Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 8/PP/2018-C

Processo de Parecer n.º 8/PP/2018-C

 

Por comunicação dirigida ao Sr. Presidente do Conselho Distrital (pretendendo por certo referir-se ao Conselho Regional de Coimbra) enviada por correio eletrónico no dia 22 de Fevereiro de 2018, a Sr.ª Drª TA (…), advogada, com escritório em (…), veio requer que este se pronuncie sobre questão que ali coloca, sobre eventual existência de conflito de interesses, onde expôs que:

- Há cerca de 1 ano e meio representou uma empresa para recuperação e um crédito em divida da Associação da (…);

- Que após a associação ser notificada da injunção procedeu ao pagamento do valor em divida;

- Na associação foi nomeado um novo presidente que contactou com a Sr.ª Advogada requerente no sentido de propor uma acção contra o antigo presidente daquela associação;

Concluindo aquela exposição, questionando se poderá representar a associação sem que configure a existência de conflito de interesses.

 

Face ao disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem –  deve ser emitido o solicitado parecer.

 

A questão da eventual existência de um conflito de interesses tem como base o facto de a Srª Advogada requerente ter patrocinado, há cerca de um ano e meio e num procedimento de injunção, uma empresa contra uma associação que logo ali terminou pelo pagamento da divida após a notificação da injunção à dita associação devedora, sendo que agora a mesma associação pretende mandatar a Srª Advogada requerente para intertar acção contra um anterior presidente daquela associação.

 

O Advogado no exercício da sua profissão está vinculado ao rigoroso cumprimento de um feixe de deveres com especial relevância aos que se encontram plasmados no EOA, sendo que só o cumprimento escrupuloso e rigoroso de todos esses deveres garante a dignidade e o prestígio da profissão.

O título III do EOA trata da “Deontologia Profissional”, fixando no Capítulo I, os Princípios Gerais e abordando no Capítulo II as questões derivadas das relações entre o Advogado e o Cliente, sendo neste capítulo e designadamente no artigo 99º que se encontra regulado o “Conflito de Interesses”, devendo ser, como supra se referiu, avaliada a questão em apreço à luz deste dispositivo (que se transcreve):

 

“1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade, ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.

2 – O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente

6 - Sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros”  

 

A norma em causa (art. 99º do EOA e que reproduz o artigo 94º do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei 15/2005 de 26 de Janeiro) visa defender a comunidade geral, mas também os clientes de um Advogado de qualquer actuação menos licita ou mesmo danosa deste, seja conluiado, ou não, com algum ou alguns dos seus clientes e, por outro, defender o Advogado de qualquer acusação ou mera suspeita de actuar no exercício da sua profissão sem visar a intransigente defesa dos direitos e interesses do cliente.[1]

 

É o interesse público da profissão, a independência, a confiança e a dignidade da profissão de Advogado, mesmo em relação ao seu cliente, que justificam o dever plasmado naquele normativo de, nas relações com o cliente, constituir dever do Advogado recusar mandato, nomeação oficiosa ou prestação de serviços em questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade (artigo 99º, nº 1, do EOA), devendo também recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado (art. 99º, nº 2 do EOA) e não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assuntos conexos, se existir o risco de conflito entre os interesses daqueles (art. 99º, nº 3 do EOA).

O conflito de interesses resulta dos princípios acima referidos o que impõe, desde logo, que é em primeira linha uma questão de consciência do Advogado, cabendo-lhe em permanência e a todo o tempo formular um juízo sobre a existência ou não de um conflito entre os interesses dos seus clientes.

 

Como já se expôs, o nº 1 daquele artigo 99º do EOA determina que é dever do Advogado para com o cliente a recusa do mandato ou prestação de serviços em questão que seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.

O nº 2, por maioria de razão, impõe que o Advogado recuse o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

Por sua vez, o nº 3 daquele artigo 99º do EOA determina que é dever do Advogado não aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

 

No caso em análise a conduta da Srª Advogada requerente visada não se enquadra em nenhum dos números daquele artigo, porquanto a acção a propor e para a qual a associação pretende mandatar a Srª Advogada requerente não tem relação nem conexão com a injunção referida na exposição e a Srª Advogada requerente, atenta a factualidade relatada, não representa nem representou o anterior presidente da associação, contra o qual se pretende interpor uma acção judicial.

Ou seja, não existe em abstrato um cruzamento ou intersecção de interesses que possa suscitar a existência de conflito de interesses.

 

 

 

Conclusão:

 

Não se verifica, em abstrato, conflito de interesses pelo patrocínio pela Srª Advogada requerente de uma associação contra o seu anterior presidente, pese embora Srª Advogada tenha anteriormente patrocinado um procedimento, já findo, para cobrança de divida mediante injunção, contra a aludida associação que agora a deseja mandatar.   

 

É este, salvo melhor opinião, o nosso parecer.

 

 

            Coimbra, 10 de Maio de 2018

 

            À sessão do Conselho Regional de Coimbra



[1] Valério Bexiga, in Lições de Deontologia Forense, pág. 324 

 

 

Manuel Leite da Silva

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