Parecer Nº 9/PP/2018-C
Processo de Parecer n.º 9/PP/2018-C
Por comunicação entrada por correio eletrónico no Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados em 27 de Fevereiro de 2018 e dirigida ao seu Presidente, a Exmª Srª Drª VS (…), advogada, veio requerer que este se pronuncie sobre questão que ali coloca de eventual existência de incompatibilidade e/ou conflito de interesses entre ser fundadora de uma associação sem fins lucrativos que visa a defesa dos interesses dos cidadãos da cidade de que é natural e de assumir o patrocínio judicial daquela associação, esclarecendo ainda que tal patrocínio seria efectuado gratuitamente (pro bono) e que a requerente não integra o órgão que obriga e representa a associação em juízo.
Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.
Para responder à questão terá que se verificar, num primeiro momento, se existe impedimento ou incompatibilidade entre o exercício da advocacia e a circunstância de ser associada (fundadora ou não) de uma associação sem fins lucrativos.
A apreciação desta concreta questão terá que ser efectuada à luz dos artigos 81º e seguintes do EOA, mas é inequívoco que não existe nem impedimento nem incompatibilidade entre o exercício da advocacia e a circunstância de ser associado, fundador ou não, de uma associação sem fins lucrativos.
Tal circunstância não está contemplada no elenco das incompatibilidades enunciadas no artigo 82º do EOA, o qual contudo é meramente exemplificativo, pelo que necessário se torna verificar se tal actividade é ou não incompatível com o exercício de advocacia face às regras gerais constantes do artigo 81º do EOA e, especialmente, do seu nº 2 («o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possa afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão»).
O facto de um advogado ser associado, fundador ou não, de uma associação sem fins lucrativos em nada contende com o dever de sigilo, com a isenção, a independência e a dignidade da profissão de advogado, pelo que, não se vislumbra, em abstracto, qualquer impedimento.
Sendo de referir que, sem prejuízo da não existir qualquer incompatibilidade, o advogado está sempre vinculado ao rigoroso cumprimento de todos os deveres plasmados no EOA sob pena de incorrer em infracção disciplinar, ou seja, não pode o advogado e no caso a Exmª Srª Advogada requerente, servir-se da circunstância de ser associada da associação em causa, para solicitar, directa ou indirectamente, clientela, sob pena de violar o dever a que está vinculada por força do artigo 90º, nº 2, alínea h) do EOA, nem para divulgar, directa ou indirectamente, a sua actividade profissional enquanto Advogada, sob pena de violação dos deveres a que está vinculada em matéria de publicidade por força do disposto no artigo 94º do EOA.
Importa analisar, em segundo lugar, se se verifica o invocado conflito de interesses.
O título III do EOA trata da “Deontologia Profissional”, fixando no Capítulo I, os Princípios Gerais e abordando no Capítulo II as questões derivadas das relações entre o Advogado e o Cliente, sendo neste capítulo e designadamente no seu artigo 99º que se encontra regulado o “Conflito de Interesses”.
A norma citada (art. 99º do EOA) visa, por um lado, defender a comunidade geral e os clientes de um Advogado de qualquer actuação menos licita ou mesmo danosa deste, seja conluiado, ou não, com algum ou alguns dos seus clientes e, por outro, defender o Advogado de qualquer acusação ou mera suspeita de actuar no exercício da sua profissão sem visar a intransigente defesa dos direitos e interesses do cliente.
É o interesse público da profissão, a independência, a confiança e a dignidade da profissão de Advogado, mesmo em relação ao seu cliente, que justificam o dever plasmado naquele normativo de, nas relações com o cliente, constituir dever do Advogado recusar mandato, nomeação oficiosa ou prestação de serviços em questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade (artigo 99º, nº 1, do EOA), devendo também recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado (art. 99º, nº 2 do EOA) e não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assuntos conexos, se existir o risco de conflito entre os interesses daqueles (art. 99º, nº 3 do EOA).
O conflito de interesses resulta dos princípios acima referidos o que impõe, desde logo, que é em primeira linha uma questão de consciência do Advogado, cabendo-lhe em permanência e a todo o tempo formular um juízo sobre a existência ou não de um conflito entre os interesses dos seus clientes.
Ora, do facto singelo e abstrato de a Srª Advogada requerente ser associada (fundadora, ou não) da associação sem fins lucrativos que lhe irá conferir o mandato, não se vislumbra a existência de conflito de interesses.
Importa ainda referir que a análise e a apreciação aqui efectuada teve como pressuposto que a associação em causa pretende mandatar a Srª Advogada requerente para tratar única e exclusivamente dos seus próprios assuntos jurídicos – da associação – e não para prestar consulta jurídica ou outros actos próprios de advogados a terceiros, nomeadamente aos seus associados.
Pelo que concluímos que:
a) Não existe incompatibilidade ou impedimento entre a circunstância de ser associada (fundadora ou não) de uma associação sem fins lucrativos e o exercício da advocacia.
b) Não se verifica, em abstrato, conflito de interesses pelo patrocínio pelo advogado de uma associação sem fins lucrativos do qual o advogado é, simultaneamente, associado.
É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Coimbra, 10 de Maio de 2018
À sessão do Conselho Regional de Coimbra
Manuel Leite da Silva
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