Parecer Nº 9/PP/2019-C
PROCESSO DE PARECER N.º 9/PP/2019-C
Requerente – Dra AB…
Objeto: Caducidade de apoio judiciário
Por requerimento entrado no Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, via e-mail, a Advogada requerente solicita “seja emitido um parecer sobre a validade do apoio judiciário em apreço, sendo que por parte do Cartório Notarial em causa, simplesmente recusou o processo de inventário, o que levou à não confirmação dos meus honorários, vários meses de atendimento, estudo e elaboração de processo de inventário, para a final ver recusado o meu pedido de honorários”.
São do conhecimento do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados os seguintes elementos:
1. A montante do pedido de parecer, encontra-se a nomeação, no âmbito do processo AJ …/2016, da Senhora Advogada Requerente, em 21 de janeiro de 2016, como patrona de beneficiário de proteção jurídica, para propositura de ação de inventário;
2. Em 23 de fevereiro de 2016, veio a Senhora Advogada requerer a prorrogação do prazo de propositura de ação “até outubro de 2017, por se tratar de um processo de partilha de bens pós-divórcio e ainda estar a aguardar documentos essenciais, assim como a regularização da situação económica da parte contrária”. Acrescentando, ainda, que “tendo sido estipulado através de contrato promessa que a mesma partilha só será realizada partir de agosto de 2017”;
3. Sobre tal pedido de prorrogação de prazo recaiu despacho, datado de 29 de fevereiro de 2016, que deferiu a prorrogação do prazo a que alude o n.º 2 do artigo 33.º da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais pelo período de 90 dias;
4. Depois de tal data, a Senhora Advogada Requerente não solicitou nova prorrogação de prazo para propositura da ação;
5. Por vicissitude de “não confirmação dados (2ª devolução IGF)”, criada pela Senhora Advogada Requerente em 12 de novembro de 2018, a mesma anexou um despacho proferido, em 23 de outubro de 2017, no processo de inventário que terá intentado (sendo certo que do despacho consta, desconhece-se se por lapso, tratar-se de inventário para pôr termo à comunhão hereditária);
6. O citado despacho, pelo que no mesmo é descrito, pronuncia-se sobre requerimento apresentado pela Ilustre Patrona (cujo conteúdo se desconhece) em que junta ao processo ofício da Ordem dos Advogados que defere o pedido de prorrogação de prazo de propositura da ação acima identificado, dizendo que “não se apresenta, nem se encontra justificativo legal para afastar o prazo de caducidade apresentado no artigo 11º nº 1, alínea b) da Lei 34/2004 de 29 de julho. No seguimento do acima exposto, mantém-se o decidido no despacho anterior (…), recusando-se o recebimento do requerimento inicial relativo ao processo acima referenciado, nos termos do art.º 558.º alínea f) do CPC, ex vi do artigo 82º do RJPI, considerando-o como não apresentado nos termos do artigo 5º nº 3 da Portaria nº 278/2013 de 26 de agosto (com as alterações introduzidas pela Portaria 46/2015 de 23 de fevereiro)”;
7. Perante a criação da vicissitude identificada, foi a Senhora Advogada Requerente notificada para esclarecer o que pretendia do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, tendo sido na sequência de tal notificação que a mesma veio pedir a emissão do presente parecer.
Considerando que se encontram reunidos todos os pressupostos para emissão deste Parecer, e que esta questão é, territorial e hierarquicamente, assunto sobre o qual este Conselho Regional se deve pronunciar, foi este processo entregue à aqui Relatora.
Atendendo aos elementos acima sumariamente enunciados, a questão colocada a este órgão prende-se com os efeitos do decurso do tempo no benefício de proteção jurídica concedido.
Nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, a proteção jurídica caduca “pelo decurso do prazo de um ano após a sua concessão sem que tenha sido prestada consulta ou instaurada ação em juízo, por razão imputável ao requerente” (leia-se, ao beneficiário de proteção jurídica). Assim, não tendo sido instaurada a ação que motivou o pedido de proteção jurídica dentro do prazo de um ano após a sua concessão, a caducidade do benefício de proteção jurídica pelo decurso do prazo só ocorre se o atraso na propositura da ação for da responsabilidade do beneficiário de proteção jurídica, ou seja, se a inércia se dever a negligência censurável do requerente de proteção jurídica. Por contraponto, não ocorre a caducidade do benefício da proteção jurídica se tal inércia for da responsabilidade do patrono nomeado.
Assim, para que seja proferida decisão que declare a caducidade do benefício de proteção jurídica é necessário que o decisor[1] possua elementos que demonstrem a responsabilidade do requerente de proteção jurídica no decurso do prazo de um ano, ou seja, que o seu comportamento negligente e censurável tenha sido causal da não propositura da ação no prazo de um ano. São exemplos típicos de tal comportamento negligente a falta de apresentação pelo beneficiário de documentos ou informações essenciais, o não comparecimento do mesmo a reuniões agendadas pelo patrono nomeado, etc. Inexistindo tais elementos, não pode o benefício ser declarado caduco.
Ora, no caso concreto, o pedido de prorrogação do prazo de propositura da ação apresentado pela Ex.ma Senhora Advogada Requerente, acima mencionado, é parco nas explicações apresentadas, não sendo possível aferir se as causas da demora são ou não imputáveis ao beneficiário. Na verdade, a Ex.ma Senhora Advogada Requerente limita-se a afirmar que se encontra a aguardar documentos essenciais, não referindo se a demora na sua obtenção se deve ou não à beneficiária. Acrescenta, ainda, se encontrar a aguardar a “regularização da situação económica da parte contrária” e que terá sido estipulado “através de contrato promessa que a mesma partilha só será realizada a partir de agosto de 2017”. De tais expressões, atenta a exiguidade de informação e elementos, pouco se poderá extrair. Ademais, o pedido de parecer não vem acompanhado do despacho inicial de recusa do recebimento do requerimento inicial, nem se conhecem os elementos que foram ponderados ou fornecidos por forma a se avaliar da caducidade do benefício de proteção jurídica concedido, pelo que sobre os mesmos não é possível a pronúncia.
CONCLUINDO,
Não tendo sido instaurada a ação que motivou o pedido de proteção jurídica dentro do prazo de um ano após a sua concessão, a caducidade do benefício de proteção jurídica só ocorre se o atraso na propositura da ação for da responsabilidade do beneficiário de proteção jurídica, ou seja, se a inércia se dever a negligência censurável do requerente de proteção jurídica.
Este é o nosso Parecer.
[1] Questão diversa é saber quem é o “decisor” para estes efeitos. Apesar de não ser matéria questionada na solicitação de parecer, sempre se dá conta da existência de divergência doutrinal sobre quem recai a competência para declarar a caducidade do benefício. No sentido de que tal decisão compete aos serviços da segurança social, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de setembro de 2017, proferido no processo 1528/17.9T8VFR-A.P1. Em sentido contrário, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de maio de 2017, proferido no processo 11786-15.8T8LRS.L1-6.
Paula Fernando
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