Parecer Nº 30/PP/2019-C
Processo de Parecer n.º 30/PP/2019-C
Requerente: JRC, AV… & Associados – Sociedade de Advogados SP, RL
Objecto: Publicidade
I -
Por requerimento que dirigiu ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, JRC, AV… & Associados – Sociedade de Advogados SP, RL, representada pelo Exm. Sr. Dr. JRC… e pela Exmª Srª Drª AV…, solicitou a emissão de parecer sobre a viabilidade de colocação de um logótipo da sociedade, acompanhado com o de outras entidades, num cartaz publicitário de uma cliente, tendo em consideração os pressupostos contidos no art. 94º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Esclarece a Requerente que está a prestar serviços de assessoria jurídica a uma cliente que se dedica à construção de edifícios e implementação de infraestruturas em terrenos, com vista à sua venda, tendo sido interpelada por aquela sobre a possibilidade de o logótipo da sociedade surgir num painel publicitário existente em locais de obras/venda. Mais esclarece que “esta publicidade tem como objectivo a transmissão ao público de uma imagem de veracidade, transparência e confiança baseada na identificação, no mesmo espaço físico, de todo o conjunto de entidades envolvidas no projecto em questão”, sendo que o logótipo da sociedade de advogados surgiria a par com outros logótipos das entidades envolvidas (ex: atelier de arquitectura/ entidade bancária). Mais refere que “o que está em causa é uma forma de publicidade informativa da cliente partilhada por outras entidades, não versando sobre a sociedade, na medida em que o seu único objectivo é a difusão da veracidade, transparência e confiança que caracterizam o trabalho da cliente”.
Considerando que o Conselho Regional de Coimbra tem competência para a emissão do presente parecer, atendendo que trata de situação que ocorre em localidade pertencente à sua área de competência territorial (cfr. o art. 54º, nº1 do EOA), e, ainda, porque visa “questão de carácter profissional” sobre o qual este Conselho Regional se deve pronunciar (art.º. 54º, nº1 al f) do Estatuto da Ordem dos Advogados), foi este processo entregue à aqui Relatora.
II –
A pretensão da Requerente do presente parecer determina, desde logo, que se analise o regime previsto no art. 94º do Estatuto da Ordem dos Advogados, sob a epígrafe de “Informação e Publicidade”.
O referido artigo diz-nos que:
1 - Os advogados e as sociedades de advogados podem divulgar a sua atividade profissional de forma objetiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito dos deveres deontológicos, do segredo profissional e das normas legais sobre publicidade e concorrência.
2 - Entende-se, nomeadamente, por informação objetiva:
a) A identificação pessoal, académica e curricular do advogado ou da sociedade de advogados;
b) O número de cédula profissional ou do registo da sociedade de advogados;
c) A morada do escritório principal e as moradas de escritórios noutras localidades;
d) A denominação, o logótipo ou outro sinal distintivo do escritório;
e) A indicação das áreas ou matérias jurídicas de exercício preferencial;
f) A referência à especialização, nos termos admitidos no n.º 3 do artigo 70.º;
g) Os cargos exercidos na Ordem dos Advogados;
h) Os colaboradores profissionais integrados efetivamente no escritório do advogado;
i) O telefone, o fax, o correio eletrónico e outros elementos de comunicações de que disponha;
j) O horário de atendimento ao público;
k) As línguas ou idiomas, falados ou escritos;
l) A indicação do respetivo sítio na Internet;
m) A colocação, no exterior do escritório, de uma placa ou tabuleta identificativa da sua existência.
3 - São, nomeadamente, atos lícitos de publicidade:
a) A menção à área preferencial de atividade;
b) A utilização de cartões onde se possa colocar informação objetiva;
c) A colocação em listas telefónicas, de fax ou análogas da condição de advogado;
d) A publicação de informações sobre alterações de morada, de telefone, de fax e de outros dados relativos ao escritório;
e) A menção da condição de advogado, acompanhada de breve nota curricular, em anuários profissionais, nacionais ou estrangeiros;
f) A promoção ou a intervenção em conferências ou colóquios;
g) A publicação de brochuras ou de escritos, circulares e artigos periódicos sobre temas jurídicos em imprensa especializada ou não, podendo assinar com a indicação da sua condição de advogado e da organização profissional que integre;
h) A menção a assuntos profissionais que integrem o currículo profissional do advogado e em que este tenha intervindo, não podendo ser feita referência ao nome do cliente, salvo, excecionalmente, quando autorizado por este, se tal divulgação for considerada essencial para o exercício da profissão em determinada situação, mediante prévia deliberação do conselho geral;
i) A referência, direta ou indireta, a qualquer cargo público ou privado ou relação de emprego que tenha exercido;
j) A menção à composição e estrutura do escritório;
k) A inclusão de fotografia, ilustrações e logótipos adotados.
4 - São, designadamente, atos ilícitos de publicidade:
a) A colocação de conteúdos persuasivos, ideológicos, de autoengrandecimento e de comparação;
b) A menção à qualidade do escritório;
c) A prestação de informações erróneas ou enganosas;
d) A promessa ou indução da produção de resultados;
e) O uso de publicidade direta não solicitada;
5 - As disposições constantes dos números anteriores são aplicáveis ao exercício da advocacia quer a título individual quer às sociedades de advogados.
Diga-se que o actual texto do artigo acima transcrito é já o resultado de uma profunda evolução da temática da publicidade, com a adaptação da lei às diversas formas de exercício da advocacia, conjugada com as novas tecnologias e formas de comunicação.
Através da Lei n.º 15/2005 de 26 de Janeiro assistiu-se já à alteração do principio que até então vigorava de proibição de publicidade, passando a ser possível a divulgação de informação objectiva, nomeadamente a identificada no nº2 do então art. 89º do EOA (actual art. 94º nº2), sendo que “constituíram passos importantes desta evolução, determinantes do actual regime inserido no art. 94º o debate e as conclusões finais aprovadas sobre o tema no V Congresso da Ordem dos Advogados, a alteração ao C.D.A.E. na sua versão aprovada em 6/12/2002 e o parecer interpretativo, de pendor actualista, aprovado no Conselho Geral em 17 de Janeiro de 2003 – Parecer E 41-02 publicado no Boletim da Ordem dos Advogados nº24/25 de 2003, pág. 76.”[1]
À data e na defesa da proibição da publicidade esgrimia-se o argumento de que a advocacia não se podia confundir com uma outra actividade comercial ou industrial, atendendo aos princípios pelos quais se rege o advogado, para além de se considerar que este deve ser procurado pela sua competência e não tendo por base a publicidade ou actividades publicitárias que podem levar ao engano. Defendia-se também que “o princípio da proibição da publicidade (...) tem por fim evitar que os advogados recrutem clientes como os comerciantes ou industriais (...), oferecendo consultas gratuitas ou anunciando talento e honradez como quem anuncia bom café” ([2]).
Contudo, e como acima se disse, veio a ser necessário alterar as regras sobre a publicidade do advogado, passando a defender-se a possibilidade da mesma, com algumas limitações e considerando sempre a dignidade e fins da profissão. Refere-nos, sobre a temática, Bernardo Diniz de Ayala, que: “a proibição genérica da publicidade profissional, imposta pelo n.º 1 do artigo 80.º do EOA, levanta, desde logo, a questão da sua conformidade constitucional. É certo que, como qualquer profissão, a advocacia também tem as suas especificidades e que é exercida também na prossecução de alguns interesses públicos; daí que a lei (o Estatuto da Ordem dos Advogados, no caso) possa prever restrições específicas à actividade publicitária dos advogados. Porém, o que se afigura manifestamente excessivo — e por isso violador do princípio constitucional da proporcionalidade (artigos 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 265.º e 266.º, n.º 2, da Constituição) — é uma proibição genérica de toda a publicidade profissional. Se o artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados admite anúncios em jornais, há-de entender-se que os admite, por identidade de razão, noutros meios de comunicação; é o caso, hoje, da internet, que ocupa, enquanto meio de divulgação de informação, um papel semelhante ao do tradicional suporte em papel..”[3]
O actual art. 94º, aprovado com a Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro, manteve, quase na totalidade, a redacção do anterior art. 89º do Estatuto, pelo que as questões que se levantaram sobre a norma em causa, e que acima se referiram, mantém actualidade.
Assim, e acompanhando Fernando Sousa Magalhães, “não obstante a evidente liberalização do regime legal da publicidade dos advogados, subsiste inalterada a barreira entre a publicidade informativa, pessoal e profissional, e a publicidade comercial ou propagandística, comparativas e tendencialmente enganosa, sendo aquela licita e esta ilícita, barreira essa imposta pela exigência do decoro e da dignidade da profissão.”[4]
Também este Conselho, em anterior Parecer relatado pelo Exmº Sr. Dr. Manuel Leite da Silva, referiu que “ Independentemente da discussão sobre a necessidade de impedir que a profissão seja conspurcada por uma qualquer vertente mercantilista ou comercial da profissão, é evidente a liberalização do regime legal da publicidade dos advogados, mas mantendo-se contudo (e bem, a nosso ver) inalterada a necessária e indispensável barreira entre a publicidade informativa, pessoal e profissional e a publicidade comercial ou propagandística, comparativa e tendencialmente enganosa, visando, pela sua essência e definição, a promoção, com vista à comercialização e à potencialização desta, de quaisquer serviços.”[5]
Retomando pois a (actual) redacção do 94º do EOA, é óbvio que os advogados podem publicitar o exercício da sua actividade, com respeito, nomeadamente, dos deveres deontológicos e do segredo profissional e as normas legais sobre publicidade e concorrência. De entre os actos permitidos aos advogados, por se considerar informação objectiva, é indicada como possível ao advogado divulgar “a denominação, o logótipo ou outro sinal distintivo do escritório” (nº2 al. d) do referido artigo, também aplicável ~´as sociedades de advogados pro força do nº5), pelo que será de concluir que o conteúdo da informação que a Requerente pretende integrar no cartaz publicitário está de acordo com o Estatuto e não merece censura.
Questão distinta é saber se colocar o logótipo da sociedade num cartaz publicitário de um cliente é ou não lícito, dado que, na verdade, ele não vem expressamente elencado como acto ilícito de publicidade.
Parece-nos, pois, que a resolução da questão passa por analisar se a forma de publicitar o logótipo da sociedade Requerente e o fim está em conformidade com os valores que o artigo de que vamos falando pretende salvaguardar.
Dir-se-á que, colocar um logótipo num cartaz de um cliente com o objectivo de lhe atribuir um “selo de qualidade” ou de “certificar a boa qualidade do seu trabalho”, como refere a Requerente, não é um escopo da actividade de advogado, nem a publicidade do escritório pode ter esse fim comercial ou propagandístico. A utilização de um logótipo, nos termos previstos no Estatuto, está direccionada para a divulgação da actividade profissional de um advogado e/ou de uma sociedade de advogados, e não para a divulgação (ou publicidade) da actividade de terceiros, nomeadamente de um cliente.
Por outro lado – e apesar de a Requerente afirmar que a pretensão não é publicitar a sociedade de advogados – certo é que, o logótipo colocado num painel publicitário iria sim publicitar a actividade da sociedade Requerente e o comum cidadão poderia ficar com a ideia de que esta se dedicava também à promoção imobiliária, o que não corresponde à verdade, pelo que a informação divulgada não era objetiva nem verdadeira.
Ainda e por fim, parece-nos que tal publicidade é também passível de colocar em crise a dignidade e o papel ético da profissão, pois existe uma inevitável associação entre os serviços jurídicos e outras entidades ou serviços que fossem também ali divulgados, (entidades bancárias, atelier de arquitectura, etc), o que determinaria uma mercantilização da prestação da actividade de advocacia e a criação da ideia de parceria entre todas as entidades, o que nos parece ser de censurar face ao teor do art. 94º do EOA.
III –
- Nos termos do art. 94º do EOA, os advogados podem publicitar o exercício da sua actividade, desde que o façam com respeito, nomeadamente, dos deveres deontológicos, do segredo profissional e as e das normas legais sobre publicidade e concorrência;
2. De entre os actos permitidos aos advogados, por se considerar informação objectiva, é possível ao advogado divulgar “a denominação, o logótipo ou outro sinal distintivo do escritório” (nº2 al. d) do artigo94º , também aplicável às sociedades de advogados pro força do nº5);
- A utilização de um logótipo, nos termos previstos no Estatuto, está direccionada para a divulgação da actividade profissional de um advogado e/ou de uma sociedade de advogados, e não para a divulgação (ou publicidade) da actividade de terceiros, nomeadamente de um cliente.
- A colocação de um logótipo de um advogado/sociedade de advogados num cartaz publicitário de um cliente que se dedica à promoção imobiliária, em conjunto com outras entidades, viola o art. 94º do EOA, pois a informação prestada não é objetiva e a forma de efectuar a publicidade coloca em causa a nobreza e dignidade da profissão.
É este o nosso parecer
[1] Fernando Sousa Magalhães, Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado, 10ª Edição, 2015, pg 147
[2]Orlando Guedes Costa, Dos Pressupostos do Exercício da Advocacia e da Publicidade do Advogado, Lisboa, 2000, p. 92.
[3] Processo 30.614 , do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Agosto de 2003, disponível em www.oa.pt
[4] Fernando Sousa Magalhães, Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado, 10ª Edição, 2015, pg 148
[5] In Processo de Parecer n.º 21/PP/2018, disponível em www.oa.pt
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