Parecer Nº 38/PP/2017-C
Processo de Parecer 38/PP/2017-C
Por ofício datado de 13 de Outubro de 2017 veio o Exmº. Senhor Procurador Adjunto da Secção de Ourém do Departamento de Investigação e Acção Penal da Procuradoria da República da Comarca de … solicitar que este Conselho Regional se pronuncie sobre a existência, ou não, de incompatibilidade ou impedimento do Exmº Sr. Dr. SP... no âmbito do Processo de Inquérito nº … que corre termos naquele DIAP.
A acompanhar aquele ofício foi remetida diversa documentação, composta por cópias extraída daquele processo.
Instruem, assim, este pedido de parecer:
1. Cópia de participação crime, de fls. 1 e seguintes daqueles autos, deduzida por João I... contra sete denunciados, incluindo do aludido Sr. Dr. SP..., advogado, com escritório em Condeixa-a-Nova;
2. Termo de constituição de arguido do Sr. Dr. SP..., a fls. 134, em 11.07.2017, tendo constituído como defensor o Sr. Dr. AM..., com escritório em Pombal;
3. Termo de identidade e residência do Sr. Dr. SP... enquanto arguido naquele processo, a fls. 135, ocorrida no dia 11.07.2017;
4. Procuração forense, a fls. 136, emitida pelo Sr. Dr. SP..., constituindo como seu mandatário o referido Sr. Dr. AM...;
5. Auto de interrogatório de arguido do Sr. Dr. SP..., em 11.07.2017, a fls. 137, tendo sido acompanhado pelo seu mandatário, Sr. Dr. AM...;
6. Procuração forense, a fls. 143, emitida pela também denunciada Srª D. Gracinda O... em 22 de Agosto de 2017 constituindo como seu mandatário o Dr. SP...;
7. Auto de interrogatório de arguido da Srª D. Gracinda O... em 22 de Agosto de 2017, a fls 144, tendo sido acompanhada pelo seu mandatário, o Sr. Dr. SP...;
8. Termo de constituição de arguido da Srª. D. Gracinda O..., a fls. 146, em 22.08.2017;
9. Notificação à arguida Srª. D. Gracinda O..., a fls. 147, nos termos dos artigos 281º e 282º do Código de Processo Penal, da possibilidade de suspensão provisória do processo;
10. Procuração forense, a fls. 149, emitida pela também denunciada Srª D. Lopes ... em 22 de Agosto de 2017 constituindo como seu mandatário o Dr. SP...;
11. Auto de interrogatório de arguido da Srª D. Lopes ... em 22 de Agosto de 2017, a fls. 150, tendo sido acompanhada pelo seu mandatário, o Sr. Dr. SP...;
12. Termo de constituição de arguido da Srª. D. Lopes ..., a fls. 152, em 22.08.2017;
13. Notificação à arguida Srª. D. Lopes ..., a fls. 153, nos termos dos artigos 281º e 282º do Código de Processo Penal, da possibilidade de suspensão provisória do processo;
14. Despacho proferido em 28.09.2017, fls. 178, ordenando a notificação do “arguido SP..., que assume também a posição de mandatário nos autos, da arguida Gracinda O... e de Lopes ... para informar (…) se em face desta dupla posição (arguido e mandatário de duas arguidas) pretende manter este patrocínio jurídico ou vê incompatibilidade nas funções de defesa.”;
15. Auto de interrogatório de arguido da Srª D. Manuela ... em 28 de Setembro de 2017, tendo sido acompanhada pelo Sr. Dr. SP..., como defensor;
16. Procuração forense, a fls. 187, emitida pela também denunciada Srª D. Manuela ... em 28 de Setembro de 2017 constituindo como seu mandatário o Dr. SP...;
17. Impressão de validação de constituição de arguido do Sr. Nuno ..., a fls. 188;
18. Requerimento, de fls. 189, apesentado pelo Sr. Dr. SP..., de resposta à promoção de fls. 178 e após se identificar com “simultaneamente advogado e arguido nos presentes autos”, declara que “não vê e não possui elementos e razões que prejudiquem a sua dupla posição de arguido e mandatário advogado defensor nos presentes autos.”;
19. Despacho proferido em 12.10.2017, ordenando que seja solicitado ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados, nos termos do artigo 81º, nº 1, 2 e 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, “que esclareça se existe incompatibilidade ou impedimento do Exmº Sr. Dr. SP... nos presentes autos.”
A questão vem colocada com toda a clareza, para além de ser acompanhada da pertinente documentação, pelo que face ao disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.
A questão que aqui se coloca é, de forma concisa, saber se um advogado que foi constituído arguido num processo pode, nesse mesmo processo, patrocinar e defender um ou mais arguidos.
A idêntica questão já o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, no Proc. 13/PP/2012-G respondeu, em 25 de Julho de 2012, extraindo as conclusões que aqui integralmente se transcrevem:
1) “O Instituto da defesa não é consagrado e/ou estabelecido apenas em favor do arguido, mas também para garantir o bom funcionamento da Justiça e a segurança no exercício daquele, que consubstancia um interesse de ordem pública.”;
2) “Não pode, pois, um advogado exercer em causa própria a sua defesa em processo-crime, por poderem vir a ser postos em causa aqueles desideratos”;
3) “Por maioria de razão, não poderá um advogado defender e/ou continuar a defender um arguido em processo-crime em que venha a ser constituído também arguido, não só por via da independência e isenção que um advogado tem de ter no exercício da sua profissão (cf. art. 76 do E.O.A.), mas também, e ainda pelos eventuais conflitos de interesse com o seu (ex)constituinte (cf. art. 94º, nºs 1 e 4 do E.O.A.);”
4) “Compete à Ordem dos Advogados verificar/declarar qualquer impedimento/incompatibilidade entre o exercício da advocacia e outra actividade ou situação, que se mostrem em conflito com a dignidade e independência no exercício daquela (Cfr. arts. 78, nº 4 e 79º do E.O.A)”;
5) “Perante uma situação concreta, de um advogado defensor de um arguido passar, ele próprio, também a arguido nesse mesmo processo, não repugna aceitar que o Magistrado do Ministério Público e/ou o Magistrado Judicial, conforme for o caso, possam, no acto diligência em curso, fazer constar em Acta tal alegada incompatibilidade e nomearem defensor(es) ao(s) arguido(s)”;
6) “Se aquela(s) eventual(ais) incompatibilidades(s)/impedimento(s) se verificarem ab initio, é a Ordem dos Advogados a única competente para aquela declaração/verificação”;
7) “Se perante a situação referida em 5) destas conclusões, deverão os Magistrados comunicar à Ordem dos Advogados aquelas “constatação” e “nomeação” para o acto/diligência concreto em causa, a fim de aquela reconhecer/declarar, ou não, a suposta “incompatibilidade”, com as necessárias consequências, mormente no processo em causa.”;
Sendo certo que o parecer aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados e as referências legais ali efectuadas o foram ao abrigo do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados, mantêm-se contudo plenamente actuais, porquanto o actual Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro, reproduz, nos seus artigos 81º e 99º, a disciplina que se encontrava plasmada nos artigos 76º e 94º do anterior EOA.
É evidente que a situação em análise poderia colocar em causa os princípios e valores que se pretendem salvaguardar com a fixação dos impedimentos que se encontram consagrados, actualmente nos artºs. 81º nº 1 e 83º, nº 1 do EOA, bem como outros valores fundamentais da advocacia e, designadamente, os protegidos pelos artºs 88º e 89º do EOA.
“Os impedimentos resultam de circunstâncias concretas que devem levar os advogados a recusar mandato ou prestação de serviços em função de conflito de interesses ou de simples decoro, já que o exercício da profissão deve ser livre, independente e adequado à dignidade da função” (Fernando Sousa Magalhães, Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado, pág. 121, 2016)
É manifesto que o estatuto processual de arguido é absolutamente impeditivo do exercício, por aquele advogado ali constituído arguido, de quaisquer funções de patrocínio nesse processo, quer porque o exercício do mandato nessas circunstâncias seria susceptível de limitar a liberdade, isenção e independência do advogado, quer por simples e exigível decoro.
Esta é a única solução que assegura o respeito pelos princípios da independência e da dignidade da profissão que o EOA consagra e cuja estrita observância reclama.
Conclusão:
Não pode um advogado defender ou continuar a defender um arguido em processo-crime em que venha a ser ou tenha sido constituído também arguido, por colocar em risco os princípios da liberdade, isenção e independência que são imanentes à advocacia e ao mandato forense, bem como colocaria em causa a própria dignidade da profissão
É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Comunique-se ao processo supra referido.
Coimbra, 10 de Novembro de 2017
À sessão do Conselho Regional
Manuel Leite da Silva
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