Parecer Nº 28/PP/2018-C
Processo de Parecer n.º 28/PP/2018-C
Por ofício datado de 20 de Junho de 2018 o Exmº. Senhor Procurador do Juízo de Competência Genérica de Seia da Procuradoria da República da Comarca da Guarda veio solicitar que este Conselho Regional se pronuncie sobre a possibilidade de o Exmº Sr. Dr. JA (…), advogado, manter o mandato que lhe foi conferido pelo arguido JS (..) no processo de inquérito nº (…), após, aquele Sr. Advogado, ter sido também constituído arguido naquele processo de inquérito.
Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados compete ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – pelo que atenta a questão colocada e que se resume a cuidar de saber se um advogado que foi constituído arguido num processo pode, nesse mesmo processo, patrocinar e defender um outro arguido, impõe-se emitir o solicitado parecer.
Importa desde já declarar que este Conselho Regional pronunciou-se recentissimamente, através do parecer emitido no processo nº 38/PP/2017, sobre questão idêntica pelo que naturalmente se seguirá, reproduzindo-se na sua maior parte, trechos do mesmo.
Sobre questão idêntica e em 2012 o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, no Processo nº 13/PP/2012-G respondeu extraindo as conclusões que aqui integralmente se transcrevem por elucidativas:
1) “O Instituto da defesa não é consagrado e/ou estabelecido apenas em favor do arguido, mas também para garantir o bom funcionamento da Justiça e a segurança no exercício daquele, que consubstancia um interesse de ordem pública.”;
2) “Não pode, pois, um advogado exercer em causa própria a sua defesa em processo-crime, por poderem vir a ser postos em causa aqueles desideratos”;
3) “Por maioria de razão, não poderá um advogado defender e/ou continuar a defender um arguido em processo-crime em que venha a ser constituído também arguido, não só por via da independência e isenção que um advogado tem de ter no exercício da sua profissão (cf. art. 76 do E.O.A.), mas também, e ainda pelos eventuais conflitos de interesse com o seu (ex)constituinte (cf. art. 94º, nºs 1 e 4 do E.O.A.);”
4) “Compete à Ordem dos Advogados verificar/declarar qualquer impedimento/incompatibilidade entre o exercício da advocacia e outa actividade ou situação, que se mostrem em conflito com a dignidade e independência no exercício daquela (Cfr. arts 78, nº 4 e 79º do E.O.A)”;
5) “Perante uma situação concreta, de um advogado defensor de um arguido passar, ele próprio, também a arguido nesse mesmo processo, não repugna aceitar que o Magistrado do Ministério Público e/ou o Magistrado Judicial, conforme for o caso, possam, no acto diligência em curso, fazer constar em Acta tal alegada incompatibilidade e nomearem defensor(es) ao(s) arguido(s)”;
6) “Se aquela(s) eventual(ais) incompatibilidades(s)/impedimento(s) se verificarem ab initio, é a Ordem dos Advogados a única competente para aquela declaração/verificação”;
7) “Se perante a situação referida em 5) destas conclusões, deverão os Magistrados comunicar à Ordem dos Advogados aquelas “constatação” e “nomeação” para o acto/diligência concreto em causa, a fim de aquela reconhecer/declarar, ou não, a suposta “incompatibilidade”, com as necessárias consequências, mormente no processo em causa.”;
O parecer aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados cujas conclusões acima se transcreveram e as referências legais ali efectuadas foram-no ao abrigo do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei 15/2005 de 26 de Janeiro), contudo mantêm-se plenamente actuais, porquanto o Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) em vigor, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro, reproduz, nos seus artigos 81º e 99º, a disciplina que se encontrava plasmada nos artigos 76º e 94º do anterior EOA e em que se fundamenta aquele parecer.
É por demais evidente que a situação em análise pode colocar em causa os princípios e valores que se pretendem salvaguardar com a fixação dos impedimentos que se encontram actualmente consagrados nos art. 81º nº 1 e 83º, nº 1 do EOA, bem como outros valores fundamentais da advocacia e, designadamente, os protegidos pelos artºs 88º e 89º do EOA.
“Os impedimentos resultam de circunstâncias concretas que devem levar os advogados a recusar mandato ou prestação de serviços em função de conflito de interesses ou de simples decoro, já que o exercício da profissão deve ser livre, independente e adequado à dignidade da função” (Fernando Sousa Magalhães, Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado, pág 121, 2016)
É manifesto que o estatuto processual de arguido é absolutamente impeditivo do exercício, pelo Advogado ali constituído arguido, de quaisquer funções de patrocínio nesse processo, quer porque o exercício do mandato nessas circunstâncias seria suscetível de limitar a liberdade, isenção e independência do Advogado, quer por simples e exigível decoro.
Esta é a única solução que assegura o respeito pelos princípios da independência e da dignidade da profissão que o EOA consagra e cuja estrita observância reclama.
Conclusão:
Não pode um advogado defender ou continuar a defender um arguido em processo-crime em que venha a ser ou tenha sido constituído também arguido, por colocar em risco os princípios da liberdade, isenção e independência que são imanentes à advocacia e ao mandato forense, bem como colocaria em causa a própria dignidade da profissão
É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Comunique-se ao processo supra referido.
À sessão do Conselho Regional
Coimbra, 13 de Julho de 2018
Manuel Leite da Silva
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