PARECER Nº 4/PP/2024-C
Processo de Parecer n.º 04/PP/2024-C
Requerente: HJJA...
Assunto: Conflito de Interesses
Por requerimento, remetido por via de correio electrónico, em 17 de fevereiro de 2024, dirigida à Senhora Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, o Sr. HJJA..., ali devidamente identificado, solicitou a emissão de parecer relativo a eventual conflito de interesses, o qual se transcreve infra:
“HJJA..., divorciado, portador do Cartão de Cidadão, emitido pela República Portuguesa, com o número de identificação civil 1055… 8ZX2, válido até 28/12/2028, NIF 2055…, vem pelo presente meio requerer a emissão de Parecer sobre a existência de conflito de interesses do Ilustre Mandatário Dr. DNS..., com a Cédula Profissional 107…L, no Processo de Inventário n.º 122/23.0T...A, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de L... – Juízo de Família e Menores de Al..., o que faz nos seguintes termos:
- o aqui requerente casou com EMF..., NIF 1884…, em 27 de julho de 2002;
- o casamento foi dissolvido por divórcio sem consentimento do outro cônjuge. Convolado em divórcio por mútuo consentimento, em 14 de abril de 2023, com efeitos a retroagir ao dia 01-12-2021, cfr Ata de Tentativa de Conciliação – Tribunal Judicial da Comarca de L... – Juízo de Família e Menores de Al..., Proc. 122/23.0T...;
- Foram mandatários da Autora o Sr. Dr. DNS... e do Réu a Sra. Dra. SNS...;
- Pese embora tenha manifestado à, então, minha mandatária Il. Dra. SNS... o meu descontentamento e não concordância com a representação da Autora pelo Dr. DNS..., nada foi feito em sentido contrário ...
- Atualmente, tendo requerido proteção jurídica, nas modalidades de nomeação de advogado e de dispensa de taxa de justiça e demais encargos para intentar ação de Inventário, a mesma foi deferida;
- A minha ex-mulher, ora cabeça de casal, encontra-se representada, na ação de inventário, pelo Dr. DNS..., tendo requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
- Ora, não posso deixar de questionar e solicitar o parecer a V. Ex.ª uma vez que o Dr. DNS..., enquanto vigorava o casamento entre mim e a EMF..., desenvolveu, para a nossa família, trabalhos de cariz jurídico, de advocacia...
- ... entre os quais, por ex., efetuou várias diligências no sentido de adquirirmos um imóvel – uma loja - na Benedita, que agora a Cabeça de Casal vem alegar ter sido comprada só para ela, com verbas doadas pelo pai...
- ... a escritura de compra e venda foi realizada por MS..., solicitadora CP 25…, à data casada com o ora mandatário da cabeça de casal;
- o Dr. DNS..., tem conhecimento de vários assuntos através de reuniões realizadas no seu escritório em Torres Novas, de contactos telefónicos, etc., referentes aos nossos negócios enquanto casal, bem como de assuntos do pai da minha ex-mulher, em que eu e a EMF... tivemos de intervir...
- ... ou seja, sabe muito da nossa vida enquanto ainda eramos um casal, chegou a frequentar a nossa casa, teve momentos de lazer/convívio connosco...
- ... pelo que tem conhecimentos da nossa vida, que estão a ser utilizados para me prejudicar e beneficiar a minha ex-mulher ...
- ... mormente porque as situações de dívidas a entidades bancárias, impostos e segurança social, que têm vindo a aumentar, estão a ser imputadas aos dois, mas tudo o que foi conseguido (bens imóveis) enquanto eramos um casal, estão a alegar que são património apenas da minha ex-mulher...
... podendo existir conflito de interesses e bem assim, por parte do Dr. DNS..., a violação do dever de segredo profissional, com favorecimento da minha ex-mulher em meu detrimento.
Face ao exposto solicito a V. Ex.ª que me seja esclarecido se a atuação do Sr. Dr. DNS... ou qualquer outro advogado daquele escritório, consubstancia ou não uma situação de conflito de interesses, sendo impeditiva do patrocínio da EMF..., Cabeça de Casal, no processo de inventário supra identificado.
Pede deferimento.”
Tendo o supra referido pedido de parecer sido devidamente instruído com todos os elementos relevantes, foi o mesmo distribuído ao aqui Relator, em 01 de março de 2024, para emissão do correspondente parecer.
Em suma, o Consulente pretende que o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados se pronuncie relativamente a um eventual conflito de interesses, do mandatário da sua ex-mulher em processo de Inventário, subsequente ao processo de divórcio, considerando que, na pendência do matrimónio, o mesmo causídico assumiu a representação e o aconselhamento jurídico do casal em vários negócios, incluindo o negócio de aquisição de um imóvel pelos mesmos. Alega ainda o Consulente que, ao longo desse período, o Ilustre Colega, por força do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, tomou conhecimento de diversos factos que, presentemente, no âmbito do já referido processo de Inventário, estarão a ser utilizados em seu prejuízo, para benefício da sua ex-mulher.
Feito o enquadramento do pedido de parecer efectuado, cumpre, neste momento, aferir da competência do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados para a respectiva emissão.
Nos termos do disposto no artigo 54º, nº 1 alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de setembro, na sua versão actual (doravante designado por EOA), que compete aos Conselhos Regionais, no âmbito da sua competência territorial, “Pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional;”.
A jurisprudência da Ordem dos Advogados tem sido unânime em definir como questões de carácter profissional todas as que assumam natureza estatutária, resultantes de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas dos Estatuto e de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio conferido à Ordem dos Advogados.
Considerando, de acordo com o supra vertido, que este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados é competente, material e territorialmente, cumpre emitir parecer quanto à questão suscitada no presente processo.
Compulsado o teor do requerimento apresentado pelo Consulente, é possível distinguir duas questões que cumpre analisar, para efeitos do presente parecer, ambas decorrentes da conduta profissional do Ilustre Colega, agora mandatário da ex-mulher do primeiro, um eventual conflito de interesses e a possível violação de segredo profissional.
As questões suscitadas pelo Consulente são de foro deontológico, concretamente sobre a relação entre o advogado e o cliente e, bem assim, sobre eventual conflito de interesses entre o mesmo e o cliente que representa ou quer representar, podendo também verificar-se uma violação do segredo profissional, um dos mais importantes princípios gerais norteadores do exercício da advocacia.
No que tange ao conflito de interesses, importa examinar o seu contexto jurídico para, de seguida, verificar a sua aplicabilidade à situação em análise.
A problemática do conflito de interesses no exercício da advocacia encontra-se regulada no artigo 99.º do EOA, que dispõe o seguinte:
Artigo 99.º
Conflito de interesses
“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.
2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.
3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.
5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”
O supra citado normativo salvaguarda e preserva valores essenciais da advocacia como a independência, confiança e lealdade e, bem assim, a salvaguarda do segredo profissional.
O artigo 99º do EOA enuncia, nos seus números 1 e 2, situações que determinam, ao advogado, a recusa, perentória, do patrocínio.
Assim, o advogado deve abster-se de assumir o mandato:
- Em questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade;
- Em questão conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária;
- Em questão contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.
O nº 3 do citado artigo determina ainda que o advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
Por seu turno, o nº 4 dispõe sobre a hipótese de um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como, sobre a hipótese de ocorrer risco de violação do segredo profissional ou diminuição da sua independência, situações em que o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.
Nos termos do n.º 5, o advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, procurando-se, assim, defender a comunidade e os clientes dos advogados em especial, de atuações ilícitas destes, conluiados ou não, com outros clientes, bem como, defender o advogado da hipótese de sobre ele recair a suspeita de uma atuação visando qualquer outro fim, que não a defesa intransigente dos direitos e interesses do seu cliente.
Finalmente o nº 6 determina que sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores do artigo 99º do EOA é aplicável quer à associação quer a cada um dos seus membros.
Sendo certo que, em regra, o processo de aferição da existência ou não de um conflito de interesses é um exercício eminentemente casuístico, certo é que o legislador estabelece, a priori, alguns casos em que o conflito de interesses impõe um dever de recusa do patrocínio, não porque em concreto e no imediato se verifique o conflito de interesses, mas porque, objetivamente, as circunstâncias, em si mesmo, promovem esse conflito.
Ao longo do tempo, o Conselho Regional de Coimbra tem proferido inúmeros pareceres sobre o conflito de interesses, sendo entendimento recorrente que é ao advogado que cabe a responsabilidade maior de avaliar, casuisticamente, se ocorre, ou não, uma situação de conflito de interesses.
Genericamente, o advogado não se encontra impedido de exercer patrocínio contra um anterior cliente desde que o patrocínio não configure uma situação de conflito de interesses.
Como já se referiu, o artigo 99º do EOA pretende evitar o risco sério, ainda que meramente potencial, de um conflito de interesses entre clientes, ou ex-clientes do causídico, quando os mesmos acabam em lados diferentes da barricada.
Compulsado o teor do requerimento apresentado nesta matéria, parece-nos evidente que a factualidade tem enquadramento no supra citado artigo.
Senão vejamos, o consulente contraiu casamento com a Sra. EMF..., em 27 de Julho de 2002.
Esse casamento foi dissolvido em processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, convolado em divórcio por mútuo consentimento, em 14 de abril de 2023, com efeitos a retroagir ao dia 01 de dezembro de 2021.
Sucede que, na pendência do matrimónio, o Ilustre Colega desenvolveu diversos trabalhos de natureza jurídica para o, então, casal.
Da factualidade referida pelo Consulente destaca-se, com relevo para o presente parecer, a participação activa do Ilustre Colega no negócio de aquisição de “um imóvel – uma loja - na Benedita, que agora a Cabeça de Casal vem alegar ter sido comprada só para ela, com verbas doadas pelo pai...”.
Em consequência do supra transcrito, é inequívoco o conflito de interesses entre o Consulente e a sua ex-mulher, pelo menos, no que se refere à natureza jurídica do imóvel, elencado no processo de Inventário, factualidade subsumível no artigo 99º nº 1 do EOA que, recorde-se, refere, taxativamente, que um advogado deve recusar o patrocínio de uma questão que seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária.
Tem sido entendimento pacifico da Ordem que existe conexão “quando se verifique uma “relação evidente entre várias causas, de modo que a decisão de uma dependa das outras ou que a decisão de todas dependa da subsistência ou valoração de certos factos”, conforme Parecer do Conselho Geral nº E-14/00, aprovado em 13 de Outubro de 2000.
Aplicando-se o enunciado conceito de conexão à factualidade invocada pelo Consulente, temos de concluir que existe uma evidente conexão entre o negócio e a aquisição do imóvel pelo então casal e o divórcio e a partilha para separação de meações, sendo certo que o primeiro já ocorreu e a segunda está em curso, sendo o inventário para separação de meações dependente do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.
Pelo exposto, será de concluir que existe evidente conflito de interesses que, nos termos do disposto no artigo 99º nº 1 do EOA, impedia o Ilustre Colega de aceitar o patrocínio da questão.
O Consulente alega ainda que o Ilustre Colega está a usar factos de que tem conhecimento da vida do casal, em benefício da sua constituinte, em prejuízo do mesmo, sendo que os mesmos terão sido adquiridos por via do exercício das suas funções como advogado e também porque partilhou momentos de lazer/convívio com o casal que era seu cliente.
À semelhança do que foi feito anteriormente, importa enquadrar juridicamente a obrigação de sigilo profissional do advogado.
Dispõe o artigo 92º do EOA, no seu nº 1 nos diz que “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
Dispõe o nº 2 daquele artigo que “A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.”.
O nº 3 determina que “O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.”.
O nº 4 daquele artigo dispõe da seguinte forma: “O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.”.
O nº 5 diz-nos que “Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.”.
Do exposto resulta a regra da absoluta confidencialidade dos factos de que o Advogado tenha conhecimento, direta ou indiretamente, no exercício das suas funções, ou por causa delas.
O sigilo profissional é pedra angular da advocacia, assente na relação de confiança entre o advogado e o seu cliente, na função social da mesma, de interesse público, e na coesão da classe. O segredo profissional é considerado “um dos pilares em que (...) [esta] firma a sua dignidade e independência” e, simultaneamente, “condição da sua existência” (cfr. Fernando Fragoso Marques, ROA, Ano 59, Vol. I, pg. 379).
Para se determinar a vinculação, ou não, ao segredo profissional é necessário averiguar se os factos têm enquadramento em alguma das alíneas, meramente enunciativas, ou se têm cabimento na cláusula geral do já referido artigo 92º nº 1 do EOA.
Assim sendo, nem tudo que chega ao conhecimento de um advogado no exercício funcional da sua atividade está sujeito ao dever de sigilo. Com efeito existem factos que o mesmo terá, inevitavelmente, de partilhar, com terceiros ou no foro judicial, e outros que, muito embora sejam fruto do exercício de funções, não estão sob a sua égide.
Certo é que, aqueles que se encontram a coberto do sigilo, só em casos muto excecionais, que se encontram previstos na lei, podem ser revelados pelo advogado, recorrendo, para o efeito, ao mecanismo da dispensa de segredo profissional.
O Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados tem proferido inúmeros pareceres acerca do segredo profissional, sendo recorrente o entendimento de que a norma do nº 1 do artigo 92º do EOA terá, inevitavelmente, de ser interpretada de forma muito restritiva, sujeitando, em regra, o advogado ao dever de segredo, pelos motivos já referidos anteriormente.
Feito este enquadramento, ainda que de forma abreviada, importa dissecar o requerimento do Consulente, porque tal se reveste de particular importância para a decisão a proferir.
Refere o Consulente que o Ilustre Colega “tem conhecimentos da nossa vida, que estão a ser utilizados para me prejudicar e beneficiar a minha ex-mulher ...”, resultando do exposto que esses conhecimentos lhe advieram por duas vias distintas, por via profissional, no exercício da advocacia em representação do casal, mas também por via das relações pessoais que com eles manteve porque “enquanto ainda eramos um casal, chegou a frequentar a nossa casa, teve momentos de lazer/convívio connosco...”.
Sucede que nem todos os factos estão sujeitos a segredo profissional. Com efeito, como já se referiu, o seu carácter sigiloso resultará, obrigatoriamente, de uma análise casuística, com recurso ao designado “triplo crivo”, que se traduz no seguinte exercício analítico:
a) Como o é que o advogado teve conhecimento do facto, quem o divulgou e em que quadro fáctico;
b) Do teor do próprio facto;
c) Das concretas circunstâncias do conhecimento e da revelação.
Atento o supra referido e considerando o relatado pelo Consulente, nesta matéria, ainda que de forma abstracta e não concretizada, conclui-se que os factos de que o Ilustre Colega teve conhecimento, por força da relação de amizade com os seus, também, clientes não se encontram a coberto do sigilo profissional.
Refere ainda o Consulente que “... mormente porque as situações de dívidas a entidades bancárias, impostos e segurança social, que têm vindo a aumentar, estão a ser imputadas aos dois, mas tudo o que foi conseguido (bens imóveis) enquanto eramos um casal, estão a alegar que são património apenas da minha ex-mulher...”.
Porém, o Consulente não concretiza os factos que, no seu entender, evidenciam que o Ilustre Colega violou a obrigação de segredo profissional, nem estabelece uma relação directa e evidente entre o alegado incumprimento do sigilo, o aumento das dívidas do casal ou a natureza jurídica controversa dos bens que compõem o património conjugal.
Pelo exposto, entendemos que, nesta matéria, inexistem elementos que permitam concluir, pela existência de violação da obrigação de sigilo profissional a que o Ilustre Colega está vinculado, em virtude da revelação de factos de que obteve conhecimento por via do exercício das suas funções enquanto advogado do Consulente.
Conclusões:
1. A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da Advocacia concerne, encontra-se regulada no artigo 99.º do EOA, no qual são elencadas as situações concretas em que o Advogado deve recusar o patrocínio, por se afigurar que naqueles casos concretos a independência, confiança, lealdade e dever de guardar sigilo profissional, podem ficar irremediavelmente comprometidos.
2. O Advogado deve recusar o patrocínio de uma questão conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.
3. O Advogado que assuma a representação da Requerente e cabeça de casal em processo de inventário para separação de meações subsequente a divórcio judicial, no qual venha a surgir uma situação de conflito de interesses deve cessá-la, renunciando imediatamente ao mandato que lhe foi conferido.
4. Para se determinar a vinculação, ou não, ao segredo profissional, com a consequente sujeição à regra da absoluta confidencialidade, é necessário averiguar se os factos de que o Advogado teve conhecimento, direta ou indiretamente, no exercício das suas funções, ou por causa delas, têm enquadramento em alguma das alíneas, meramente enunciativas, ou se têm cabimento na cláusula geral do já referido artigo 92º nº 1 do EOA.
5. A emissão de um juízo sobre a violação do dever de segredo profissional pressupõe a concretização dos pertinentes factos no pedido de parecer.
6. Os factos cujo conhecimento advenha de uma relação de amizade com os clientes não se encontram a coberto do sigilo profissional.
Por se afigurar que os factos que integram o presente parecer podem consubstanciar infração de natureza disciplinar determina-se a emissão de certidão do mesmo e a sua remessa ao Conselho de Deontologia de Coimbra, para os efeitos tidos por convenientes.
É este o nosso parecer.
Carlos Santos Silva
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