Parecer Nº 20/PP/2017-C
Processo de Parecer n.º 20-PP-2017-C
Por comunicação efectuada por correio eletrónico dirigida a este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Exmª Srª. Drª. CO..., advogada, com escritório em …, veio requerer que este se pronuncie sobre questão que ali coloca, invocando que trabalha em regime de avença na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL, instituição bancária com sede em … que “esta instituição aceita acolher um advogado estagiário” desde que a Srª Advogada requerente seja patrona do mesmo e assegure a orientação do estágio, justificando que se desloca à referida instituição bancária quase diariamente, ”podendo por isso, assegurar a orientação de um estágio de forma adequada” e, assim questiona se, tendo em conta que o advogado estagiário teria como local de estágio a sede daquela instituição e não o escritório da Srª Advogada requerente, se existe obstáculo legal ou estatutário “em ser promovido este estágio”.
Atento o disposto na alínea f) do nº 1 do artº 54º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) e competindo ao Conselho Regional, no âmbito da sua competência territorial, pronunciar-se sobre questões de carácter profissional – que são as intrinsecamente estatutárias, ou seja, as que decorrem dos princípios, regras e praxes que comandam e orientam o exercício da Advocacia, nomeadamente as que relevam das normas do Estatuto da Ordem dos Advogados e do universo de normas emergentes do poder regulamentar próprio reconhecido por lei e pelos órgãos da Ordem – cumpre emitir o solicitado parecer respondendo à questão colocada.
O artigo 191º do EOA, no seu nº 1, sob a epigrafe de objetivos do estágio e sua orientação, dispõe que “o pleno e autónomo exercício da advocacia depende de um tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar publicamente que o candidato obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada ao início da atividade (…)”
E o artigo 192º, nº 1 do EOA, incidindo sob o patrono, formaliza o papel central e fundamental deste no processo de estágio, dispondo que “os patronos desempenham um papel fundamental ao longo de todo o período de estágio, sendo a sua função iniciar e preparar os estagiários para o exercício pleno da advocacia”.
Na senda desse papel central do patrono tradicional, o nº 4 do artigo 195º do EOA refere que “a segunda fase de estágio visa uma formação alargada, complementar e progressiva dos advogados estagiários através da vivência da profissão, baseada no relacionamento com os patronos tradicionais (…)”. Este normativo acentua a relevância da formação prática tutelada, através da vivência regular e constante com o patrono, na segunda fase da formação complementar.
Por sua vez, o Regulamento Nacional de Estágio (Regulamento nº 913-A/2015 publicado no DR, II Série, de 22 de Dezembro de 2015, doravante Regulamento) no seu artigo 1º, nº 1, define em termos análogos ao do artigo 192º do EOA os objetivos do estágio e o seu nº 2 refere que “a formação técnico-profissional e deontológica referida no número anterior é assegurada pelo exercício da profissão sob a orientação e acompanhamento efetivos do patrono (…)” salientando-se assim, uma vez mais, o papel primordial do patrono.
Aliás, por certo não haverá advogado que não saiba bem, pela experiencia adquirida, a dimensão absolutamente fundamental — quantas vezes determinante do futuro Advogado – do papel do Patrono e da importância do seu acompanhamento, recíproco, no escritório e fora dele, para aquele necessário tirocínio.
O artigo 2º do Regulamento, determinando as fases e a duração do estágio, preceitua que ”A segunda fase do estágio visa o desenvolvimento e aprofundamento progressivos das exigências práticas da Advocacia através da vivência da profissão baseada no relacionamento do Advogado estagiário com o patrono e o seu escritório (…)”
E, o artigo 16º do Regulamento, sobre a epigrafe de “obrigações do patrono”, estabelece desde logo, na sua alínea a) “permitir ao Advogado estagiário o acesso ao seu escritório e a utilização deste, nas condições e com as limitações que venha a estabelecer”, reforçando este dever, na alínea g) deste artigo, ao afirmar que o patrono tem o dever de “facilitar ao Advogado estagiário o acesso à utilização dos serviços do escritório (…)”
Por sua vez, o artigo 18º do Regulamento, onde elenca os deveres do Advogado estagiário, impõe logo na sua alínea a) a obrigação de “observar escrupulosamente as regras, condições e limitações admissíveis na utilização do escritório do patrono", obrigação esta que de forma idêntica está prevista no artigo 196º, nº 4 do EOA.
É assim claro que o estágio com o patrono tradicional tem uma especial ligação ao escritório deste, onde o Advogado estagiário vai se inteirando e interiorizando a vivência da profissão e onde se cimenta a necessária relação entre o patrono e o Advogado estagiário e como tal, viola as disposições supra citadas um advogado estagiário que, ao invés de aceder, frequentar e utilizar o escritório do seu patrono, esteja confinado às instalações ou escritório de um qualquer cliente do patrono.
Ou seja, a pretensão da Srª Advogada requerente tem que ser frontalmente rejeitada, sendo o local do estágio obrigatoriamente o escritório do patrono.
Conclusão
A preparação e o acompanhamento do Advogado estagiário pelo patrono, visando o exercício pleno da advocacia por este, implica a vivência do Advogado estagiário com o escritório do patrono, não sendo admissível, por violar o disposto nos artigos 192º, nº 1 e 5, alínea a) do Estatuto da Ordem dos Advogados e artigos 1º, nº 2, 2º, nº 4, 15º, nº 1 e 16º, alíneas a) e g), todos do Regulamento Nacional de Estágio, que o local do estágio seja outro que não o do escritório do patrono.
É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Manuel Leite da Silva
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