Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 07/PP/2019-C

PROCESSO DE PARECER Nº 7/PP/2019-C

 

            A 20 de Fevereiro de 2019 foi registada neste Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados comunicação dimanada da Comarca da G..., concretamente do Processo n.º …/18.0T9… que cursa pelo Juízo Local de Competência Genérica de CB.... O sobredito ofício ostenta a menção “urgente” a maiúsculas e negrito e chama a atenção de que a audiência está marcada para 28 de Fevereiro, pelas 9.30, bem como capeia diverso expediente atinente aos referidos autos de processo comum singular. No Douto despacho exarado a 18 de Fevereiro consta que o ofendido, Sr. Dr. VF…, não pediu dispensa de sigilo profissional.

            Tal expediente foi autuado como processo de dispensa sigilo profissional, sendo-lhe atribuído o número 10/SP/2019-C.

            Ora, afigura-se que não se está na presença exactamente de um pedido de dispensa de sigilo, nem de um incidente de quebra de sigilo, mas sim de um pedido de parecer.

            Assim, deve o presente processo ser descarregado na forma em que está instruído e distribuído como parecer – o qual, todavia, é da competência do Conselho Regional; contudo, atenta a marcação da audiência da audiência e o facto de o Conselho ter agendada para reunir apenas a data de 1 de Março, despacharei de imediato, nos termos da al. o), do n.º 1 do artigo 55º do EOA.

 

Apreciando:

 

De fls. 4 a 6 dos presentes autos consta participação criminal feita pelo Sr. Dr. VF..., Advogado com a Cédula Profissional 3285C e escritório em CB.... Aí, em síntese, o participante narra que foi nomeado patrono à Sra. D. MA.., a 1 de Fevereiro de 2018. A 26 de Fevereiro desse ano de 2018 a predita Senhora enviou-lhe carta a informar que a demora em reunir levou a que “prescindissem” dos respectivos serviços e solicitassem a nomeação de novo advogado. Contudo, a 8 de Março desse ano, foi-lhe dado conhecimento, pela Delegação da G... da Ordem dos Advogados, de que do endereço electrónico do Sr. JC... – filho da beneficiária – tinha sido remetido àquela Delegação comunicação onde se dizia que o queixoso frustrou diversas tentativas de reunião, adiando ou não comparecendo e que “por norma encontra-se em estado de embriagues”; “Falta de responsabilidade e confiança, no desempenho das funções que lhe são atribuídas, designadamente pelos motivos anteriores”.

Pelo Ministério Público veio a ser proferida acusação contra o referido JC..., reproduzindo a factualidade supra narrada e imputando ao acusado um crime de difamação agravada.

Encontram-se juntos ao presente processo a queixa, a carta enviada pela Senhora MA… ao Exmo. Colega participante, mail enviado do endereço electrónico do Sr. JC... para a Delegação, oficio desta para o Sr. Dr. VF…, acusação pública e contestação do arguido e Douta decisão a receber a acusação e a designar data para audiência.

Desde logo, importar indagar se a questão colocada colide com matéria conexa ao dever de segredo profissional para o que se mostra indispensável o exame do disposto no artigo 92º do EOA.

Aí se estatui, na parte que poderá relevar, que:

1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

(…)

2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.

(…)

Da leitura dos segmentos da norma que se transcrevem parece resultar que a obrigação de guardar segredo tem uma vocação hegemónica; isto é, tudo quanto um advogado sabe no exercício funcional está submetido ao dever de sigilo, só podendo efectuar revelações de forma extremamente limitada e nos casos rigorosamente previstos no texto legal.

Ora, assim sendo, é legítima a questão da Mma. Juíza titular do sobredito Processo de saber se a Delegação da G... da Ordem dos Advogados estaria ou não vinculada pelo dever de segredo relativamente à missiva que o arguido em tal processo lhe dirigiu e se, reflexamente, o participante também estaria sujeito ao mesmo dever.

Esclareça-se, no entanto, que a primeira asserção efectuada após a transcrição da norma não reflecte a essência do dever de guardar segredo:

- dizendo de forma propositadamente enxuta, tal dever só existe desde que lhe subjazam obrigações de reserva e de ocultação conexas ao facto de se ter escutado uma confidência que só ocorreu em virtude da confiança na advocacia

A não ser assim, o exercício da função de um advogado seria um inferno burocrático gerador de um caos permanente para os presidentes dos Conselhos Regionais da Ordem. Na verdade, cada vez que um advogado escutasse a versão de um qualquer Constituinte para instruir um qualquer pedido junto de uma instância formal estaria manietado na sua acção enquanto não fosse desvinculado do dever de segredo…

Como ressuma perspicuamente de uma qualquer actividade hermenêutica atenta aos valores e interesses que justificam a figura não é criar obstáculos a um normal exercício profissional que se erige como teleologia imanente ao segredo profissional dos advogados. Com efeito, tal dever radica no princípio da confiança e no dever de lealdade do advogado para com o constituinte e respeita à dignidade da advocacia e ao manifesto interesse público que a legitima.

Vale por dizer, pois, que a norma do nº 1 do artigo 92º do EOA tem, necessariamente, de ser alvo de uma interpretação restritiva; isto é, só quando estiver em causa uma confidência que traga inerente um desejo de reserva é que o advogado está, em princípio, sujeito ao dever de segredo.

Isto dito, haverá que salientar que, na hipótese dos autos, é patente inexistir tal dever de reserva, quer para a Delegação da G..., quer para o Sr. Dr. VF.... Na verdade, o mail que foi enviado não se inscreve entre as “confidências” carentes da protecção do dever de guardar segredo. Pelo contrário, constitui a narrativa que fundamenta a pretensão que, ainda que por interposta pessoa, é formulada pela aí requerente – com efeito, a mesma pretende trocar o patrono nomeado e revela aquilo que a leva a manifestar tal intenção. Ou seja, o comunicante não quer que a expressão que fez seja secreta; quer é que a mesma sirva de alicerce a uma inflexão em um determinado procedimento em curso no seio da instituição a que se dirige.

Por isso, não só era lícito à Delegação da G... como se lhe impunha que desse conhecimento ao Colega do fundamento em que foi requerida a sua substituição; na verdade, só esse facto o habilitaria a que aquele se pudesse pronunciar sobre o referido objecto.

Por outra banda, qualquer advogado – como já dito – tem o dever de guardar sigilo quanto a confidências que lhe sejam feitas e já não qualquer obrigação de pactuar com insultos de que seja vítima a coberto de uma qualquer hipotética manutenção de sigilo profissional. Na verdade, quando isso ocorre, o advogado está no mesmo plano que outro qualquer cidadão – pode usar dos direitos de cidadania, queixando-se se sentir lesado e utilizando os suportes – testemunhais ou documentais – em que alicerça a sua queixa.

Ora, assim sendo – não obstante a tramitação não ser, ab initio, a adequada, sempre se sumaria:

 

a)    Os advogados apenas estão obrigados a guardar segredo do que lhes é revelado a título de confidência por se acreditar no dever de reserva e de lealdade para com o Constituinte que a função da advocacia reclama.

b)    Assim, todas as informações transmitidas pelo Constituinte ao advogado destinadas a fazer valer os respectivos direitos em Juízo ou perante outra instância formal não estão sujeitas a segredo.

c)    Identicamente, os advogados que integrem órgãos da Ordem dos Advogados também se encontram obrigados a guardar sigilo desde que a materialidade de que têm conhecimento se inscreva com essas características.

d)    A narração de factos feita junto de órgão da OA por cidadão que visa a substituição de Advogado que lhe foi nomeado é notificada a este para que o mesmo possa pronunciar-se sobre o requerido.

e)    Como tal, o Sr. Advogado visado com afirmações desprimorosas nessa correspondência não está sujeito a qualquer dever de sigilo; pelo contrário, pode usá-la como suporte documental das diligências que legitimamente entenda tomar para protecção da sua dignidade e bom nome.

 

Atenta a proximidade da audiência, notifique pela via mais célere.

 

Coimbra, 25 de Fevereiro de 2019

 

Jacob Simões

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