiz de proceder ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva e reponderar a necessidade da medida, independentemente do decurso dos três meses referidos no artigo 213.º do Código de Processo Penal, mormente se o arguido estiver em alguma das situações descritas no n.º 1 do artigo 3.º.
Devido ao elevado número de reclusos que a presente lei pode abranger, determina-se a afetação aos Tribunais de Execução de Penas dos juízes necessários à implementação das medidas.
A Lei 9/2020 entrou em vigor no dia 11 de Abril de 2020 e a respetiva vigência cessa na data que vier a ser fixada pelo decreto-lei que declare o termo da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (previsto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março).
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