Parecer Nº 34/PP/2018-C
Processo de Parecer n.º 34/PP/2018-C
Veio o Exmº Sr. Juiz de Direito do Juiz 2 do Juízo de Trabalho de V… do Tribunal Judicial da comarca de V… solicitar que este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados se pronuncie sobre a existência de compatibilidade entre o exercício da advocacia e o exercício de funções de trabalhador dependente numa sociedade comercial, com a categoria de diretor financeiro.
Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro, (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de caráter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem dos Advogados (doravante OA) – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.
Para responder à questão terá que se verificar se existe impedimento ou incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o exercício de funções de trabalhador dependente numa sociedade comercial com a categoria de diretor financeiro.
A apreciação da questão concreta terá que ser efetuada à luz dos artigos 81º e seguintes do EOA, mas antecipamos desde já que não existe nem impedimento nem incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de diretor financeiro, em regime de contrato de trabalho subordinado, de uma sociedade comercial.
No que concerne às atividades expressamente previstas no artigo 82º do EOA como incompatíveis com o exercício da advocacia, constata-se que daquele elenco exemplificativo não consta a de trabalhador subordinado de entidade privada, com a exceção dos que desempenharem funções de revisor oficial de contas, técnico oficial de contas (atualmente denominado de contabilista certificado), mediador mobiliário ou imobiliário.
Passado este crivo, de caráter objetivo, importa agora verificar se aquela atividade de trabalhador subordinado de sociedade comercial com funções de diretor financeiro é ou não incompatível com o exercício de advocacia face às regras gerais constantes do artigo 81º do EOA e, especialmente, do seu nº 2 («o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão»).
Ou seja, tem que se determinar se a acumulação daquelas duas funções (advogado e diretor financeiro de sociedade comercial em regime de trabalho dependente) é passível de ofender ou não os princípios da independência, autonomia técnica, dignidade e isenção no exercício da profissão e, ainda, se permite o respeito das regras deontológicas a que o exercício da advocacia está necessariamente vinculado.
Esta avaliação tem sido efetuada casuisticamente pela jurisprudência da OA, sendo que já se defendeu que a acumulação de uma atividade, em regime de trabalho subordinado, tem um potencial de ofender a dignidade do exercício da profissão de advogado, não se coadunando com o exercício desta e que poderia ainda colocar em risco a observância dos princípios da independência e da preservação do segredo profissional.
Porém, na situação em análise, as funções desempenhadas em regime de trabalho subordinado (diretor financeiro) são muito diferentes das que decorrem do exercício da advocacia, como que criando, na mesma pessoa física, uma compartimentação muito acentuada entre aquelas duas atividades, o que só por si permite dissipar esses receios.
Assim do exercício da atividade de diretor financeiro, em regime de trabalho subordinado, referida nos autos, não se vislumbra, em abstrato, qualquer limitação dos deveres de isenção, independência e dignidade na profissão de advogado, porquanto não se vê como o desempenho daquelas funções pelo Sr. Advogado ali indicado seja suscetível de gerar dúvidas quanto a um exercício transparente e idóneo da sua profissão de advogado.
Sendo de referir que, sem prejuízo da inexistência de incompatibilidade acima verificada, o advogado que exerça cumulativamente as funções de diretor financeiro, em regime de trabalho subordinado, de uma sociedade comercial, continua contudo vinculado ao rigoroso cumprimento de todos os deveres plasmados no EOA sob pena de incorrer em infração disciplinar, ou seja, o Sr. Advogado em causa terá sempre que prevenir situações de violação do dever de segredo profissional, conflito de interesses e angariação ilícita de clientela, por si ou por interposta pessoa, salvaguardando a isenção, a independência e a dignidade da profissão.,
Já no que respeita a impedimentos, na configuração dada pelo artigo 83º do EOA, estes resultam de circunstâncias concretas que põem em causa “(...) a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão”.
Os impedimentos “(…) resultam de circunstâncias concretas que devem levar os advogados a recusar o mandato, ou prestação de serviços, em função de conflito de interesses ou decoro, já que o exercício da profissão deve ser livre, independente e adequado à dignidade da função” (“Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado”, pág. 109, do Dr. Fernando Sousa Magalhães).
Como tal, a existência de impedimento tem que ser aferida casuisticamente e o Sr. Advogado em causa, antes de aceitar um mandato ou prestação de serviços, terá que se certificar que daí não resulta uma situação de impedimento declarado ou potencial.
Em conclusão:
Não existe incompatibilidade ou impedimento entre o exercício, em simultâneo, da advocacia e das funções de diretor financeiro de sociedade comercial, exercidas em regime de trabalho subordinado.
É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Coimbra, 25 de Janeiro de 2019
Manuel Leite da Silva
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