Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 32/PP/2018-C

Processo de Parecer n.º 32/PP/2018-C

 

Por comunicação entrada no Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados em 28 de Agosto de 2018 e dirigida ao seu Presidente, a Exmª Srª Drª MF..., advogada, com escritório em Viseu, veio requerer que este se pronuncie sobre três questões que ali coloca, centradas sobre a eventual existência de incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o exercício das funções de gerente, não remunerada, de sociedade anónima cujo objecto social é “o comércio, a grosso e a retalho, de bicicletas e respectivas peças e acessórios e equipamento e respetivos componentes, aluguer de bicicletas e equipamento desportivo e recreativo, promoção e organização de acontecimentos ou eventos desportivos, organização de feiras, congressos e eventos similares, ensino desportivo e fabricação de bicicletas e respectivas peças e acessórios”, mais esclarecendo que aquela sociedade “tem vindo a desenvolver atividade de intermediário de crédito a título acessório, em parceria com a Cofidis, apresentando os contratos de crédito a consumidores e assistindo-os mediante a realização de atos preparatórios ou de outros trabalhos de gestão pré contratual relativamente a contratos de crédito que não tenham sido por si apresentados ou propostos, o que é feito pelo seu trabalhador” e que, para cumprimento do preceituado no Regime Jurídico de Intermediação de Crédito (RJIC) instituído pelo Decreto-lei nº 81-C/2017 de 7 de Julho, a sociedade irá alterar o objecto social acrescentando “outras actividades de serviços financeiros”.

 

Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.

 

Para responder à questão terá que se verificar, num primeiro momento, se existe impedimento ou incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o exercício das funções de gerente de sociedade comercial e, caso este não se verifique, analisar se o objecto social da sociedade e indicado pela Exmª Srª Advogada requerente é, só por si, susceptível de provocar incompatibilidade.

 

A apreciação da questão concreta terá que ser efectuada à luz dos artigos 81º e seguintes do EOA, mas antecipamos desde já que, como tem sido tem sido jurisprudência da Ordem dos Advogados, não existe nem impedimento nem incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de gerente ou de administrador de sociedade comercial, com excepção dos casos em que o objecto da sociedade colida com incompatibilidades definidas no estatuto, como é clara e classicamente o caso do exercício simultâneo da advocacia e das funções de gerente ou administrador de sociedade imobiliária ou de leiloeira, porquanto o exercício da advocacia é incompatível com a actividade de mediador imobiliário e ou de leiloeiro de acordo com a alínea n) do nº 1 do artigo 82º do EOA.

 

De facto, como já antecipámos, no que concerne às actividades expressamente previstas no artigo 82º do EOA como incompatíveis com o exercício da advocacia, constata-se que daquele elenco não consta a de «gerente» ou «administrador» de sociedade comercial, pelo que necessário se torna verificar se a actividade prosseguida pela sociedade é ou não incompatível com o exercício de advocacia face às regras gerais constantes do artigo 81º do EOA e, especialmente, do seu nº 2 («o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possa afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão»).

Do exercício da actividade de gerente ou de administrador da sociedade comercial referida nos autos, não se vislumbra, em abstracto, qualquer limitação dos deveres de isenção, independência e dignidade na profissão de advogado, porquanto não se vê como o desempenho daquelas funções pela Exmª Srª Advogada ali indicada seja susceptível de gerar dúvidas quanto a um exercício transparente e idóneo da sua profissão de advogada.

 

Sendo de referir que, sem prejuízo da inexistência de incompatibilidade acima verificada, o advogado que exerça cumulativamente as funções de gerente ou de administrador de sociedade comercial, continua contudo vinculado ao rigoroso cumprimento de todos os deveres plasmados no EOA sob pena de incorrer em infracção disciplinar, ou seja, não pode o advogado e no caso a Exmª Srª Advogada requerente, servir-se da actividade que desenvolverá enquanto administradora da sociedade em causa, se para tanto for designada e eleita, para solicitar, directa ou indirectamente, clientela, sob pena de violar o dever a que está vinculada por força do artigo 90º, nº 2, alínea h), nem para divulgar, directa ou indirectamente, a sua actividade profissional enquanto Advogada, sob pena de violação dos deveres a que está vinculada em matéria de publicidade por força do disposto no artigo 94º EOA.

 

Ultrapassada a primeira questão importa agora verificar se existe ou não incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de gerente de sociedade comercial cujo objecto é “o comércio, a grosso e a retalho, de bicicletas e respectivas peças e acessórios e equipamento e respetivos componentes, aluguer de bicicletas e equipamento desportivo e recreativo, promoção e organização de acontecimentos ou eventos desportivos, organização de feiras, congressos e eventos similares, ensino desportivo e fabricação de bicicletas e respectivas peças e acessórios” e ao qual se irá aditar, em complemento, “outras actividades de serviços financeiros”.

Como também já supra adiantamos é incompatível, por força da alínea n) do nº 1 do artigo 82º do EOA, o do exercício simultâneo da advocacia e das funções de gerente ou administrador de sociedade imobiliária ou de leiloeira, porquanto o exercício da advocacia é incompatível com a actividade de mediador imobiliário e de leiloeiro, mas o objecto social em causa não configura mediação imobiliária e como tal não se verifica a aludida incompatibilidade.

Acresce que a sociedade em causa não se encontra inscrita junto do Instituto da Construção e do Imobiliário e, como tal e por força da Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro não pode exercer a actividade de mediadora imobiliária.       

 

Pelo que concluímos que não existe incompatibilidade ou impedimento entre o exercício, em simultâneo, da advocacia e das funções de administradora de sociedade anónima cujo objecto social é “investimentos urbanos através da aquisição, venda, construção, locação, aluguer, venda de imóveis e representações de materiais de construção” porque este não configura mediação imobiliária.

 

É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.

 

Coimbra, 07 de Dezembro de 2018

 

Manuel Leite da Silva

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