Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 24/PP/2017-C

Processo de Parecer 24-PP-2017

 

Por comunicação entrada no Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados em 18 de Maio de 2017 e dirigida ao seu Presidente, a Exmª Srª Drª SA..., advogada, com escritório em …, veio requerer que este se pronuncie sobre questão que ali coloca de eventual existência de incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o exercício das funções de administradora, não remunerada, de sociedade anónima cuja “actividade desenvolvida é o investimento urbano através da aquisição, venda, construção, locação, aluguer, venda de imóveis e representações de materiais de construção”, tendo junto, com o seu pedido impressão da certidão permanente da sociedade de que pretende ser administradora.

 

Na sequência de solicitação formulada pelo ora relator à Exmª Srª Advogada requerente no sentido de esclarecer se a sociedade em causa se encontrava inscrita junto do Instituto da Construção e do Imobiliário, foi esclarecido que não se encontra ali inscrita.

 

Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, do regime jurídico das sociedades de advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.

 

Para responder à questão terá que se verificar, num primeiro momento, se existe impedimento ou incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o exercício das funções de administrador em sociedade anónima e, caso este não se verifique, analisar se o objecto social da sociedade e indicado pela Exmª Srª Advogada requerente é, só por si, susceptível de provocar incompatibilidade.

 

A apreciação da questão concreta terá que ser efectuada à luz dos artigos 81º e seguintes do EOA, mas antecipamos desde já que, como tem sido tem sido jurisprudência da Ordem dos Advogados, não existe nem impedimento nem incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de gerente ou de administrador de sociedade comercial, com excepção dos casos em que o objecto da sociedade colida com incompatibilidades definidas no estatuto, como é clara e classicamente o caso do exercício simultâneo da advocacia e das funções de gerente ou administrador de sociedade imobiliária ou de leiloeira, porquanto o exercício da advocacia é incompatível com a actividade de mediador imobiliário e ou de leiloeiro de acordo com a alínea n) do nº 1 do artigo 82º do EOA.

 

De facto, como já antecipámos, no que concerne às actividades expressamente previstas no artigo 82º do EOA como incompatíveis com o exercício da advocacia, constata-se que daquele elenco não consta a de «gerente» ou «administrador» de sociedade comercial, pelo que necessário se torna verificar se tal actividade é ou não incompatível com o exercício de advocacia face às regras gerais constantes do artigo 81º do EOA e, especialmente, do seu nº 2 («o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possa afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão»).

Do exercício da actividade de gerente ou de administrador da sociedade comercial referida nos autos, não se vislumbra, em abstracto, qualquer limitação dos deveres de isenção, independência e dignidade na profissão de advogado, porquanto não se vê como o desempenho daquelas funções pela Exmª Srª Advogada ali indicada seja susceptível de gerar dúvidas quanto a um exercício transparente e idóneo da sua profissão de advogada.

 

Sendo de referir que, sem prejuízo da inexistência de incompatibilidade acima verificada, o advogado que exerça cumulativamente as funções de gerente ou de administrador de sociedade comercial, continua contudo vinculado ao rigoroso cumprimento de todos os deveres plasmados no EOA sob pena de incorrer em infracção disciplinar, ou seja, não pode o advogado e no caso a Exmª Srª Advogada requerente, servir-se da actividade que desenvolverá enquanto administradora da sociedade em causa, se para tanto for designada e eleita, para solicitar, directa ou indirectamente, clientela, sob pena de violar o dever a que está vinculada por força do artigo 90º, nº 2, alínea h), nem para divulgar, directa ou indirectamente, a sua actividade profissional enquanto Advogada, sob pena de violação dos deveres a que está vinculada em matéria de publicidade por força do disposto no artigo 94º EOA.

 

Sem prejuízo do que supra se deixou escrito e como já afirmámos em pareceres anteriormente relatados, continuamo-nos a rever no parecer do extinto Conselho Distrital de Coimbra superiormente relatado pelo saudoso Dr. Daniel Andrade, que embora reconheça – como reconhecemos – a inexistência de limitação estatutária ao exercício da advocacia simultaneamente com o desempenho de funções de gerente comercial, entende que deveria ser estatutariamente consagrada uma definição de advogado extraída das conclusões aprovadas no Congresso da Ordem dos Advogados no já longínquo ano de 2000, designadamente de que “é advogado quem tenha a sua inscrição na Ordem dos Advogados e exerça predominantemente a actividade própria da advocacia, com excepção da docência e investigação jurídica, ainda que de forma remunerada”, concretizando-se que “entende-se como predominante a actividade que é exercida pelo advogado, de forma regular e continuada, constituindo a sua principal ocupação”. No entanto não foi, claramente, essa a opção do legislador, como resulta das parcas alterações introduzidas em matéria de incompatibilidade e impedimentos no (ainda) recente novo Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei 145/2105 de 9 de Setembro.[1] 

 

Ultrapassada a primeira questão importa agora verificar se existe ou não incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de administradora de sociedade comercial cujo objecto é “investimentos urbanos através da aquisição, venda, construção, locação, aluguer, venda de imóveis e representações de materiais de construção”.

Como também já supra adiantamos é incompatível, por força da alínea n) do nº 1 do artigo 82º do EOA, o do exercício simultâneo da advocacia e das funções de gerente ou administrador de sociedade imobiliária ou de leiloeira, porquanto o exercício da advocacia é incompatível com a actividade de mediador imobiliário e de leiloeiro, mas o objecto social em causa não configura mediação imobiliária e como tal não se verifica a aludida incompatibilidade.

Acresce que a sociedade em causa não se encontra inscrita junto do Instituto da Construção e do Imobiliário e, como tal e por força da Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro não pode exercer a actividade de mediadora imobiliária.       

 

Pelo que concluímos que não existe incompatibilidade ou impedimento entre o exercício, em simultâneo, da advocacia e das funções de administradora de sociedade anónima cujo objecto social é “investimentos urbanos através da aquisição, venda, construção, locação, aluguer, venda de imóveis e representações de materiais de construção” porque este não configura mediação imobiliária.

 

 

É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.

 

À sessão.

 

Coimbra, 22 de Setembro de 2017

 



[1] Parecer do CDC de 28 de Novembro de 2003

 

Manuel Leite da Silva

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