Parecer Nº 40/PP/2017-C
Processo de Parecer n.º 40/PP/2017-C
A Senhora Dra. TA…, Ilustre Advogada com escritório em A…, dirigiu comunicação ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados colocando questão atinente a eventual sujeição a segredo profissional da materialidade que narra.
Na verdade, a Exma. Colega Requerente refere que em Novembro de 2016 interveio numa escritura de compra e venda, como mandatária de dezasseis proprietários de um determinado bem; no decurso do mandato procedeu ao pagamento dos montantes devidos a cada herdeiro, através de cheques cruzados.
Veio a saber que cursa na PSP um processo motivado por uma queixa de um dos herdeiros contra um seu sobrinho, também ele herdeiro. Segundo o queixoso (caracterizado como pessoa de idade avançada, com extremas dificuldades de visão e fragilizado), ele e o denunciado ter-se-ão deslocado ao Banco para levantar o cheque que cabia ao ofendido e o sobrinho apropriou-se do montante.
Mais se menciona uma convocatória da PSP para que a Exma. Requerente deponha como testemunha; quer, portanto, a Exma. Colega o nosso parecer sobre se poderá ser levantado o sigilo profissional, reiterando que queixoso e denunciado foram ambos seus mandantes no predito negócio de compra e venda.
Apreciando:
Desde logo, importará assinalar que este Conselho Regional tem competência para a emissão do presente parecer, quer por se tratar de situação atinente à respectiva área de competência territorial (artigo 54º, 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados), quer porque consubstancia questão de carácter profissional relativamente à qual, nos termos do disposto na al. f) do sobredito inciso, lhe cabe pronunciar-se.
Por outra banda, a questão colocada colide, indubitavelmente, com o dever de segredo profissional.
Ora, é apodíctico que, conforme resulta do n.º 1, do artigo 92º, do E.O.A., o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções, mesmo após o término da relação de mandato.
Por outra banda, por força do disposto no n.º 4 do sobredito inciso legal, o Advogado só pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, previamente autorizado pelo respectivo Presidente do Conselho Regional.
In casu, contudo, a Exma. Colega não vem requerer a dispensa, mas apenas, previamente, aferir da possibilidade da mesma – se solicitada – vir a ser deferida. Na verdade, nos termos do artigo 3º-1 do Regulamento de Dispensa de Sigilo Profissional, para que qualquer advogado seja desobrigado do dever de sigilo tem de existir requerimento de autorização para o efeito, que deve identificar de modo objectivo, concreto e exacto, qual o facto ou factos sobre os quais a desvinculação é pretendida (que deve fazer-se acompanhar dos documentos necessários à apreciação do pedido), sendo certo que tal dispensa do segredo profissional reveste carácter excepcional (artigo 4º-1 do sobredito Regulamento)
Saliente-se que o aflorado regime da desvinculação do segredo já inculca o quão exigente é a respectiva regulamentação – ora, tal minúcia exaustiva ostentada pela lei prende-se, exactamente, à matricial importância que o sigilo profissional adquire e representa quer para a relação de confiança entre mandante e mandatário, quer, ainda e sobremaneira, pelo interesse público que lhe está subjacente, absolutamente indissociável do exercício da advocacia.
Fixadas, ainda que a traço grosso, as coordenadas axiais da problemática em exame emerge como indispensável para o sentido do parecer a emitir a indagação se a materialidade referida pela Colega está, ou não, a coberto do segredo.
Ora, para a emissão de tal juízo mostra-se essencial considerar o teor do artigo 92º, 1, al. a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, que estatui que o “advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: (…”.
No entanto, nem tudo o que se conhece no decurso do mandato é segredo. Pense-se, na verdade, nos factos que são revelados aos mandatários a fim de que estes possam exercer a sua função, ou aqueles que, apesar de intimamente conexos ao exercício da função, são matricialmente públicos.
Ora, in casu, a situação narrada pela Exma. Requerente aproxima-se do segundo paradigma elencado:
Com efeito, daquilo que ressuma do requerimento analisado fica a saber-se que a Exma. Sra. Dra. Teresa Valente de Almeida interveio numa escritura pública onde se declarou ter recebido determinado preço a distribuir pelos vendedores. Ora, se a Exma. Requerente for chamada a depor apenas sobre tal materialidade (pública, porque constante da escritura) evidente se torna que inexiste qualquer dever de sigilo, dado que os mencionados factos já decorrerão da leitura do contrato assim formalizado.
Todavia, ao que se crê, não será essa matéria aquela que constituirá o alvo da inquirição da Exma. Requerente – com efeito, afigura-se que o depoimento nada acrescentará ao documento existente; afigura-se, pois, que se pretenderá saber se a Requerente poderá elucidar sobre se o participado se apropriou, ou não, do montante que caberia ao participante.
Ora, para que nos pronunciemos sobre esse segmento hipotético, careceríamos de saber detalhes que não constam do requerimento, nomeadamente em dois aspectos essenciais:
- Sabe a Exma. Requerente algo sobre tal pretensa apropriação?
- Em caso afirmativo, qual a razão da respectiva ciência?
De facto, na ignorância dos aludidos pontos é impossível a emissão de uma opinião cabal e sustentada sobre a problemática suscitada, designadamente se existe alguma conexão causal entre o mandato e o eventual conhecimento detido.
Nesta confluência, sou de parecer que na situação que vem comunicada não é detectável qualquer obrigação de sigilo, dado que, aparentemente, os factos conhecidos da Exma. Colega Requerente estão revelados numa escritura pública.
No entanto, quanto a quaisquer outros factos de que possa haver conhecimento por banda da Exma. Requerente, especificamente aqueles que constituirão a factualidade em investigação, abstemo-nos de nos pronunciar, dado que não nos foi detalhado se existe algum conhecimento dessa materialidade e, caso exista, como foi adquirido.
À sessão.
Coimbra, 22 de Novembro de 2017
Jacob Simões
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