Pareceres do CRCoimbra

Parecer Nº 15/PP/2019-C

Processo de Parecer n.º 15/PP/2019-C

 

            A Senhora Dra. CC…, Ilustre Advogada com escritório em T…, dirigiu comunicação a este Conselho colocando diversas questões atinentes a eventual sujeição a segredo profissional de matérias que elenca.

            A fim de contextualizar os problemas que suscita, narra que é mandatária da empresa “…, Lda.” em acção que com o n.º …/12.8TBCBR cursa pelo Juiz 3, Juízos centrais Cíveis de Coimbra, em que são RR. JP… e NC…. Nesses autos, o identificado Réu atravessou nos autos diversos requerimentos que a Exma. Colega Requerente considerou difamatórios e que a levaram a apresentar participação criminal que originou o Inquérito n.º …/18.5T9CBR da 2ª Secção do DIAP de Coimbra, onde já existe acusação pública e particular.

            Também a sua Constituinte apresentou queixa, pelos mesmos factos, cursando o processo pela mesma secção do mesmo departamento sob o número …/18.0T9LSA.

            Neste conspecto, porque antevê a necessidade de prestar declarações sobre a predita materialidade, pretende que este órgão emita parecer sobre questões concretas, desde logo se:

a)    Pode utilizar e pronunciar-se, no processo em que é queixosa, sobre os despachos, sentença e requerimentos – seus e de outros Colegas que patrocinam contrapartes – no âmbito do Proc. …/18.5 T9CBR, quando os processos em que interveio já conhecem decisão transitada em julgado.    

b)    Pode utilizar e pronunciar-se, no processo em que é queixosa, sobre os despachos, sentença e requerimentos – seus e de outros Colegas que patrocinam contrapartes – no âmbito do Proc. …/18.5 T9CBR, no que alude ao Processo …/12.8T9CBR que ainda está em fase de recurso.

Por outra banda, na hipótese de se entender que tais elementos se encontram sujeitos a sigilo, requer dispensa de tal obrigação, mais perguntando se o nosso parecer poderá, em caso de necessidade, ser revelado.

 

 

Apreciando:

Desde logo, importará assinalar que este Conselho Regional tem competência para a emissão do presente parecer, quer por se tratar de situação atinente à respectiva área de competência territorial (artigo 54º, 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados), quer porque consubstancia questão de carácter profissional relativamente à qual, nos termos do disposto na al. f) do sobredito inciso, lhe cabe pronunciar-se.

Por outra banda, as questões colocadas colidem, indubitavelmente, com o dever de segredo profissional.

Ora, é apodíctico que, conforme resulta do n.º 1 do artigo 92º do E.O.A., o Advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções, mesmo após o término da relação de mandato.

Por outro lado, por força do disposto no n.º 4 do sobredito inciso legal, o Advogado só pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, previamente autorizado pelo respectivo Presidente do Conselho Regional.

In casu, contudo, a Exma. Colega não vem, desde já, requerer a dispensa, mas apenas, previamente, aferir se a mesma é necessária; na verdade, só subsidiariamente – i.é, se necessária – é que a requer.

Saliente-se, ainda, que o regime da desvinculação do dever de manter segredo – pela exaustiva e minuciosa regulamentação de que é alvo no EOA e no respectivo regulamento – inculca justamente o quão exigente é a respectiva concessão. Ora, tal condicionalismo prende-se, exactamente, à matricial importância que o sigilo profissional adquire e representa quer para a relação de confiança entre mandante e mandatário, quer, ainda e sobremaneira, pelo interesse público que lhe está subjacente, absolutamente indissociável do exercício da advocacia.

No entanto, in casu, emerge como indispensável para o sentido do parecer a emitir a indagação se a materialidade em causa está, ou não, a coberto do dever de segredo.

Ora, para a emissão de tal juízo mostra-se essencial, desde logo, considerar o teor do artigo 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Aí se estatui, na parte que para aqui interessa, que:

1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

(…)

3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.

 

Da leitura dos segmentos da norma que se transcrevem parece resultar que a obrigação de guardar segredo tem uma vocação hegemónica; isto é, tudo quanto um advogado sabe no exercício funcional está submetido ao dever de sigilo, só podendo efectuar revelações de forma extremamente limitada e nos casos rigorosamente previstos no texto legal.

Evidentemente que a referida asserção não reflecte a essência do dever de guardar segredo:

- dizendo de forma propositadamente enxuta, tal dever só existe desde que lhe subjazam obrigações de reserva e de ocultação conexas ao facto de se ter escutado uma confidência que só ocorreu em virtude da confiança na advocacia

A não ser assim, o exercício da função de um advogado seria um inferno burocrático gerador de um caos permanente para os presidentes dos Conselhos Regionais da Ordem. Na verdade, cada vez que um advogado escutasse a versão de um qualquer Constituinte para instruir um qualquer pedido junto de uma instância formal estaria manietado na sua acção enquanto não fosse desvinculado do dever de segredo…

Como ressuma perspicuamente de uma qualquer actividade hermenêutica atenta aos valores e interesses que justificam a figura não é criar obstáculos a um normal exercício profissional que se erige como teleologia imanente ao segredo profissional dos advogados. Com efeito, tal dever radica no princípio da confiança e no dever de lealdade do advogado para com o constituinte e respeita à dignidade da advocacia e ao manifesto interesse público que a legitima.

Vale por dizer, pois, que a norma do nº 1 do artigo 92º do EOA tem, necessariamente, de ser alvo de uma interpretação restritiva; isto é, só quando estiver em causa uma confidência que traga inerente um desejo de reserva é que o advogado está, em princípio, sujeito ao dever de segredo.

Ademais, importa também atentar no que a lei processual (neste caso Civil, atenta a espécie de jurisdição onde cursaram os processos de que a Exma. Colega quer juntar peças) dispõe a tal respeito.

Ora, o artigo 163º do CP Civil, sob a epígrafe “Publicidade do processo” estatui, no respectivo n.º1 “O processo civil é público, salvas as restrições previstas na lei acrescentando, no n.º 2 “A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta dos autos na secretaria e de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível”. Ora, face à mencionada literalidade das normas é patente que a Exma. Colega pode obter certidão de todas as peças que entender – sejam subscritas por a Exma. Colega ou por outro qualquer Senhor Advogado e respeitem, ou não, a processo transitado em julgado – e promover a sua junção ao processo de natureza criminal em causa.

No entanto, no que se refere à prestação de esclarecimentos sobre tais peças, a resposta já não pode assumir a mesma assertividade daquela supra efectuada. Na verdade, o desconhecimento da espécie de declarações que a Exma. Colega pretende efectuar impede que se formule opinião taxativa de tipologia afirmativa ou negativa. Com efeito, a resposta a tal problemática só poderá ser convenientemente realizada em sede de pedido de dispensa de sigilo e não se procede à convolação pedida pela Distinta Colega, na medida em que o requerimento de dispensa deve identificar cabalmente os factos concretos sobre que se pretende depor e aduzir a especial razão pela qual tal depoimento será essencial para a defesa dos interesses do requerente ou do respectivo constituinte. Ora, a Exma. Colega, ao colocar a questão em termos genéricos e sem identificar precisamente os elencados fundamentos, inviabiliza que se examine a questão em sede de dispensa.

Todavia, se assim o desejar, poderá requerer tal dispensa, dirigindo novo requerimento em que densifique cabalmente os mencionados aspectos.

Finalmente, este parecer é, incontornavelmente, público.

 

Para rematar, em jeito de conclusão, sumaria-se:

a)    Os advogados apenas estão obrigados a guardar segredo do que lhes é revelado a título de confidência por se acreditar no dever de reserva e de lealdade para com o Constituinte que a função da advocacia reclama.

b)    As peças processuais existentes em um processo de natureza civil podem ser certificadas e juntas a processos de natureza penal, dado o carácter público dessa peculiar tramitação.

c)    É, contudo, impossível em termos genéricos emitir pronúncia sobre “esclarecimentos” de ignota natureza sobre tais peças. Na verdade, só no conhecimento do concreto e preciso conteúdo do depoimento que se pretende prestar – e em sede de requerimento de dispensa de sigilo e obedecendo à específica tramitação que regulamenta o mesmo – poderá haver pronúncia cabal e fundamentada.

 

 

Coimbra, 14 de Maio de 2019

 

 

À sessão

 

Jacob Simões

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