Pareceres do CRCoimbra

PARECER Nº 6/PP/2024-C e 7/PP/2024-C

Processo de Parecer n.º 06/PP/2024-C

Requerente: Julgado de Paz dos Concelhos de Be...,

Processo de Parecer nº 07/PP/2024-C

Requerente: Dra. AAP...

 

Assunto: Cessação do patrocínio oficioso (legitimidade e competência)

 

Por oficio datado de 11 de março de 2024, dirigido à Senhora Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, sob o assunto, “Pedido de esclarecimento”, veio o Senhor Juiz de Paz, Dr. JJB..., em funções no Julgado de Paz do Agrupamento dos Concelhos de Be...,, requerer a devida pronúncia deste órgão quanto aos poderes dos juízes de paz para a cessação do Apoio Judiciário, na modalidade de nomeação de defensor oficioso para promover pela citação pessoal de ausente.

O mencionado pedido foi instruído com certidão da ata da Audiência de Julgamento extraída do Processo nº 212/2023-JP....

O expediente foi autuado pelos serviços administrativos do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, como Processo de Parecer a que foi atribuído o nº 06/PP/2024-C.

Por sua vez, no dia 13 de março de 2024, por comunicação de correio eletrónico expedida pela Ilustre Advogada AAP..., titular da Cédula Profissional nº 14…L, com domicílio profissional na Rua …, sob o assunto “Exposição com pedido de despacho e parecer”, foi requerida ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, idêntica pronúncia da acima indicada, tendo sido, pela Ilustre requerente relatada, grosso modo, a mesma factualidade.

O pedido formulado pela Ilustre Advogada foi autuado pelos serviços administrativos do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados como Processo de Parecer a que foi atribuído o nº 07/PP/2024-C.

As comunicações acima melhor identificadas foram ambas presentes à Sessão do Conselho Regional de Coimbra realizada no dia 15 de março de 2024 para apreciação liminar e distribuição a Relator, sendo que, em face da identidade da fatualidade descrita e dos pedidos formulados foram, por decisão unânime dos Conselheiros, objeto de apensação e, consequentemente, convolados num único pedido de parecer nos termos que a seguir se emitirá.

Por uma questão de sistematização e facilidade de compreensão das questões a tratar, importa, como questão prévia, concatenar a factualidade relevante. Assim, da análise das exposições apresentadas e da documentação de instrução, temos que:

1 – Por ofício nº 9275346-A, datado de 31 de janeiro de 2024, a Dra. AAP..., foi nomeada Patrona do Centro Social do Al..., Demandado no âmbito do Processo nº 212/2023 que corre termos no Julgado de Paz de Be...;

2 – A sobredita nomeação de defensor oficioso ocorre em cumprimento da solicitação endereçada a Exma. Senhora Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, expedida por correio eletrónico em 30 de janeiro de 2024, sob o assunto “Pedido de nomeação de defensor ao Demandado Centro Social do Al...”, nos seguintes termos: “JJB..., Juiz de Paz, a exercer funções no Julgado de Paz do Agrupamento de Concelhos de Be..., vem por este meio requerer a V.Exa., face à frustração da citação por via postal do Demandado ausente Centro Social do Al..., melhor identificado nos autos à margem supra referenciados que proceda à nomeação de Ilustre Defensor para que este assegure a defesa do ausente no processo nº 212/2023 que corre termos no Julgado de Paz de Be....

Este pedido é formulado por esta via devido a problemas na aplicação informática dos Julgados de Paz que nomeia Senhores Advogados com domicílios profissionais que se situam em Be..., áreas da competência territorial deste Tribunal.

Face ao supra exposto aguardamos a resposta de V.Exa. para que possa ser ordenada a citação do Demandado na pessoa do Ilustre Defensor que vier a ser nomeado.

Com os nossos melhores cumprimentos,

O Juiz de Paz Coordenador,

JJB...”

3 – Na qualidade de Patrona nomeada a Ilustre Advogada AAP... encetou as diligências ao seu alcance, apenas tendo logrado estabelecer contato telefónico com o Legal representante do Demandado que, por esta via, lhe transmitiu as razões de fato que verteu na Contestação que viria a apresentar nos autos;

4 – Não sem antes informar o dito legal representante da Demandada que lhe assistia o direito de mandatar Advogado da sua confiança ou, caso assim entendesse, apresentar por si a defesa tida por conveniente;

5 – Na data da Audiência de Julgamento, por indicação expressa de conveniência que lhe foi transmitida pela Ilustre Advogada, o Legal representante da Demandada compareceu pessoalmente no Julgado de Paz de Be..., tendo tal informação sido veiculada ao Senhor Juiz de Paz;

6 – Aberta a Audiência de Julgamento na data e hora agendadas (8 de março de 2024, pelas 15:06h), o Senhor Juiz de Paz proferiu de imediato o despacho que se transcreve:

“Nesta data apresentou-se nas instalações deste Julgado de Paz o Presidente do Demandado Centro Social do Al..., melhor identificado nos autos. Nesse contexto foi diligenciada a citação pessoal do mesmo em representação do Demandado e, em consequência, atendendo a que os processos que correm nos Julgados de Paz não exigem a constituição obrigatória de mandatário e a Ilustre Defensora à luz do entendimento perfilhado pelo Sr. Juiz Conselheiro Jubilado CF…, foi nomeada para obviar à obstaculização da tramitação no caso da frustração da citação. Em face disto, cumpre, oficiosamente, determinar a cessação do Apoio Judiciário conferido ao Demandado, pois os seus pressupostos com a presença do seu Presidente, Legal Representante, deixaram de existir. Não podemos deixar de dar uma palavra de apreço pelo trabalho desenvolvido pela Ilustre Advogada AAP... até aqui.”

 7 – A Ilustre Advogada AAP..., insurgiu-se contra o conteúdo do despacho acima transcrito, invocando, além do mais que, a respetiva nomeação foi efetuada pelo Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, sendo esta, em consequência, a única entidade a quem reconhece poderes para fazer cessar o seu patrocínio, a menos que o Demandado tivesse pedido escusa do seu patrocínio ou tivesse constituído mandatário;

8 – Concluiu a Ilustre causídica requerendo a extração de certidão da ata para remessa ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a fim deste órgão se pronunciar quanto a manutenção ou cessação do respetivo patrocínio;

9 – Ato contínuo foi ordenada a extração da certidão requerida e a respetiva remessa ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados para pronúncia sobre a questão suscitada, fazendo constar que o procedimento adotado nos Julgados de Paz em circunstâncias similares é o da cessação das funções do Defensor nomeado ou a respetiva constituição como mandatário.

10 – Prosseguindo, com a notificação do Legal Representante da Demandada – agora citado pessoalmente – para querendo, ratificar o processado;

11 – O Legal Representante da Demandada não anuiu de imediato na ratificação do processado, referindo não prescindir do prazo de defesa de 10 dias;

12 – O Senhor Juiz de Paz, concedeu o prazo de defesa requerido pelo Legal Representante da Demandada e de seguida ordenou o desentranhamento da Contestação apresentada pela defensora, suspendendo a audiência e ordenando a remessa da certidão da ata a este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados para emissão da correspondente pronúncia.

Efetuado este breve introito fatual cumpre apreciar e decidir quanto às questões submetidas a cognição do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados.

Com efeito, ao abrigo do preceituado no artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 45/2015 de 9 de setembro de 2015 (por uma questão de facilidade de exposição doravante designado abreviadamente por EOA), compete aos Conselhos Regionais a pronúncia abstracta sobre questões de carácter profissional que se suscitem na sua circunscrição territorial.

Nos termos pacificamente acolhidos na Ordem dos Advogados, revestem natureza de questões de carácter profissional todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas do Estatuto, bem como, de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio conferido à ordem dos Advogados.

Tratando-se de questão de caráter profissional atinente à manutenção do patrocínio conferido ao defensor oficioso através de nomeação ao abrigo da Lei do Acesso ao Direito (Lei 34/2004 de 29 de julho com as alterações que posteriormente lhe foram introduzidas) e da possibilidade da respetiva cessação oficiosa e, bem assim, verificando-se a concreta situação em análise na área de competência do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, é este órgão material e territorialmente competente para a emissão do (s) parecer (s) solicitado (s), numa pronúncia única, pelas razões acima melhor explicitadas.

A questão a apreciar gravita em torno da interpretação e compatibilização da Lei nº 78/2001 de 13 de julho com as alterações introduzidas pela Lei 42/2013 de 31 de julho, que regula a competência, organização e funcionamento dos julgados de paz e a tramitação dos processos da sua competência (artigo 1º), as normas do Código de Processo Civil (que lhe são aplicáveis subsidiariamente) e as disposições contidas na Lei nº 34/2004 de 29 de julho que regula o Acesso ao Direito.

Os julgados de paz são órgãos de soberania que integram as categorias constitucionalmente previstas de tribunais (artigo 209º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa), incumbindo-lhes a administração da justiça e a defesa dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos, gozando de competência exclusiva em ações declarativas (artigo 6º, nº 1 da Lei 78/2001, de 13 de julho, a que respeitam todos os preceitos a que se aluda daqui em diante sem qualquer outra referência expressa), que versem sobre as matérias taxativamente elencadas no artigo 9º do mesmo diploma e cujo valor não exceda os €15.000,00.

Os procedimentos seguidos pelos julgados de paz pautam-se por critérios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e economia processual (artigo 2º, nº2), iniciando-se o processo com a apresentação do requerimento na secretaria do Julgado de Paz seguindo-se-lhe a citação do demandado (artigo 43º).

O artigo 45º sob a epígrafe “citação do demandado” consigna o seguinte:

“1 – Caso o demandado não esteja presente aquando da apresentação do requerimento, a secretaria deve citá-lo para que este tome conhecimento de que contra si foi instaurado um processo, enviando-lhe cópia do requerimento do demandante.

2 – Da citação devem constar a data da sessão de pré-mediação, o prazo para apresentação da contestação e as cominações em que incorre no caso de revelia”.

Mais dispondo o artigo 46º quanto às formas de citação e notificação, nos seguintes termos:

“1 – As citações e notificações podem ser efetuadas por via postal, podendo, em alternativa, ser feitas pessoalmente, pelo funcionário.

2 – Não se admite a citação edital” (…)

Conforme escorre do preceituado no artigo 63º aos processos tramitados nos Julgados de Paz é subsidiariamente aplicável o Código de Processo Civil, em tudo o que não se mostre incompatível com a Lei que regula os Julgados de Paz e que não contenda com os seus princípios estruturantes.

A citação é nos termos do Código de Processo Civil “o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (…)” (artigo 219º, nº 1 do Código de Processo Civil), dando-lhe a oportunidade de cumprir o respetivo contraditório, que, aliás, constitui um dos princípios estruturantes do Processo Civil (artigo 3º do CPC), corolário do direito constitucional de acesso de todos os cidadãos ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e direito a um processo equitativo. (artigo 20º, nº 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa).

Em face do escopo dos Julgados de Paz que prosseguem uma resolução tendencialmente consensual dos litígios, mais premente se nos afigura o ato de citação de modo que as partes estejam presentes e se envolvam na justa composição do dissídio que as opõe.

 Nesta senda e com especial relevância para o caso que nos ocupa, impõe-se, assim, determinar, à luz dos preceitos legais vigentes, como ultrapassar as situações em que se frusta a citação pessoal do Demandado, por via postal ou através de funcionário e, a partir de que momento se declara que aquele se encontra numa situação de ausência.

De fato, dos elementos carreados para a presente apreciação consta que o Demandado é ausente, sem discriminação das concretas diligências levadas a efeito para prover pela respetiva citação, desconhecendo-se se efetivamente foram excutidas todas as possibilidades de localização do dito Demandado, incluindo a realização das pesquisas a que alude o artigo 236º do Código de Processo Civil e ainda, as razões pelas quais não se promoveu pela citação nos termos conjugados dos artigos 246º, 229º, nº 4 e 5 e 230º todos do mesmo diploma.

Nesta senda, não pode deixar de se referir que a própria qualificação de ausência do Demandado nos suscita algumas reservas, porém, a sindicância da conformidade de tal caracterização extravasa as nossas competências consultivas, pelo que, nos abstemos de considerandos adicionais quanto a essa problemática.

O certo é que, com o amparo do entendimento propugnado pelo Venerando Conselheiro Cardona Ferreira[1], os Julgados de Paz nas situações de ausência do Demandado têm comumente requerido ao órgão competente a nomeação de Defensor Oficioso aos Demandados ausentes, com o intuito de lhe assegurar a correspondente defesa, como aliás sucedeu textualmente no caso em análise.

Sucede que, no âmbito da legislação vigente, designadamente nos termos conjugados do artigo 4º, nº 1, alínea b) da Lei nº 68/2019, de 27 de agosto e do artigo 21º do Código de Processo Civil, a defesa do ausente e do incapaz é acometida ao Ministério Público, dispondo este último preceito que: “1 – Se o ausente ou o incapaz, ou os seus representantes, não deduzirem oposição, ou se o ausente não comparecer a tempo de a deduzir, incumbe ao Ministério Público a defesa deles, para o que é citado, através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, nos termos definidos na portaria prevista no nº 2 do artigo 132º, presumindo-se a citação efetuada no terceiro dia posterior ao do seu envio, correndo novamente o prazo para a contestação. 2 – Quando o Ministério Público represente o autor, é nomeado defensor oficioso. 3 – Cessa a representação do Ministério Público ou do defensor oficioso logo que o ausente ou o seu procurador compareça ou logo que seja constituído mandatário judicial do ausente ou do incapaz.”

Ora, da leitura do preceito citado, resulta, de modo claro e inequívoco que a representação dos ausentes é sempre efetuada pelo Ministério Público, apenas se encontrando prevista a nomeação de defensor oficioso quando o Ministério Público se apresente em representação do Autor.

De fato, junto dos Julgados de Paz não existe Magistrado do Ministério Público que assuma a representação dos ditos ausentes ou incapazes. Porém, tal argumento amplamente esgrimido nesta matéria para justificar a alegada nomeação de defensor oficioso - na pessoa de quem é lograda a citação do ausente para defesa dos respetivos interesses - não se nos afigura congruente com a previsão contida no artigo 21º do Código de Processo Civil, tanto mais que, tal preceito prevê a representação dos ausentes pelo Ministério Público, e, verificando-se a situação cumulativa de o ausente assumir a posição processual de Requerente, consigna-se, que nessa circunstância é nomeado defensor oficioso.

Desde logo, o expendido afigura-se-nos incompatível com a circunstância de o Ministério Público ser sempre notificado das decisões finais proferidas nos ditos Julgados de Paz (artigo 60º, nº 3 da Lei nº 68/2019 de 27 de agosto), pois que, embora não exista um Magistrado do Ministério Público em permanência nos Julgados de Paz, é atribuída competência ao Ministério Público do Tribunal Judicial daquela área territorial para apreciação da legalidade das sentenças proferidas, não se compreendendo por que razão não se recorre a tal Magistrado para representar os ausentes na fase inicial/ citação do processo.

Sem prejuízo, mesmo que a representação do ausente no caso em análise fosse efetuada pelo Ministério Público, sempre seria inaplicável a disposição contida no nº 2 e consequentemente do nº 3 ambos do artigo 21º do Código de Processo Civil, na medida em que o ausente aqui em causa ocupa a posição processual de Demandado e não de Demandante/Autor/Requerente.

Mais se refira que o legislador não consagrou expressamente a possibilidade de nomeação de defensor oficioso circunscrita ao ato de citação dos ausentes, assim, considerados, designadamente, nos processos tramitados nos Julgados de Paz, pela razão óbvia de tal se afigurar em plena contradição com a representação de tais ausentes, nos termos delineados pelo Código de Processo Civil e, ainda, porque como se extrai da Lei do Acesso ao Direito (Lei nº 34/2004 de 29 de julho), tal sistema prossegue a finalidade constitucional de assegurar que ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou defesa dos seus direitos.

Em matéria de Apoio Judiciário, rege o Capítulo III, seção III da referida Lei nº 34/2004 de 29 de julho, que no seu artigo 16º elenca taxativamente as modalidades de concessão, dali se extraindo que o apoio judiciário compreende:

a)      Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;

b)      Nomeação e pagamento da compensação de patrono;

c)       Pagamento da compensação de defensor oficioso;

d)      Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo;

e)      Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono;

f)       Pagamento faseado da compensação do defensor oficioso;

g)      Atribuição de agente de execução;

Do preceito legal supratranscrito, resulta de modo claro e inequívoco que não existe nenhuma modalidade de apoio judiciário circunscrita à concretização do ato de citação de ausente, sendo pacifico e congruente com os preceitos constitucionalmente consagrados, que à nomeação de patrono ou defensor oficioso subjazem razões de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos quer estes sejam ausentes ou não.

Por decorrência do artigo 17º da referida Lei nº 34/2004 de 29 de julho, o regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, incluindo os Julgados de Paz.

A Lei do acesso ao direito distingue a nomeação de patrono (artigo 30º), da nomeação de defensor oficioso (artigo 39º), encontrando-se a figura do defensor prevista no capítulo IV sob o título “Disposições especiais sobre o processo penal”, cuja nomeação poderá ser efetuada pelo Ministério Público através da secretaria ou dos seus serviços, em virtude da urgência da diligência definida nos termos do Código de Processo Penal. (cfr. artigo 3º da Portaria 10/2008 de 3 de janeiro), ressalvando-se que, fora do âmbito destes casos de manifesta urgência, a nomeação de patrono e de defensor é sempre efetuada pela Ordem dos Advogados (artigo 2º da mesma Portaria).

 Ora, no rigor dos princípios e ressalvando as várias referências efetuadas ao defensor oficioso efetuadas no presente parecer, cremos que, no caso em apreciação a figura que está em causa é a do patrono, por três razões de ordem essenciais: a) os Julgados de Paz apenas têm competência para apreciar questões de natureza cível (artigo 6º, nº 1 da Lei nº 78/2001 de 13 e3 julho); b) a nomeação é efetuada pelo Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados; c) os processos que correm termos nos Julgados de Paz não revestem a qualificação de processos urgentes.

Neste quadro, importa atender às normas da Lei do acesso ao direito que versam sobre a nomeação de patrono e sobre a cessação das respetivas funções.

O artigo 30º da Lei nº 34/2004 de 29 de julho, sob a epígrafe “Nomeação de patrono”, consigna no seu nº 1 que “A nomeação de patrono, sendo concedida, é realizada pela Ordem dos Advogados, nos termos da portaria referida no nº 2 do artigo 45º.”

O patrocínio inicia-se com a notificação promovida pela Ordem dos Advogados da nomeação ao requerente e ao patrono nomeado, com as advertências previstas no artigo 31º do referido diploma.

A substituição do patrono nomeado verifica-se a pedido do beneficiário mediante requerimento fundamentado dirigido a Ordem dos Advogados (artigo 32º), ou por via de pedido de escusa efetuado pelo patrono mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados, a quem compete apreciar e decidir sobre a escusa (artigo 34º).

Temos assim, que, nos termos legais, o patrocínio de advogado nomeado, apenas cessa por iniciativa do requerente nos casos em que requer a respetiva substituição ou por iniciativa do patrono mediante a apresentação e deferimento de pedido de escusa, ou naturalmente, por desistência do beneficiário do apoio judiciário na referida modalidade, materializada na constituição de mandatário.

O mesmo sucedendo quanto à cessação das funções do defensor oficioso, conforme decorre do preceituado nos artigos 42º e 43º da mesma Lei 34/2004 de 29 de julho.

Salvaguarda-se que, em nenhum dos casos, o advogado nomeado no âmbito do acesso ao direito poderá aceitar a constituição de mandato forense conferido pela pessoa ou entidade beneficiária de apoio judiciário.

Aqui chegados e volvendo ao caso que nos ocupa, cremos que resulta de modo indubitável da concatenação das normas aplicáveis que o Juiz de Paz (ou qualquer outro magistrado), não beneficia da prorrogativa de fazer cessar a nomeação de patrono ou de defensor oficioso, ou, de outro modo, assistir-se-ia a uma total derrogação do preceituado na Lei do Acesso ao Direito - o que, no limite, defraudaria por completo as finalidades prosseguidas por tal instituto, tal como previstas no artigo 1º da Lei nº 34/2004 de 29 de julho na redação dada pela Lei nº 47/20077 de 28 de agosto, regulamentada pela Portaria 10/2008 de 3 de janeiro.

Ressalvando-se a circunstância de a situação em análise não se inserir na tipologia de ações de constituição obrigatória de mandatário, o certo é que tal razão não determina a sua maior ou menor relevância jurídica, e consequente (des) necessidade de salvaguarda do direito constitucional de defesa dos interesses do Demandado e da justa composição do litigio, pelo que, inexistindo declaração expressa e inequívoca do Demandado para permanecer nos Autos por si sem acompanhamento do patrono que lhe foi nomeado, é forçoso concluir que o patrocínio se mantém até final do processo (ou seja, até trânsito em julgado da decisão que lhe vier a pôr termo).

Neste conspecto e sem necessidade de maiores considerandos formulamos as seguintes conclusões:

 

1 – Os procedimentos de nomeação, substituição e cessação do patrono ou defensor oficioso nomeado no âmbito do Acesso ao Direito encontram-se taxativamente previstos na Lei nº 34/2004 de 29 de julho na redação que lhe foi dada pela Lei nº 47/2007 de 28 de agosto e regulamentados na Portaria nº 10/2008 de 3 de janeiro com as alterações subsequentes.

 

2 – A nomeação de patrono ou defensor oficioso (ao arguido), apenas cessa por iniciativa do beneficiário nos casos em que requeira a substituição do nomeado, nos termos e com os fundamentos previstos na Lei do acesso ao direito, ou por iniciativa do patrono mediante a apresentação e deferimento de pedido de escusa, ou naturalmente, por desistência do beneficiário do apoio judiciário na referida modalidade, materializada na constituição de mandatário.

 

3 – A Lei do acesso ao direito não prevê ou confere legitimidade ao Juiz do Processo para oficiosamente declarar a cessação das funções do advogado nomeado às partes processuais, relegando-se a iniciativa da substituição ou cessação para a iniciativa do beneficiário ou do próprio advogado, nas condições expressamente previstas e mediante fundamentação adequada em qualquer dos casos.

 

4 – O acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental de todos os cidadãos de consagração constitucional (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa) que se insere na esfera das responsabilidades do Estado cuja concretização é assegurada por via do regime do acesso ao direito contido na Lei nº 34/2004 de 29 de julho na redação que lhe foi dada pela Lei nº 47/2007 de 28 de agosto.

 

5 – Por seu turno, os advogados assumem um papel determinante na administração da justiça, na defesa dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos, mediante a salvaguarda da boa aplicação do direito na justa composição dos litígios e na defesa dos seus legítimos e legais interesses, impondo-se-lhe o dever estatutário de colaborar no acesso ao direito (artigo 90º, nº 2, alínea f) do EOA).

 

6 - A admitir-se a cessação do patrocínio oficioso por iniciativa do Juiz do Processo, mais não seria do que a derrogação do direito constitucional de defesa dos direitos e legítimos interesses assegurado aos cidadãos.

 

É este salvo melhor entendimento o nosso parecer,

 



[1] In “Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento”, Coimbra Editora, pág. 64, onde o Autor refere: “Mas, se não puder haver citação postal, nem por funcionário? Sem citação, penso que se ofenderia, conscientemente, o sagrado direito de defesa, com violação do artigo 20.º da Constituição da República. Parece só haver uma solução: é a passagem ao alcance do artigo 15º do Código Processo Civil”, “mutatis mutandis” e, porque não há Ministério Público junto dos Julgado de Paz, o Juiz de Paz designar, nessa extrema hipótese, defensor oficioso a citar.”; e ainda, “Portanto, o primeiro segmento do nº 1 do artigo 38º deve ser cumprido como possível ou com os próprios ou como representantes, se necessário e viável. (…) se a citação pessoal ou quase-pessoal não foi possível, feita a citação em Defensor oficioso, a revelia, se existir, será sempre inoperante, como é elementarmente lógico e resulta do nº 1 do art. 567º do CPC, ex vi do art. 63 desta lei e, hoje, da decisiva nova redação do nº 2 do art. 58º”

 

 

Sandra Gil Saraiva

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