Parecer Nº 08/PP/2019-C
Processo de Parecer nº 8/PP/2019C
Por carta que dirigiu ao Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, o Exmº Senhor Presidente da Assembleia Municipal de T… solicitou a emissão de parecer sobre “se existe incompatibilidade para o exercício do mandato de deputado da Assembleia Municipal de T... por advogado que, no âmbito de um contrato com o Município de T..., presta serviços de consultadoria jurídica” mais esclarecendo que os aludidos serviços referem-se à emissão de pareceres jurídicos relativamente a questões que lhe foram colocadas, patrocínio de ações, bem como instrução de processos disciplinares e de contra-ordenação. O Exmº Senhor Presidente da Assembleia Municipal de T... refere ainda, naquela sua comunicação, que tendo conhecimento de que o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados já se pronunciou por diversas vezes no sentido da inexistência de incompatibilidade em tal situação – indicando e identificando, inclusive, seis pareceres emitidos por aquele Conselho Regional – no entanto solicita a emissão de parecer deste Conselho Regional de Coimbra sobre a questão ali colocada.
Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro, (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional de Coimbra, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de caráter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem dos Advogados (doravante OA) – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à concreta questão colocada.
Foi definido pela Lei nº 64/93 de 28 de Agosto o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, a qual, foi sucessivamente alterada pelas Leis nº 39-B/94 de 4 de Dezembro, n.º 28/95 de 18 de Agosto, n.º 12/96 de 18 de Abril, n.º 42/96 de 31 de Agosto, n.º 12/98 de 24 de Fevereiro e Lei Orgânica n.º 1/2011 de 30/11, porém tal diploma, no que tange aos municípios, apenas se aplica ao Presidente da Câmara Municipal e aos vereadores em regime de permanência a tempo inteiro, não tendo qualquer aplicação relativamente aos membros de Assembleia Municipal que não são assim considerados titulares de cargos políticos e, consequentemente não estão abrangidos por aquele regime, pelo que não existe, quanto a estes, quaisquer incompatibilidades ou impedimentos para o exercício de cargos ou actividades profissionais.
Assim não existindo qualquer impedimento ou incompatibilidade decorrente do desempenho das funções de membro da Assembleia Municipal, impõe-se verificar se, à luz do EOA, existe incompatibilidade ou impedimento para o exercício da advocacia de quem exerce as funções de membro ou deputado de Assembleia Municipal.
Como bem refere a Requerente, a Ordem dos Advogados já se pronunciou anteriormente sobre questões idênticas que lhe foram colocadas, designadamente o Conselho Regional do Porto (como aliás o requerente expressamente indica) e também já o fez este Conselho Regional, não exatamente ao nível dos membros da Assembleia Municipal, mas sim dos membros da Assembleia de Freguesia, sendo que, no entanto, a análise e o resultado são idênticos[1] e assim e desde já se antecipa que, como bem tem concluindo o Conselho Regional do Porto, não existe nem impedimento nem incompatibilidade entre o exercício das funções de membro de Assembleia Municipal e o exercício da advocacia e, designadamente, esse exercício no patrocínio do mesmo município do qual o advogado é membro da Assembleia Municipal.
As incompatibilidades e os impedimentos encontram-se regulados, de forma genérica, nos nºs 1 e 2 do artigo 81º do EOA (que manteve inalterado o teor do artigo 76º do anterior EOA de 2005) que dispõe:
“1º - O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável “;
“2º - O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, a independência e a dignidade de profissão “
O nº 1 daquela norma, de carácter genérico como se referiu, abrange toda e qualquer actividade ou função que possa diminuir a isenção, a independência e a dignidade que deve ser exigida ao exercício da advocacia.
O nº 2 daquele dispositivo abrange, também de modo geral, todas as actividades ou funções que, pelo seu carácter executivo ou de poder, possam afectar a necessária independência do advogado ou que, de alguma forma, limitem a sua necessária, exigida e total liberdade face a quaisquer poderes, administração pública, tribunais ou quaisquer outras entidades.
O exercício de cargo público ao nível de Assembleia Municipal não é no entanto susceptível, atenta a natureza do órgão em causa e as funções que os membros que o compõem nele exercitam, de poder acarretar, para o advogado, alguma influência, relevância social ou mesmo visibilidade pública, não existindo assim razões que permitam sustentar que o exercício de tais funções (de membro da Assembleia Municipal) diminuam a imprescindível independência da profissão de advogado ou afectem a dignidade inerente ao exercício da mesma e, como tal, não constitui impedimento.
Por sua vez o artigo 82º do EOA, estabelece, de forma exemplificativa, (configurando uma alteração introduzida já no anterior EOA de 2005 e que veio a dar forma de lei à jurisprudência interna há muito fixada pelos órgãos da OA no sentido de que o elenco das incompatibilidades é meramente exemplificativo, cabendo à Ordem definir, face à concreta situação e por confrontação com o nº 2 do já citado artigo 81º, a existência, ou não, de impedimento, por afectação da independência e ou dignidade da profissão) um conjunto de cargos, funções e ou actividades que são incompatíveis com o exercício da advocacia, não constando, nessa enumeração, a qualidade de Presidente e ou membro de Assembleia Municipal.
As alíneas a) e j) daquele aludido nº 1 do artigo 82º do EOA dispõem:
a) Titular ou membro de órgão de soberania, representantes da República para as regiões autónomas, membros do Governo Regional das regiões autónomas, presidentes, vice-presidentes ou substitutos legais dos presidentes e vereadores a tempo inteiro ou em regime de meio tempo das câmaras municipais e, bem assim, respetivos adjuntos, assessores, secretários, trabalhadores com vínculo de emprego público ou outros contratados dos respetivos gabinetes ou serviços, sem prejuízo do disposto na alínea a) do número seguinte;(…)
j) Membro do órgão de administração, executivo ou director com poderes de representação orgânica das entidades indicadas na alínea anterior”
Da leitura daquelas disposições e não existindo, por um lado, qualquer lei especial que impeça o exercício da advocacia por membro de Assembleia Municipal, incluindo o seu presidente e, por outro, não estando tais funções englobadas naquele elenco (do artigo 82º do EOA), pode afirmar-se de que não existe incompatibilidade para o exercício da advocacia por parte de presidente ou membro de Assembleia Municipal.
Importa ainda verificar se, no caso em análise, se verifica o impedimento previsto no artigo 83º do EOA que dispõe:
“ 1 - Os impedimentos diminuem a amplitude do exercício da advocacia e constituem incompatibilidades relativas do mandato forense e da consulta jurídica, tendo em vista determinada relação com o cliente, com os assuntos em causa ou por inconciliável disponibilidade para a profissão.
2 - O advogado está impedido de praticar atos profissionais e de mover qualquer influência junto de entidades, públicas ou privadas, onde desempenhe ou tenha desempenhado funções cujo exercício possa suscitar, em concreto, uma incompatibilidade, se aqueles atos ou influências entrarem em conflito com as regras deontológicas contidas no presente Estatuto, nomeadamente, os princípios gerais enunciados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 81.º (…).
Este preceito estabelece a possibilidade de impedimento relativo ao mandato judicial ou à consulta jurídica, por força da relação com certas pessoas e ou por causa de certa função e, ainda, de o advogado estar impedido “de praticar actos profissionais e de mover qualquer influência junto de entidades, públicas ou privadas, onde desempenhe ou tenha desempenhado funções cujo exercício possa suscitar, em concreto, uma incompatibilidade (…)”, com refere o nº 2 do aludido artigo.
Ora, no caso concreto o Senhor Advogado que presta serviços jurídicos e que patrocina o Município de T... exerce funções de deputado na respectiva Assembleia Municipal (e importa aqui referir que a Assembleia Municipal não é um órgão executivo, mas somente deliberativo), nada permitindo concluir que, mercê de tal qualidade, esteja de alguma forma limitada a sua intervenção, de modo a afectar a sua plena autonomia técnica, independência ou isenção, na condução da defesa daquele Município, bem como de que do exercício daquele mandato a dignidade da profissão possa de algum modo ser afectada.
Questão diametralmente diferente era a de o Senhor Advogado aceitar patrocínio contra o Município de cuja Assembleia Municipal é membro.
Refira-se ainda, e na esteira do Parecer n.º 31/PP72016-P, que no entanto poderá ocorrer uma situação concreta em que um membro da Assembleia Municipal se encontre impedido de exercer o mandato como advogado, numa acção judicial em representação do respectivo Município, o que ocorrerá sempre que os actos que o Advogado tiver que praticar conflituarem com as regras deontológicas contidas no EOA e, designadamente, com os princípios gerais enunciados nos nº 1 e 2 do art. 81.º, mercê do estatuído no nº 2 do art. 83º, daquele EOA, situações essas, limite, que só poderão ser apuradas em cada caso concreto e, se e quando ocorrerem, o Sr. Advogado que seja membro da Assembleia Municipal ficará em situação de impedimento e, consequentemente, não poderá exercer o mandato.
Concluímos assim que não existe qualquer incompatibilidade ou impedimento de membro de Assembleia Municipal para o exercício da advocacia e que, em termos genéricos, não se verifica impedimento para que advogado que é membro da Assembleia Municipal possa exercer o mandato forense em defesa do respectivo Município.
É este, salvo melhor opinião, o nosso parecer.
Coimbra, 12 de Abril de 2019
[1] Cfr. Parecer 5PP2009C de 25.09.2009
Manuel Leite da Silva
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