Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 06/PP/2019-C

PROCESSO DE PARECER Nº 6/PP/2019-C

 

            A 21 de Fevereiro de 2019 foi registada neste Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados comunicação dimanada da Comarca de V..., concretamente do Processo …/17.4T8… que cursa pelo Juízo Central Cível da Comarca de V.... O sobredito ofício capeia diverso expediente e solicita que se emita parecer sobre a questão de saber se determinado documento junto aos autos – uma carta dirigida ao Sr. Dr. JT..., se mostra ou não abrangida pelo segredo profissional. Encontra-se junta a fls. 68 do presente processo de parecer uma carta, datada de 11 de Março de 2016, dirigida ao referido Sr. Dr. JT... (Ilustre Advogado, mandatário dos Autores nos preditos autos) e, ao que parece – a mesma não se encontra assinada e não se mostra inscrita em papel timbrado mas no talão de registo junto a fls. 69, no local destinado ao remetente aparece carimbo do Sr. Dr. JM..., Ilustre Advogado, mandatário dos Réus nos mesmos autos.

            Inter alia, na aludida missiva referenciam-se diligências que o destinatário ficou de realizar para a obtenção do título de transmissão de determinado bem; que o mesmo ficou de diligenciar no sentido de um topógrafo fazer determinado levantamento conexo à referida actividade; reuniões na Câmara Municipal de V... tendo em vista a superação da questão de que tratavam; das reacções experimentadas após tal reunião e do pensamento do subscritor sobre as reais intenções do destinatário e das “desculpas” que este, alegadamente, apresentou para fugir ao que havia sido combinado”. Em remate, notifica-se o destinatário, na qualidade de representante dos constituintes, da hora e local de uma escritura, advertindo-se da necessidade de, previamente, conciliar as áreas constantes da Conservatória e da matriz.

            Além do referido documento, junto aos autos com a Contestação dos RR subscrita pelo Sr. Dr. JM... – para que é solicitada a nossa opinião se a revelação do mesmo contende com a obrigação de guardar segredo – estão juntos os articulados e documentos com aqueles juntos, bem como acta da audiência prévia.

 

           

Apreciando:

 

Desde logo, importará assinalar que este Conselho Regional tem competência para a emissão do presente parecer, quer por se tratar de situação atinente à respectiva área de competência territorial (artigo 54º, 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados), quer porque consubstancia questão de carácter profissional relativamente à qual, nos termos do disposto na al. f) do sobredito inciso, lhe cabe pronunciar-se.

Por outra banda, a questão colocada colide, indubitavelmente, com matéria conexa ao dever de segredo profissional.

Ora, conforme resulta do n.º 1, do artigo 92º, do E.O.A., o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções, mesmo após o término da relação de mandato.

Saliente-se, por outro lado, que o regime da desvinculação do dever de manter segredo – pela exaustiva e minuciosa regulamentação de que é alvo no EOA e no respectivo regulamento – inculca justamente o quão exigente é a respectiva concessão. Ora, tal condicionalismo prende-se, exactamente, à matricial importância que o sigilo profissional adquire e representa quer para a relação de confiança entre mandante e mandatário, quer, ainda e sobremaneira, pelo interesse público que lhe está subjacente, absolutamente indissociável do exercício da advocacia.

No entanto, in casu, emerge como indispensável para o sentido do parecer a emitir a indagação se a materialidade em causa está, ou não, a coberto do dever de segredo.

Ora, para a emissão de tal juízo mostra-se essencial considerar o teor do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Aí se estatui, na parte que para aqui interessa, que:

“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

(…)

d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;

e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.

(…)

3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.

 

Da leitura dos segmentos da norma que se transcrevem parece resultar que a obrigação de guardar segredo tem uma vocação hegemónica; isto é, tudo quanto um advogado sabe no exercício funcional está submetido ao dever de sigilo, só podendo efectuar revelações de forma extremamente limitada e nos casos rigorosamente previstos no texto legal.

Evidentemente que a referida asserção não reflecte a essência do dever de guardar segredo:

- dizendo de forma propositadamente enxuta, tal dever só existe desde que lhe subjazam obrigações de reserva e de ocultação conexas ao facto de se ter escutado uma confidência que só ocorreu em virtude da confiança na advocacia.  

A não ser assim, o exercício da função de um advogado seria um inferno burocrático gerador de um caos permanente para os presidentes dos Conselhos Regionais da Ordem. Na verdade, cada vez que um advogado escutasse a versão de um qualquer Constituinte para instruir um qualquer pedido junto de uma instância formal estaria manietado na sua acção enquanto não fosse desvinculado do dever de segredo…

Como ressuma perspicuamente de uma qualquer actividade hermenêutica atenta aos valores e interesses que justificam a figura, não é criar obstáculos a um normal exercício profissional aquilo que se erige como teleologia imanente ao segredo profissional dos advogados. Com efeito, tal dever radica no princípio da confiança e no dever de lealdade do advogado para com o constituinte e respeita à dignidade da advocacia e ao manifesto interesse público que a legitima.

Vale por dizer, pois, que a norma do nº 1 do artigo 92º do EOA tem, necessariamente, de ser alvo de uma interpretação restritiva; isto é, só quando estiver em causa uma confidência que traga inerente um desejo de reserva é que o advogado está, em princípio, sujeito ao dever de segredo.

É esse desejo de reserva – expresso ou implícito – que subjaz identicamente à protecção das negociações travadas – malogradas ou não – que visem colocar fim a um determinado litígio. Com efeito, só essa confiança na lealdade dos interlocutores é que permitirá a aberta troca de propostas e o diálogo descomprometido passível de culminar na formação de consensos. Com efeito, a não existir essa confiança no carácter sigiloso das negociações, ninguém ousaria procurar uma plataforma de entendimento, com o receio de ficar definitivamente vinculado à mesma, mesmo que se alterassem as circunstâncias.

Adiantando conclusões, dir-se-á, desde já que atento o teor que se examinou se trata de correspondência está sujeita a sigilo. Na verdade, reporta factos comunicados pela parte contrária do cliente – designadamente pelo respectivo mandatário – bem como revela factos conhecidos em negociações malogradas em que o subscritor confessadamente interveio e foi interlocutor.

É facto, no entanto, que a parte final da missiva apenas adverte da data de eventual realização de uma escritura e do local onde a mesma ocorreria, bem como alude às questões burocráticas que importava ultrapassar para a respectiva realização, pelo que nestes segmentos seria passível de revelação, dado não conter matéria sujeita a sigilo.

Por outra banda, dir-se-á que qualquer indagação da possibilidade de existência de dispensa – que só poderia emergir a pedido do Sr. Dr. JM..., Ilustre Advogado onerado com o dever de guardar segredo – está posta de parte, dado que a mesma teria de ocorrer em momento anterior à junção.

Para rematar, em jeito de conclusão, sumaria-se:

a)     Os advogados apenas estão obrigados a guardar segredo do que lhes é revelado a título de confidência por se acreditar no dever de reserva e de lealdade que a função da advocacia reclama.

b)     A correspondência dimanada de um advogado, dirigida a um Colega que patrocine interesses conflituantes com aqueles perseguidos pelo Constituinte do remetente, na medida em que revele factos atinentes a negociações – em curso ou malograda – bem como factos narrados pela parte contrária, está sujeita ao dever de segredo.

c)     Assim, sou de parecer que a junção da correspondência aqui em causa viola o dever de sigilo. 

 

Coimbra, 28 de Fevereiro de 2019

 

À sessão

 

Jacob Simões

Presidente do CRCOA

 


 

PROCESSO DE PARECER Nº 6/PP/2019-C

 

            A 21 de Fevereiro de 2019 foi registada neste Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados comunicação dimanada da Comarca de V..., concretamente do Processo …/17.4T8… que cursa pelo Juízo Central Cível da Comarca de V.... O sobredito ofício capeia diverso expediente e solicita que se emita parecer sobre a questão de saber se determinado documento junto aos autos – uma carta dirigida ao Sr. Dr. JT..., se mostra ou não abrangida pelo segredo profissional.

 

            Analisada a questão, foi aprovado parecer onde se concluiu:

a)     Os advogados apenas estão obrigados a guardar segredo do que lhes é revelado a título de confidência por se acreditar no dever de reserva e de lealdade que a função da advocacia reclama.

b)     A correspondência dimanada de um advogado, dirigida a um Colega que patrocine interesses conflituantes com aqueles perseguidos pelo Constituinte do remetente, na medida em que revele factos atinentes a negociações – em curso ou malograda – bem como factos narrados pela parte contrária, está sujeita ao dever de segredo.

c)     Assim, sou de parecer que a junção da correspondência aqui em causa viola o dever de sigilo. 

 

Ora, no exacto dia em que tal parecer foi enviado ao Tribunal que o havia solicitado foi registada a entrada neste Conselho de ofício dimanado do sobredito processo em que o Ilustre Colega que promoveu a junção examinada propugna pela bondade da actuação que protagonizou.

Tal posição, todavia e apesar de respeitável, não abala os fundamentos do anteriormente manifestado, pelo que se mantém, na íntegra, o teor do parecer aprovado a 1 de Março.

 

Notifique.

 

Coimbra, 15 de Março de 2019

 

Jacob Simões

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