Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 01/PP/2019-C

Processo de Parecer n.º 01/PP/2019-C

 

Foi recebido no dia 11 de Janeiro de 2019, por correio electrónico dirigido ao Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, o seguinte pedido formulado pela Exmª. Senhora Drª. IM…: “(...) se digne esclarecer se a relação laboral entre o advogado e o empregado forense tem que ser obrigatoriamente de Contrato Individual de trabalho, ou se é possível realizar um contrato de avença, mediante emissão de «recibos verdes»” e, ainda, “se é obrigatória a emissão do aludido cartão, se eventualmente o serviço for apenas prestado no escritório do advogado, sem deslocação e necessidade de realização de diligências em nome deste, sendo no entanto remetida correspondência eletrónica redigida e assinada pelo empregado em nome do advogado”.

 

O Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei 145/2015 de 9 de Setembro (doravante EOA) atribui competência aos conselhos regionais, no âmbito da sua competência territorial, para a pronúncia “sobre questões de caracter profissional”.

 

Os pareceres emitidos pelo Conselho Regional de Coimbra (doravante CRC), designadamente os emitidos no âmbito daquela alínea f) do nº 1 do artigo 54º do EOA devem versar sobre questões claramente colocadas, que sejam de caracter profissional, sendo que, como é entendimento pacifico e muito consolidado na jurisprudência da Ordem dos Advogados, tais questões são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem.

 

Do pedido de esclarecimento formulado pela Exmª Srª Advogada quanto à forma da relação jurídica entre um Advogado e um seu funcionário ou um prestador de serviços (depreendendo-se que quando se refere a “um contrato de avença, mediante emissão de «recibos verdes»” pretenderia referir-se a contrato de prestação de serviços, em regime de avença com pessoa singular), não se vislumbra que a mesma seja enquadrável naquele conceito, como questão de caracter profissional, nos termos da citada alínea f) do nº 1 do art. 54º do EOA, pois não cabe a este Conselho Regional esclarecer ou pronunciar-se sobre a forma dos contratos celebrados entre Senhores Advogados e os seus funcionários (vinculados mediante contrato de trabalho) ou como prestadores de serviços.

 

Pelo que este Conselho Regional de Coimbra não tem legitimidade para fazer a solicitada apreciação sobre a forma – e por maioria de razão, sobre o conteúdo - do vínculo estabelecido ou a estabelecer entre um Senhor Advogado e um seu trabalhador ou entre aquele e um, prestador de serviços, pelo que não se poderá responder à primeira questão colocada pela Srª Advogada requerente.

 

Como se expôs, a Sr.ª Advogada requerente veio também questionar a obrigatoriedade de emissão de cartão (presumimos que se trata do cartão de empregado forense) no caso de o serviço ser apenas prestado no escritório mas com a eventual remessa ou expedição de correspondência assinada pelo empregado.

 

Porque, como se referiu, competindo a este Conselho Regional, atenta a sua competência territorial, pronunciar-se sobre “as questões de caráter profissional”, como dispõe a alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e derivando a mesma do Regulamento de Identificação dos Empregados Forenses dos Advogados, deve ser emitido o solicitado parecer respondendo à concreta questão colocada.

 

A resposta à concreta questão colocada pela Srª Advogada requerente terá que ser analisada à luz do Regulamento nº 2/96, aprovado por deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 1 de Março de 1996 e publicado no Diário da República nº 67, II Série, de 19 de Março de 1996, que instituiu o Regulamento de Identificação dos Empregados Forenses dos Advogados (doravante RIEFA).

 

Aquele regulamento, no seu primeiro artigo, delimita a sua abrangência, dispondo que “os advogados e sociedades de advogados que tenham ao seu serviço empregados que exerçam funções junto das secretarias judiciais e que sejam incumbidos de promover diligências de citação e notificação, nos termos do disposto no art. 246º, nº 2, do Código do Processo Civil, para além das demais incumbências que lhes devem ser atribuídas, deverão providenciar para que tais empregados sejam cultural e deontologicamente qualificados e aptos para o exercício de tais funções”, acrescentando o artigo 2º que “a credenciação de tais empregados é feita mediante titulação de cartão de identificação, a emitir nos termos do presente Regulamento, que aprova o modelo de identificação dos empregados forenses de advogados”. 

 

Tal exigência encontra eco na lei processual, porquanto o nº 4 do artigo 157º do Código de Processo Civil aprovado pela lei 41/2013 de 26 de Junho (doravante CPC) determina que “as pessoas que prestem serviços forenses junto das secretarias, no interesse e por conta dos mandatários judiciais, devem ser identificadas por cartão de modelo emitido pela respetiva associação publica profissional, com expressa identificação do advogado ou solicitador, número de cédula profissional, bem como, se for o caso, da respetiva sociedade, devendo a assinatura daquele ser reconhecida pela associação pública profissional correspondente”.

 

Sendo que, por sua vez, o nº 2 do artigo 237º do CPC prevê, no caso de citação promovida por mandatário judicial, que esta pode ser feita por “pessoa identificada nos termos do nº 4 do artigo 157º”, o que significa que o mandatário judicial pode promover a citação por intermédio de empregado forense, desde que que este tenha a sua identificação certificada através de cartão emitido pela ordem dos Advogados, emissão essa a efetuar-se nos termos do aludido RIEFA. Apenas por precisão, deve referir-se que há manifesto lapso de escrita no artigo 2º do RIEFA quando refere o “art. 246º, nº 2”, pois pretender-se-ia escrever “o art. 245º, nº 2” e, com a revogação do Código de Processo Civil de 1961, deverá ser efetuada a remissão para o citado art. 237º, nº 2, do CPC em vigor que, reproduz, com mera actualização das remissões, o anterior art. 245º do CPC.

 

Ora, da conjugação daqueles dois preceitos do RIEFA resulta que o legislador não pretendeu que a exigência de credenciação dos empregados forenses de Advogado fosse universal, mas tão só obrigatória para aqueles que “exercem funções junto das secretarias judiciais e que sejam incumbidos de promover diligências de citação e notificação”, estas, como referimos, nos termos do atual artigo 237º, nº 2 do CPC, pelo que, caso o empregado forense não exerça funções junto das secretarias judiciais e não seja incumbido de promover diligências de citação – como será o caso do empregado forense da Srª Advogada requerente, que apenas exerce as suas funções exclusivamente no escritório daquela – não é obrigatória a sua credenciação. 

    

Refira-se que, por contraponto, tal não foi a opção tomada pela Ordem dos Solicitadores que que já no anterior Estatuto (ainda da Câmara dos Solicitadores) previa no seu artigo 109º, alínea f) uma imposição de caracter geral de os solicitadores manterem os seus empregados registados na Câmara dos Solicitadores e que se manteve no atual Estatuto da Ordem dos Solicitadores, que na alínea k) do nº 2 do art. 124º sob a epigrafe de “Deveres para com a comunidade”, impõe a obrigação de manterem o registo dos seus empregados forenses e que o Regulamento dos Empregados de Solicitadores e Agentes de Execução, no seu nº 1, dispõe que “todo o empregado de solicitador que tenha acesso aos seu arquivos ou processo em movimento, tem que estar registado (…)”.

 

Opção de idêntico teor seria mais consentânea com as regras estritas em termos de rigor, independência, incompatibilidades, impedimentos e segredo profissional do advogado, que no entanto não foi a adoptada pela O.A..

Por fim, se é certo que poderão existir empregados forenses que não necessitarão de credenciação e, consequentemente, não lhes será aplicável o  RIEFA e, como tal, não terão, nos termos daquele regulamento,  de outorgar compromisso de honra de que desempenharão as suas funções com fidelidade, rigor e zelo e que respeitarão a obrigação de sigilo profissional relativa a todos os factos de natureza reservada ou confidencial de que tenham conhecimento no exercício das suas funções, no entanto todos os empregados forenses têm que outorgar declaração escrita relativa ao dever de guardarem sigilo quanto aos factos sujeitos a segredo e cujo conhecimento lhes advenha do exercício das suas funções, devendo o advogado exigir o cumprimento dessa obrigação, em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar do advogado a violação desse dever, por força do nº 8 do artigo 92º do EOA.

 

Em conclusão:

I – A pronuncia sobre o tipo de vinculo ou sobre a forma da relação jurídica estabelecida entre um Advogado e um seu funcionário ou um prestador de serviços, não é enquadrável no conceito de questão de caracter profissional para que remete a alínea f) do nº 1 do art. 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados, porquanto tais questões são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem.

 

II – A credenciação dos empregados forenses de Advogado só é obrigatória para os que “exercem funções junto das secretarias judiciais e que sejam incumbidos de promover diligências de citação e notificação” nos termos do atual artigo 237º, nº 2 do Código de Processo Civil, pelo que, caso o empregado forense não exerça funções junto das secretarias judiciais e não seja incumbido de promover diligências de citação não é obrigatória a sua credenciação nos termos do Regulamento nº 2/96, aprovado por deliberação do Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 1 de Março de 1996 e publicado no Diário da República nº 67, II Série, de 19 de Março de 1996, que instituiu o Regulamento de Identificação dos Empregados Forenses dos Advogados. 

 

Á sessão,

 

Aveiro, 8 de Fevereiro de 2019

 

Manuel Leite da Silva

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