Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 37/PP/2017-C

PARECER Nº 37/PP/2017C

 

            O Senhor Dr. MC..., Ilustre Advogado com escritório em …, dirigiu comunicação ao Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados colocando questão atinente a eventual sujeição a segredo profissional e, concretamente, se a sua revelação importará infracção disciplinar.

            Pela Exma. Sra. Presidente do referido órgão veio tal requerimento a ser remetido para este Conselho Regional, dada a questão colocada contender com sigilo profissional.

            Na verdade, o Exmo. Colega Requerente refere que passou a representar o Sr. PB…, residente em Londres, em Inventário instaurado por uma irmã daquele seu Constituinte.

            O aludido Inventário tem tido uma tramitação vagarosa, o que se tem mostrado passível de “enervar” o Sr. PB... que, à revelia do Exmo. Requerente, tem contactado os demais Advogados intervenientes no Processo, às vezes de forma algo desabrida.

            O Exmo. Requerente elenca, ainda, diversos serviços prestados ao referido Constituinte, designadamente reuniões; ora, numa delas, este fez-se acompanhar de uma Senhora de nacionalidade inglesa com quem foi mantendo conversação na respectiva língua natal, eventualmente desconhecendo que o Ilustre Colega a dominava. Assim, a dado trecho, referiu a esta que qualquer aquisição de um imóvel em partilha teria de ser, primeiramente, efectuada pela mencionada Senhora, pois os irmãos não poderiam ter conhecimento de que ele dispunha da quantia de €75 000,00 (setenta e cinco mil euros) para investir. Ora, a referência à titularidade do mencionado montante surpreendeu o Exmo. Colega Exponente, dado que este sempre lhe ia dando nota de que vivenciava graves dificuldades económicas, pelo que perguntou como os tinha amealhado. Ainda que surpreendido pelo conhecimento que o Exmo. Requerente demonstrava, o Sr. PB... respondeu que havia sido o Pai dele que lhos havia doado a fim de que ele completasse os estudos; mais aduziu que os irmãos desconhecem tal situação.

            Ora, o patrocínio entretanto cessou por desinteligências ocorridas entre o Exmo. Requerente e o Sr. PB..., sem que este liquide os honorários devidos, o que vem repetidamente anunciando em comunicações que têm trocado.

            Todavia, a questão que o Exmo. Colega coloca é “saber se estarei autorizado a dar a conhecer a ilegítima apropriação que aquele individuo faz de dinheiro que pelo menos em grande parte pertence à herança, sem que ninguém o saiba, a não ser eu? E, já não tenho nada a ver com este indivíduo.”

           

Apreciando:

Desde logo, importará assinalar que este Conselho Regional tem competência para a emissão do presente parecer, quer por se tratar de situação atinente à respectiva área de competência territorial (artigo 54º, 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados), quer porque consubstancia questão de carácter profissional relativamente à qual, nos termos do disposto na al. f) do sobredito inciso, lhe cabe pronunciar-se.

Por outra banda, a questão colocada colide, indubitavelmente, com o dever de segredo profissional.

Ora, é apodíctico que, conforme resulta do n.º 1 do artigo 92º do E.O.A., o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções, mesmo após o término da relação de mandato.

Por outra banda, por força do disposto no n.º 4 do sobredito inciso legal, o Advogado só pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, previamente autorizado pelo respectivo Presidente do Conselho Regional.

In casu, contudo, o Exmo. Colega não vem requerer a dispensa, mas apenas, previamente, aferir da possibilidade da mesma – se solicitada – vir a ser deferida. Na verdade, nos termos do artigo 3º-1 do Regulamento de Dispensa de Sigilo Profissional, para que qualquer advogado seja desobrigado do dever de sigilo tem de existir requerimento de autorização para o efeito, que deve identificar de modo objectivo, concreto e exacto, qual o facto ou factos sobre os quais a desvinculação é pretendida (que deve fazer-se acompanhar dos documentos necessários à apreciação do pedido), sendo certo que tal dispensa do segredo profissional reveste carácter excepcional (artigo 4º-1 do sobredito Regulamento)

Saliente-se que o aflorado regime da desvinculação do segredo já inculca o quão exigente é a respectiva regulamentação – ora, tal minúcia exaustiva ostentada pela lei prende-se, exactamente, à matricial importância que o sigilo profissional adquire e representa quer para a relação de confiança entre mandante e mandatário, quer, ainda e sobremaneira, pelo interesse público que lhe está subjacente, absolutamente indissociável do exercício da advocacia.

Fixadas, ainda que a traço grosso, as coordenadas axiais da problemática em exame emerge como indispensável para o sentido do parecer a emitir a indagação se a materialidade referida pelo Colega está, ou não, a coberto do segredo.

Ora, para a emissão de tal juízo mostra-se essencial considerar o teor do artigo 92º, 1, al. a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, que estatui que o “advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:/a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste”. Na verdade, da mera leitura do referenciado inciso legal ressuma à evidência que o facto em causa está a coberto do sigilo. É que o ex-cliente apenas revelou a existência da referida quantia (ainda que indirectamente) face à confiança que lhe advinha da circunstância de se encontrar no escritório de quem era seu advogado e apenas perante este. Ora, essa confiança na “incolumidade das instalações do advogado” como decorrência evidente da confiança no profissional resultaria traída caso o advogado viesse a revelar a aludida factualidade – conhecida, reitera-se, no seu escritório e em conversa, ainda que mantida com terceira pessoa, inextricavelmente conexa ao assunto atinente ao mandato. Por outra banda, o facto da relação de mandato já haver cessado é, como já dito, irrelevante para a decisão a proferir, atendendo a que a obrigação de guardar segredo é perene, transcendendo, consequentemente, a vigência do mandato.

Atentos os aludidos “acquis” importará indagar se poderá ocorrer algum do estrito condicionalismo legitimador da dispensa do segredo, numa situação como a examinada.

Ora, adiantando conclusões dir-se-á que a resposta terá de ser terminantemente negativa. Com efeito, como já se assinalou, a dispensa de segredo profissional só pode acontecer para “defesa da dignidade, direitos e interesses do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes”. Ora, no caso concreto, tal revelação, ao invés de se assumir com a referida tipologia, emergiria inexoravelmente em detrimento dos interesses de quem foi Constituinte do Exmo. Colega…

Tal circunstancialismo surge, assim, em manifesta colisão com as situações excepcionais em que é permitida a dispensa do dever de segredo profissional.

Nesta confluência, sou de parecer que na situação que vem comunicada não será, face à legalidade aplicável, de dispensar o Sr. Advogado exponente da obrigação de sigilo, pelo que a revelação do facto em causa violaria as normas constantes do artigo 92º do EOA e fá-lo-ia incorrer em eventual responsabilidade disciplinar, penal e civil.

 

À sessão.

 

Jacob Simões

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