Parecer Nº 02/PP/2019-C
Processo de Parecer n.º 02/PP/2019-C
Requerentes: CD… e ME…
Objecto: Domicilio Profissional
I -
Por e-mail datado de 22 de Janeiro de 2019, dirigido ao Senhor Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, as Requerentes, Drª CD... e Drª ME…, solicitaram a emissão de parecer, referindo que pretendem arrendar, para o exercício da actividade profissional de advogadas, um espaço num prédio composto por dois andares. Descrevem o prédio como tendo rés-do-chão, primeiro e segundo andares, sendo que o rés-do-chão tem uma porta única de entrada que dá acesso ao primeiro e segundo andar, sendo aquele composto por um hall de entrada, escadas e uma sala de reuniões; no primeiro andar funciona um gabinete de contabilidade, no qual existe uma Técnica Oficial de Contas e o segundo andar, é composto por um corredor e duas salas. Salientam que o 2º andar é totalmente independente do 1º andar, tendo inclusive uma porta que veda o acesso das escadas ao corredor e às duas salas já referidas e que a sala de reuniões existente no R/C, será de uso exclusivo das Requerentes.
Pretendem, por isso, a emissão de parecer “quanto à possível ou não existência de incompatibilidade do exercício da nossa profissão, no mesmo prédio, com uma Técnica Oficial de Contas, embora em andares distintos.”
Considerando que se encontram reunidos todos os pressupostos para emissão deste Parecer, e que a questão é, territorial e hierarquicamente, assunto sobre o qual este Conselho Regional se deve pronunciar (art.º. 54º, nº1 al f) do Estatuto da Ordem dos Advogados), foi este processo entregue à aqui Relatora.
II –
Com o objectivo de nos debruçarmos sobre a questão colocada pelas Ilustres Requerentes, parece-nos importante, em primeiro lugar, debruçarmo-nos sobre o regime legal aplicável para, nesse seguimento, apreciarmos a problemática que em concreto nos é suscitada a apreciar.
Vejamos então!
O Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece, no seu art. 91º al. h), como dever do Advogado, “ manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, em termos a definir por deliberação do conselho geral”.
É pois, na referida norma, que se encontra previsto o “ o dever de manutenção de domicilio profissional digno e capaz de garantir um exercício da advocacia de acordo com as regras deontológicas, designadamente tendo em vista a proibição de angariação de clientela, a proibição de partilha do espaço profissional com quem não seja advogado, advogado estagiário ou solicitador, a preservação do sigilo profissional e a dignidade da profissão, prevendo-se que o Conselho Geral venha a regulamentar este domínico”[1]
Diz-nos a jurisprudência da Ordem dos Advogados que “o escritório de advogado é o espaço físico onde está localizada a organização de meios utilizados pelo advogado no exercício da sua profissão que corresponde ao “domicílio escolhido como centro da sua vida profissional” - cf. n.º 1 do art. 179.º do EOA e n.º 1, do art. 9.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários. Este espaço e organização de meios não tem tradicionalmente, atenta a natureza liberal e fortemente personalizada da actividade que ali se exerce, aptidão funcional própria e autónoma face ao seu titular”[2]
Com base no acima referido, tem sido defendido que o espaço físico do escritório de um advogado e a sua forma de organização, têm de revestir condições que assegurem o cumprimento dos seus deveres deontológicos, prevalecendo a independência do advogado, o segredo profissional e, ainda, a (proibição de) angariação de clientela.
Não se extrai, contudo, da norma da al. h) do art. 91º do EOA, a definição das características essenciais ou obrigatórias de um escritório de advogado, sendo que a mesma deveria ficar a cargo de uma deliberação do conselho geral que ainda não foi produzida. Para justificar essa omissão, argumenta-se pela “dificuldade que representa estabelecer um denominador mínimo (obrigatório) que se mostre adequado a formas tão heterogéneas de exercício da advocacia: prática isolada, prática em associação com partilha de despesas e meios, prática em sociedade, prestação de serviços em exclusividade, advogados de empresa, etc”[3]
Contudo, tal regulamentação é esperada e desejada, sendo que no ainda no último (VIII) Congresso da Ordem dos Advogados Portugueses, foram (novamente!), aprovadas conclusões sobre a matéria, que pela sua pertinência, aqui transcrevemos:
30. “Deve o Conselho Geral da Ordem dos Advogados regulamentar o domicílio profissional do Advogado, no estrito cumprimento do disposto no artigo 91.º, alínea h), do EOA, recomendando que essa regulamentação tenha especial consideração em relação aos escritórios dos Advogados Estagiários, aos Advogados da empresa e os Advogados que exerçam a actividade em regime de subordinação ou exclusividade e os que pretendem instalar o seu escritório na sua habitação.
31. Recomendam ainda à Ordem dos Advogados que se estabeleça a proibição de escritórios ou Gabinetes multidisciplinares onde o Advogado partilhe o mesmo espaço físico com profissionais de outras actividades.”[4]
Face a este breve enquadramento legal (e como já antes referimos em anterior Parecer também subscrito pela aqui Relatora, e aqui mantemos), em face da ausência de regulamentação especifica sobre os requisitos a que devem obedecer os escritórios de advogados “poderemos socorrer-nos, mais uma vez, à jurisprudência da Ordem dos Advogados, que em anteriores situações se já pronunciou sobre algumas regras de conduta a seguir pelos advogados em caso de partilha de um espaço com outros profissionais, como sejam (1) “identificar individualmente o seu escritório e não deverá utilizar tabuletas, siglas, papel timbrado ou quaisquer outros sinais de publicidade comuns com outros profissionais; (2) não “partilhar honorários com outros profissionais, nomeadamente por meio de “comissões” ou “percentagens” por angariação”; (3) As condições económicas da cedência de salas devem ser acordadas exclusivamente por via de quantias fixas a título de ocupação de espaço e de eventual partilha de custos de secretariado comum; (4) O advogado deverá , preferencialmente “manter recursos humanos e secretariado próprio” ou os recursos humanos comuns “devem ter formação adequada em matéria de sigilo profissional, seu alcance e conteúdo, e consequências da sua quebra”; (5) manter processamento, tratamento e arquivo de documentação e base de dados próprios, não podendo em nenhum caso existir acesso partilhado de documentação, quer no que respeita ao suporte físico quer ao suporte digital e informático; (6) “ o espaço físico ocupado pelo advogado, pelos seus serviços e pelo seu arquivo deve estar perfeitamente identificado e separado de outros profissionais”;[5] [6]. Por outro lado, haverá também de averiguar se as actividades a desenvolver num mesmo espaço físico, no caso de escritórios multidisciplinares, se afiguram (in)compatíveis com o exercício da advocacia, sendo, também este, um critério que deverá servir de ponderação para apreciação de questões como a aqui colocada.
Regressando, posto isto, à análise do caso concreto, temos que as Requerentes pretendem arrendar um espaço composto de uma sala no r/ch e o 2º andar, sendo que no 1º andar do edifício existe já um escritório de uma Técnica Oficial de Contas. Pelo que resulta do pedido de parecer, são apenas partilhadas as escadas e hall de entrada do prédio, desconhecendo-se onde será a sala de espera do(s) escritório(s) e por isso se a mesma se situa no hall de entrada do prédio e se será, por isso, comum. Certo é que no r/ch existe uma sala de reuniões que será de utilização exclusiva das Requerentes, mas que é acessível pelo hall de entrada, onde podem estar clientes da TOC e das Sras. Advogadas. Trata-se, por isso, de um único espaço, ainda que com divisões com alguma autonomia.
Avançamos, desde já que, é nosso entendimento, que no caso em apreço não podem as Sras Advogadas fixar o seu domicílio profissional no mesmo espaço em que funciona já o gabinete de um TOC; e por duas ordens de razão!
Em primeiro lugar porque as actividades de advogado e de TOC são incompatíveis nos termos do art. 82º nº1 al. l dos EOA. Este dispositivo expressamente refere “ São, designadamente, incompatíveis com o exercício da advocacia os seguintes cargos, funções e atividades (…) :l) Revisor oficial de contas ou técnico oficial de contas e trabalhadores com vínculo de emprego público ou contratados do respetivo serviço;”, pois o exercício em conjunto afecta a isenção, dignidade e independência do advogado. Por essa razão, e desde logo, se tem defendido a impossibilidade de as duas actividades se manterem no mesmo espaço físico, pois “não interessará, nestas situações, saber como vai ser desenvolvido e qual o “nível de autonomia” do exercício da actividade profissional do advogado. Bastará que o outro profissional tenha uma actividade profissional incompatível, nos termos previstos no art. 77º do E.O.A., para que o advogado não possa instalar o seu escritório no mesmo local. “[7]
Por outro lado, e mesmo que se não considere o argumento anterior, teríamos sempre de verificar se, face à disposição do espaço nos termos relatados pelas Requerentes, com a partilha de espaços comuns, a TOC ou os seus clientes têm possibilidade de saber quais os clientes das Requerentes, e quem sabe, até ouvir o teor das reuniões ao passarem junto da sala de reuniões do r/ch (onde existe o hall de entrada comum). Parece-nos que essa possibilidade é de todo viável, o que também inviabiliza a pretensão das Requerentes.
Veja-se, a esse propósito, Parecer do Conselho Superior que refere “ Em suma e nestas circunstâncias o referido escritório partilhado pelo Sr. Advogado arguido com um Técnico Oficial de Contas coloca em grave crise, para além da já mencionada dignidade e prestígio da profissão, - confundindo e confundindo-se as duas actividades, - a independência do Advogado e a preservação do segredo profissional. (…) Com efeito só o facto de partilhar a zona comum com um TOC, onde podem estar presentes os clientes do TOC e os do Sr. Advogado, constitui em si uma situação susceptivel de violar o segredo profissional.”[8]
Como bem salienta o Parecer em causa, não pode recair sobre o advogado a suspeita de práticas ilícitas, nomeadamente de violação de segredo profissional, sendo certo que pela descrição efectuada pelas Requerentes, não resulta claro que essa violação seja insusceptível de ocorrer em face da disposição do(s) escritório(s) e localização de áreas comuns.
Por fim, a disposição do espaço, gera também dúvidas sobre a possibilidade de angariação de cliente, pois “coloca-se a questão de saber se a contabilista poderá ficar numa situação que propicie a angariação de clientela a favor da consulente. Ora, parece-nos que a co-existência, no mesmo espaço da advocacia e do gabinete de contabilidade são um “caso típico” que pode proporcionar a angariação de clientela, recíproca de resto. “[9]
Face ao exposto, e considerando que o Advogado deve ter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, entendemos que, face à descrição do espaço onde as Requerentes pretendem instalar o seu escritório, o mesmo não poderá ser partilhado entre aquelas e uma TOC.
III –
Concluindo,
1 O artigo 91º al. h) do Estatuto da Ordem dos Advogados estipula que constitui dever do advogado manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, em especial os relacionados com a independência, angariação de clientela, e com a protecção do sigilo profissional.
2- As actividades de advogado e de TOC são incompatíveis nos termos do art. 82º nº1 al. l) dos EOA pois o exercício em conjunto afecta a isenção, dignidade e independência do advogado, pelo que as duas não se podem manter no mesmo espaço físico;
3 – A partilha de zonas comuns entre um escritório de advogados e um escritório de um TOC, com sejam a entrada (que dá acesso directo a uma sala de reuniões de uso exclusivo do primeiro) e as escadas, pode determinar a violação de segredo profissional e permitir a angariação de clientela.
É este o nosso parecer
Leiria, 14 de Junho de 2019
[1] Fernando Sousa Magalhães, EOA Anotado e Comentado, 2015, 10ª edição, pág. 135
[2] Parecer 9/PP/2008-G, do Conselho Geral, disponível em www.oa.pt
[3] Idem
[4] In Conclusões da 4ª Secção | Aperfeiçoamento da Ordem Jurídica, VIII Congresso dos Advogados Portugueses, disponíveis em http://www.oa.pt/
[5] Consulta nº2/2008, do CDL da Ordem dos Advogados, Triénio 2008-2010, Volume I