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Parecer Nº 13/PP/2018-C

PROCESSO DE PARECER N.º 13/PP/2018-C

 

Requerente – Dr. JO...

 

Objecto:

 

         Impedimento – Assumpção de patrocínio como defensor de arguido acusado da práctica de crime de falsas declarações por depoimento prestado enquanto testemunha em audiência de julgamento de processo-crime no qual patrocinava um co-arguido

 

         Por requerimento entrado neste Conselho em 23 de Março de 2018, via e-mail, o Advogado requerente solicitou Parecer sobre um eventual impedimento no patrocínio de um arguido.

 

         Considerando que se encontravam reunidos todos os pressupostos para emissão deste Parecer, e que esta questão é, territorial e hierarquicamente, assunto sobre o qual este Conselho Regional se deve pronunciar, foi este processo entregue à aqui Relatora.   

 

         O requerente foi nomeado defensor oficioso de um arguido num processo em que este é acusado da prática de um crime de falsas declarações.

 

         Essas falsas declarações prendem-se com o depoimento que o mesmo prestou, enquanto testemunha, num outro processo criminal, no qual o aqui requerente patrocinou um dos arguidos

         Ambos os patrocínios enquadram-se na qualidade de defensor nomeado no âmbito do apoio judiciário.

 

         Cumpre apreciar a questão colocada.

 

         Em primeiro lugar, não há à partida qualquer impedimento legal à assumpção deste segundo patrocínio.

 

         De facto, o novo patrocínio do arguido acusado da prática de um crime de falsas declarações deriva do depoimento que aquele, enquanto testemunha, prestou no anterior processo.

 

         Nesta sede, só haveria impedimento se tivesse acompanhado, como Advogados, essa testemunha, situação que o impediria de manter o patrocínio de qualquer outro arguido no processo em que a testemunha havia deposto – art. 132º nº 5 do Código de Processo Penal.

 

         Para além disso, nos termos do Estatuto – art. 99º -, sob a epígrafe “conflito de interesses”, há que considerar, em concreto, os seus nºs. 1 e 2, que transcrevemos:

         “1 – O Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

         2 – O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.”

 

         Neste contexto objectivo, a testemunha no primeiro processo não é “parte” no mesmo, razão por que, o Advogado requerente não a patrocinou, nem o arguido que aí defendeu é “parte” contrária daquela.

 

         Desta forma, a interpretação destas normas levam à conclusão da inexistência – objectiva - de qualquer impedimento.

 

         Aqui chegados, cumpre verificar o cumprimento do disposto no nº 3 desse artigo do Estatuto, que diz “o Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes”.

 

         Esta norma reforça as disposições anteriores do mesmo artigo do Estatuto, mas acrescenta-lhe uma avaliação subjectiva que só pode ser feita pelo Advogado perante o caso que tem em mãos.

 

         Assim, à partida, nada impede o Advogado requerente de assumir o patrocínio de arguido que terá prestado falsas declarações em processo-crime, no qual era defensor de outro arguido, desde que, a sua análise da informação que obteve enquanto Advogado naquele primeiro processo – sobre a qual tem, evidentemente, dever de sigilo – não colida com os deveres de patrocínio deste novo cliente.

 

         Ora, o Advogado requerente afirma, em 6 do seu pedido, que nem sequer inquiriu essa testemunha e que nenhuma intervenção teve junto dela.

 

         Reforça, em 7, que essa testemunha terá até afirmado não conhecer o arguido que aí patrocinava.

 

         A ser assim, não existe qualquer conflito de interesses na assumpção deste novo patrocínio.

 

         Por último,

 

         Dado que estas situações ocorrem no âmbito do acesso ao direito – Lei nº 34/2004 de 29 de Julho -, há que verificar se, por essa via, obtemos diferente resposta.

 

         Inexiste qualquer norma que aponte em sentido contrário ao afirmado, pelo que, se mantêm válidas as considerações anteriores.

 

         Em conclusão,

 

         1 – Não há impedimento objectivo na assumpção de patrocínio, como defensor, de arguido que praticou alegado crime de falsas declarações em audiência de julgamento, enquanto testemunha, quando nesse julgamento o Advogado patrocinou um co-arguido.

         2 - A testemunha, em qualquer processo, não é parte no processo, pelo que, não se mostram violadas as regras constantes dos nºs. 1 e 2 do art. 99º do EOA.

         3 – Nas circunstâncias descritas, o Advogado deve verificar, em concreto, se existe algum conflito de interesses entre o arguido que patrocinou e os interesses do arguido que agora vai patrocinar,

         4 – Deve, ainda, aquilatar nesse juízo, que mantêm o cumprimento do dever de sigilo perante o anterior cliente.

 

         5 – Não se verificando qualquer das circunstâncias descritas nas anteriores conclusões – 3 e 4 – não existe qualquer impedimento para assumpção do novo patrocínio.

         6 – As asserções anteriores não têm qualquer desvio quando enquadradas no âmbito do acesso ao direito.

 

Este é o nosso Parecer.

 

         Viseu, 28 de Junho de 2019

 

Maria Ana Alves Henriques

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