Parecer Nº 21/PP/2018-C
Processo de Parecer n.º 21/PP/2018
Por correio eletrónico enviado para a Exª Srª Presidente do Conselho de Deontologia de Coimbra da Ordem dos Advogados, veio a Exmª Srª Drª AM…, apresentar um pedido de parecer que qualificou como relativo a “questões deontológicas profissionais”, elaborando duas questões:
”1ª - Considera-se deontológico colocar um anúncio de um escritório de Advogados num jornal da cidade?”
“2ª – Num site de Advogados é permitido haver uma parte de consultas online não gratuita?”
Por entender que a ser de emitir o solicitado parecer a competência para tanto seria do Conselho Regional de Coimbra, a Exmª Srª Presidente do Conselho de Deontologia remeteu aquele pedido para este Conselho Regional.
Face ao disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei 145/2015 de 9 de Setembro (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial própria, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional, cumpre emitir o solicitado parecer respondendo às duas questões colocadas.
A Srª Advogada requerente questiona, em primeiro lugar, da licitude de “colocar um anúncio de um escritório de Advogados num jornal da cidade”.
A discussão no seio da Advocacia e nas estruturas orgânicas da Ordem dos Advogados – bastará atentar nas diversas (e amiúde contraditórias) conclusões que vão sucessivamente sendo aprovadas nos Congressos da Ordem dos Advogados sobre esta temática – sobre os limites da publicidade lícita vêm de há longos anos, sem que tenha sido possível atingir um consenso, quiçá, porque por um lado a voragem da dinâmica social, com novas e múltiplas formas de divulgação, comunicação e publicidade, tornam cada vez mais difícil a obtenção de consensos sobre esta (e outras!) questão, conjugada com uma forte crise na Advocacia portuguesa, em parte decorrente do aumento exponencial do número de advogados sem que tenha existido, proporcionalmente, um aumento da procura dos seus serviços, aliada a um exercício da profissão em pluriformas, em contraponto com a forma unitária de exercício tradicional da advocacia, largamente maioritária até aos finais do século passado.
Fazendo uma rápida e superficial visitação história, o Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84 de 16 de Março era bastante restritivo no tocante à possibilidade de o advogado publicitar a sua actividade, sendo demonstrativa a transcrição do nº 1 do artigo 80º daquele Estatuto, que sob a epígrafe “Da publicidade” preceituava que: “É vedada ao advogado toda a espécie de reclamo por circulares, anúncios, meios de comunicação social ou qualquer outra forma, directa ou indirecta, de publicidade profissional, designadamente divulgando o nome dos seus clientes”.
Tal preceito foi, ao longo da sua vigência, interpretado e reinterpretado pelo Conselho Geral e pelos então Conselhos Distritais, em múltiplos pareceres, que unanimemente concordando com a desadequação de uma interpretação literal do conteúdo daquele artigo 80º face às alterações ocorridas durante a vigência daquele Estatuto (quer no que concerne à evolução das condições do exercício da profissão, quer quanto à alteração nos meios de comunicação com a explosão da revolução digital) foram “suavizando” uma interpretação literal do mesmo.
Mas, pese embora a forma restritiva constante daquele preceito, o seu nº 4 qualificava com não publicitários os actos quem contivessem a simples comunicação de que o advogado existia profissionalmente: cartões de visita, papel de carta timbrado, inserção de meros anúncios ou a utilização de tabuletas no exterior.
De facto e tendo em conta a concreta questão a que se pretende responder, é assim útil transcrever o aludido nº 4 do citado artigo 80º do Estatuto de 1984:
“Não constitui também publicidade o uso de tabuletas afixadas no exterior dos escritórios, a inserção de meros anúncios nos jornais e a utilização de cartões-de-visita ou papel de carta, desde que com simples menção do nome do advogado, endereço do escritório e horas de expediente”.
Ou seja, o artigo 80º proibia a publicidade, no sentido de que esta é uma forma de promoção comercial de um serviço, visando manter o exercício da advocacia puro de influências mercantilistas, mas admitia as formas de divulgação não comerciais, no sentido de que estas visam apenas transmitir a informação da existência do advogado e, como tal e no que se refere a anúncios em jornais, permitia-os desde que tivessem exclusivamente tal caracter de “anúncio informativo” pelo que apenas poderiam conter a menção ao nome do advogado (ou da sociedade de advogados), o endereço do escritório e horas de expediente.
O Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26 de Janeiro, veio regular a publicidade no seu artigo 89º (e que é o artigo mais extenso, ou pelo menos um dos mais extensos, daquele Estatuto) e, utilizando as palavras do Dr. António Arnaut[1] quando a ele se refere: “o legislador (leia-se, a Ordem dos Advogados) operou uma verdadeira transfiguração do regime vigente em matéria de publicidade. A parcimónia tradicional, que o velho Estatuto Judiciário acolhera, foi agora subvertida por uma concepção mercantilista da advocacia (…)”.
Independentemente da discussão sobre a necessidade de impedir que a profissão seja conspurcada por uma qualquer vertente mercantilista ou comercial da profissão, é evidente a liberalização do regime legal da publicidade dos advogados, mas mantendo-se contudo (e bem, a nosso ver) inalterada a necessária e indispensável barreira entre a publicidade informativa, pessoal e profissional e a publicidade comercial ou propagandística, comparativa e tendencialmente enganosa, visando, pela sua essência e definição, a promoção, com vista à comercialização e à potencialização desta, de quaisquer serviços.
E nesse ponto o problema é essencialmente de conteúdo, razão pela qual o nº 4 do artigo 89º daquele Estatuto, que define os actos ilícitos de publicidade, estabelece um elenco não taxativo, porque a qualificação de um acto como ilícito de publicidade dependerá sempre da sua conformidade com os valores que se pretendem salvaguardar e, como tal, o advogado só pode divulgar informação objetiva, verdadeira, digna, não comparativa e que respeite os seus deveres deontológicos.
No entanto, mantêm-se as dificuldades já sentidas no âmbito do Estatuto anterior quanto à sua densificação através da jurisprudência interna da OA sobre os limites da publicidade e, consequentemente, da interpretação do artigo 89º daquele Estatuto.[2]
O actual Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro manteve, no seu artigo 94º, com pequeníssimas alterações, a redação do artigo 89º do Estatuto anterior, pelo que se mantém actual tudo quanto se referiu relativamente ao Estatuto anterior.
Assim, é lícita a publicitação do advogado ou da sociedade de advogados num jornal, desde que o seu teor seja meramente informativo, como seja a menção ao nome do advogado (ou da sociedade de advogados), o endereço do escritório, horas de expediente, a indicação de áreas ou matérias jurídicas de exercício profissional e a indicação do respectivo sitio na internet.
Em segundo lugar a Srª Advogada requerente questiona sobre a licitude de “num site de Advogados é permitido haver uma parte de consultas online não gratuita”.
Desde já se siga que não, ou seja, é ilícita, por violação do disposto nos artigos 94º e 90º, nº 2, alínea h) do EOA.
Refira-se que em 2008 o então Conselho Distrital de Évora em face de um pedido de parecer sobre matéria relacionada com um website de um Advogado, defendeu a necessidade de uniformização da jurisprudência da Ordem dos Advogados e, em consequência, remeteu o pedido de parecer para o Conselho Geral para que que este se pronunciasse sobre a matéria, o qual, na sequência de tal envio, aprovou o seu parecer nº 37/PP/2008-G, no qual fez uso da faculdade então prevista na alínea i) do nº 1 do artigo 45º do Estatuto (e que actualmente corresponde à alínea f) do nº 1 do artigo 46º do EOA), “formulando recomendação de modo a procurar uniformizar, quanto possível a actuação dos diversos conselhos distritais”.
Por essa razão e uma vez que se mantém válida a decisão ali proferida, porquanto o actual EOA manteve, quase inalterados, os artigos do anterior Estatuto sobre os quais se fundamentou o parecer proferido, este Conselho Regional seguirá aquele parecer, que poderá ser consultado na íntegra.
Assim, com interesse para a questão aqui colocada, decidiu-se no referido parecer do Conselho Geral, que:
“Os advogados não se podem prestar a consultas on-line, gratuitas ou não porque tal prática caracteriza mercantilização, captação e desrespeito ao princípio do sigilo profissional”.
Conclusões:
1ª – É lícita a publicitação de advogado ou de sociedade de advogados num jornal, desde que o seu teor seja meramente informativo, como seja a mera menção ao nome do advogado (ou à sociedade de advogados), o endereço do escritório, horas de expediente, a indicação de áreas ou matérias jurídicas de exercício profissional e a indicação do respectivo sitio na internet.
2ª - Os advogados não se podem prestar a consultas on-line, gratuitas ou não porque tal prática caracteriza mercantilização, captação e desrespeito ao princípio do sigilo profissional.
É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Aveiro, 8 de Fevereiro de 2019
[1] “Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado”, Coimbra Editora, 9ª Ed, pág 106
[2] Relativamente à questão que se responde, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados no seu parecer nº 41/PP/2012 G de 16 de Janeiro de 2013 mas em cuja fundamentação, até pela sua manifesta escassez não nos podemos rever, relativamente à publicitação da actividade do advogado, faz uma interpretação do artigo 89º do EOA mais restritiva do que a que já resultava do artigo 80º do Estatuto de 1984, ao entender que “a publicitação do exercício da advocacia apenas poderá ser feita em termos expressamente autorizados pelas alíneas e) do nº 3 do art. 89º do EOA, através de anuários profissionais, nacionais ou estrangeiros, pois estes resumem-se à publicitação exclusiva da actividade de advocacia, não se confundindo o seu exercício com o de qualquer outra actividade comercial, mantendo, desse modo, a dignidade da profissão”
Manuel Leite da Silva
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