Parecer Nº 16/PP/2018-C
Processo de Parecer n.º 16/PP/2018-C
Mediante comunicação enviada por correio electrónico em 13 de Abril de 2018 dirigida ao Presidente do Conselho Regional de Coimbra o Exmº Sr. Dr. LP (…), advogado estagiário, com domicílio profissional na Guarda, invocando encontrar-se qualificado com um curso de mediação de conflitos reconhecido pelo Ministério da Justiça e pese embora nunca tendo exercido tal função mas considerando a possibilidade de o poder fazer no futuro, constatou porém existirem, na jurisprudência da Ordem dos Advogados, decisões conflituantes, tendo inclusive indicado, a titulo de exemplo, o Parecer nº 31/PP/2011-C deste Conselho (à data ainda designado de Conselho Distrital de Coimbra) e o Parecer nº 36/PP/2011-G do Conselho Geral da Ordem dos Advogados e, por essa razão, veio solicitar que este Conselho Regional se pronuncie sobre a existência, ou não, de incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o exercício das funções de mediador de conflitos em regime de prática privada e individual, em instalações distintas e sem qualquer menção, em cada uma delas, à outra actividade.
Face ao disposto na alínea f) do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados e face às competências ali elencadas como próprias do Conselho Regional, este deve pronunciar-se, no âmbito da sua competência territorial, sobre questões de carácter profissional, pelo que se encontram reunidas as condições formais para que fosse emitido, por este Conselho Regional, o parecer solicitado, respondendo à questão concreta colocada pelo Exmº Sr. Advogado Estagiário requerente.
Porém e como é correctamente referido pelo Exmº Sr. Advogado Estagiário requerente, a questão em causa já foi alvo de análise em diversos pareceres, de órgãos diferentes, da Ordem dos Advogados e com resultados divergentes.
Sobre esta questão e ainda no domínio do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei 15/2005 de 26 de Janeiro), este mesmo Conselho proferiu dois pareceres, ambos relatados pelo aqui subscritor – e entre os quais o aludido parecer 31/PP/2011-C de 20 de Janeiro de 2012 – concluindo pela inexistência de incompatibilidade entre o exercício das funções de mediador de conflitos e o exercício da advocacia.
O Conselho Regional do Porto também entendeu, no seu parecer nº 25/PP/2010 de 23 de Junho de 2010 (à data ainda designado de Conselho Distrital do Porto) que a actividade de mediador de conflitos não era incompatível com o exercício da advocacia, estando contudo os mediadores de conflitos impedidos de exercerem a advocacia nos locais onde exerçam a actividade de mediação e, ainda, que não era permitido o exercício daquelas duas actividades no mesmo espaço físico.
Também o Conselho Distrital de Lisboa, nos seus pareceres nºs 27/2008 e 35/2008, ambos de 10 de Setembro de 2008, pronunciou-se no mesmo sentido, nomeadamente que a mediação de conflitos e designadamente a mediação familiar era compatível com o exercício da actividade de advogado, indo mais longe do que os pareceres anteriormente referidos (quer deste Conselho quer do à data Conselho Distrital do Porto), afirmando que o exercício da actividade de mediador familiar pode ser exercido no âmbito do escritório do advogado.
No entanto, em sentido oposto, pronunciou-se o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, através dos seus pareceres nº 26/PP/2009-G de 17 de Setembro de 2009 e 36/PP/2011-G de 21 de Outubro de 2011, concluindo pela incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de mediador de conflitos, fundamentando essa incompatibilidade na circunstância de o “exercício conjunto daquelas duas actividades poder pôr em causa a isenção, a independência e a dignidade da profissão de advogado, previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 76 do EOA” e que “o exercício conjunto e simultâneo das duas actividades poderia sempre, ao menos indirectamente, vir a constituir angariação de clientela, proibida estatutariamente”.
O anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (em vigor aquando da prolação de todos os pareceres acima citados) no seu artigo 77º enunciava exemplificativamente o conjunto de cargos, funções e actividades incompatíveis com o exercício da advocacia, não continha naquele elenco a «mediação de conflitos», pelo que a avaliação e ponderação da eventual incompatibilidade do exercício conjunto daquelas duas actividades teria que ser efectuada à luz das regras gerais constantes do artigo 76º do EOA (na versão da citada Lei 15/2005) e, especialmente, do seu nº 2 («o exercício da advocacia é incompatível com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão»), como o fizerem os pareceres acima indicados.
Como também já referimos, este Conselho Regional sempre defendeu que do exercício daquela actividade de mediação não se vislumbra, em abstracto, qualquer limitação dos deveres de isenção, independência e dignidade que afectem a profissão de advogado sendo que «os advogados são, naturalmente, os primeiros mediadores de conflitos»[1], sem prejuízo, naturalmente, de que se deverá ter especial atenção aos deveres do Advogado, designadamente os constantes dos artigos 83º e 90º do Estatuto da Ordem dos Advogados (e que correspondem aos anteriores artigos 78º - este com algumas alterações - e 85º do EOA aprovado pela Lei 15/2005) em conjugação com os deveres enquanto mediador, reforçados com os impedimentos legalmente previstos e que, de forma geral, impedem que o mediador possa intervir, por qualquer forma, seja em representação de ambos os requerentes/intervenientes seja de um deles, em quaisquer procedimentos subsequentes à mediação em que tenha intervindo, quer se tenha obtido ou não, acordo.
Ora, como resulta do exposto, os diversos pareceres emitidos e conflituantes, foram-no ao abrigo do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei 15/2005 de 26 de Janeiro, que veio a ser substituído pelo Estatuto actualmente em vigor, aprovado pela Lei 145/2015 de 26 de Setembro, pelo que se impõe verificar se a questão deve ser novamente analisada.
O Estatuto actualmente em vigor veio alterar no seu artigo 82º, alargando (face ao artigo 77º do EOA anterior) o elenco dos cargos, funções e actividades que são incompatíveis com o exercício da advocacia, no entanto continua sem constar do mesmo o “mediador de conflitos”, pelo que não pode deixar de se entender que o legislador não quis incluir naquele elenco as funções ou actividade de “mediador de conflitos”, tanto mais que por certo conhecia a controvérsia existente e acima explanada sobre essa eventual incompatibilidade, reforçando a tese de que esta não existe, até porque não se vislumbra, em abstrato, qualquer limitação, pelo exercício conjunto das duas actividades, dos deveres de isenção, independência e dignidade do advogado.
Os pareceres supra citados do Conselho Geral (Pareceres 26-PP-2009CG e 36-PP-2011CG) sustentam ainda a conclusão que retiram da existência da referida incompatibilidade para “obstar a que a actividade de mediador possa colocar o advogado em condições mais vantajosas quanto à angariação de clientes sem relação aos seus pares no exercício da profissão de advogado, com quem poderia concorrer em condições desiguais”. Porém, se é jurisprudência uniforme na Ordem dos Advogados que o exercício dos cargos de Presidente de Junta de Freguesia (e pense-se nas juntas de freguesia de povoações fora dos grandes centros urbanos, onde aquele órgão autárquico tem enorme relevância aos diversos níveis), ou de presidente de associações comerciais ou industriais, de câmaras de comércio, ou de associações de bombeiros ou, ainda, de solidariedade social - para apenas citar alguns exemplos – não é incompatível com o exercício da advocacia, não se vislumbra nenhuma justificação para se afirmar que o exercício das funções de mediador de conflitos é incompatível por ser suscetível de gerar uma angariação de clientes em condições desiguais, quando é indiscutível que os cargos referidos (e poderíamos dar diversos outros exemplos) têm um grau de potenciação do risco dessa angariação ilícita infinitamente superior!
Concluímos assim que face à alteração do Estatuto da ordem dos Avogados trazida pela Lei 145/2015 de 26 de Setembro deverá ser emitido parecer sobre a questão colocada.
No entanto e porque no passado recente e sobre esta questão surgiram decisões divergentes dos vários Conselhos Regionais, o que se deverá evitar, e porque a questão colocada, atenta a sua generalidade e alcance, ultrapassa a área deste Conselho Regional, decide-se que seja reenviado este pedido de parecer ao Conselho Geral para que este formule o mesmo e dessa forma possa existir, no futuro, uma uniformização das decisões dos diversos Conselhos Regionais sobre esta concreta questão.
Dê-se conhecimento ao Exmº Sr. Advogado Estagiário requerente.
Coimbra, 25 de Maio de 2018
[1] Daniel Andrade, intervenção no Seminário “A Moderna Justiça Alternativa ou a Alternativa à Justiça Tradicional”, in página da OA
Manuel Leite da Silva
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