Pareceres do CRCoimbra

PARECER Nº 5/PP/2024-C

Processo de Parecer n.º 05/PP/2024-C

 

Conflito de Interesses

 

Por requerimento dirigido à Exma. Senhora Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, solicitou a Ilustre Advogada AC..., titular da Cédula Profissional nº 2…C, com domicilio profissional na Rua Dr. …, a emissão de parecer quanto à eventual existência de conflito de interesses caso mantenha a nomeação oficiosa que lhe foi efetuada em 24 de janeiro de 2024 ao arguido JMFCC... no âmbito do processo de Inquérito nº 188/21.7T..., uma vez que em 26 de abril de 2021 havia assumido o patrocínio oficioso de KN..., na qualidade de arguida no processo de Inquérito nº 160/19.7T....

O pedido foi instruído com o requerimento da Advogada Consulente, com cópia da acusação particular deduzida por GMFCV... contra AOFN... e KN..., cópia do requerimento de abertura de instrução e cópia da decisão instrutória, todos referentes ao processo nº 160/19.7T... que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Av... – Juiz 2 e cópia da decisão de arquivamento e acusação proferida em 23 de janeiro de 2024 no Processo de Inquérito nº 188/21.7T..., que corre termos Departamento de Investigação e Ação Penal – Seção de An....

 

Relatório:

Compulsado o requerimento apresentado pela Advogada Consulente e toda a documentação junta, extrai-se, com relevância para a emissão do parecer solicitado a seguinte factualidade:

1 – No processo nº 160/19.7T... a Advogada Consulente foi nomeada defensora oficiosa da arguida KN...;

2 – Em tal processo de inquérito figuravam como partes a Assistente GMFCV... e na qualidade de arguidos AOFN... e KN...;

3 – Na respetiva acusação particular a assistente arrolou diversas testemunhas, incluindo, JMFCC...;

4 – Em 29 de março de 2022 foi proferida decisão instrutória no aludido processo, nos seguintes termos: “(…) Nestes termos e nos melhores de direito, ao abrigo do disposto nos artigos 283º, nº 3, al. b) e 308º, nº 3 do cód. proc. penal, decide-se declarar a nulidade da acusação particular de fls. 355 e seguintes e, consequentemente, declarar nulos e sem nenhum efeito todos os termos subsequentes do processo.

Outrossim julgo extinto o procedimento criminal nestes autos instaurado.”

5 – Em 24 de janeiro de 2024, a Ilustre Advogada requerente foi nomeada defensora oficiosa ao arguido JMFCC..., no âmbito do processo de Inquérito nº 188/21.7T..., que corre termos no Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca de Av... (An...) – An... – DIAP;

6 – Os sobreditos autos tiveram origem numa queixa-crime apresentada por AOFN… e KN..., na qual foram relatados fatos que, em abstrato e alegadamente, configuram a prática de crimes de ameaça (artigo 153, nº 1 do Código Penal), de perseguição (artigo 154º-A, nº 1 do Código Penal), de injúria (artigo 181º, nº 1 do Código Penal) e violação de correspondência ou de telecomunicações (artigo 194º, nº 1 do Código Penal), cuja prática foi imputada aos arguidos JMFCC... e GMFCV...;

7 – Da análise da decisão de acusação/arquivamento resulta, com relevância, que foi determinado o arquivamento do inquérito quanto ao crime de ameaça quanto ao arguido JMFCC... alegadamente praticado contra a assistente KN..., com fundamento na ausência de prova bastante da verificação do crime;

8 – Foi igualmente determinado o arquivamento do inquérito quanto à Denunciante/ Assistente KN..., contra JMFCC..., quanto ao crime de injúria, com fundamento na inadmissibilidade legal do procedimento criminal por decurso do prazo de prescrição;

9 – O arguido JMFCC... foi pronunciado por um crime de ameaça agravada, alegadamente cometido contra o denunciante AOFN...;

10 – Quanto aos demais crimes e agentes foi proferido despacho de arquivamento;

11 – A arguida GMFCV... não foi pronunciada pela prática de nenhum dos crimes que lhe vinham imputados na queixa crime;

12 – O arguido JMFCC... não foi pronunciado por nenhum dos crimes alegadamente praticados contra a denunciante KN..., por ausência de indícios suficientes e por inadmissibilidade do procedimento criminal;

 13 – Os fatos subjacentes ao processo nº 160/19.7T... em que era arguida KN... são distintos dos fatos descritos no despacho de acusação/arquivamento proferido no processo nº 188/21.7T...;

14 – De igual modo, JMFCC... não figurava como parte no processo nº 160/19.7T...;

Delimitado o objeto do pedido formulado, importa, aferir da competência deste Conselho Regional para a emissão do parecer.

 

Da competência do Conselho Regional de Coimbra

Ora, nos termos conjugados nos artigos 54º, nº 1, alínea f) e artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de setembro de 2015 com as alterações introduzidas pela Lei nº 6/2024 de 19 de janeiro (doravante designado abreviadamente EOA), o pedido de parecer em análise, versa sobre matéria para cuja apreciação é territorialmente competente o Conselho Regional de Coimbra, no âmbito das suas atribuições de pronúncia sobre questões de carácter profissional.

É entendimento pacifico no seio da Ordem dos Advogados que as questões de caráter profissional são todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da profissão, decorrentes do Estatuto e das demais normas regulamentares exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio conferido à Ordem dos Advogados.

O quadro fáctico enunciado pela Advogada Requerente e resultante dos elementos documentais de instrução do pedido, acima concatenado, insere-se na problemática de caráter profissional atinente à eventual existência de um conflito de interesses no exercício da advocacia, regulada no artigo 99º do EOA.

Enquadrando-se o assunto submetido à cognição deste Conselho Regional a uma questão de caráter profissional verificada na respetiva circunscrição territorial, dúvidas não restam quanto à competência para emissão da pronúncia solicitada.

 

O conflito de Interesses

 Ora, no exercício da profissão, o Advogado está vinculado ao cumprimento do vasto leque de deveres prescritos no Estatuto da Ordem dos Advogados, impondo-se-lhe em permanência a sua observância conscienciosa e intransigente, de molde a assegurar e garantir a dignidade e o prestígio da profissão.

Por tal razão o EOA prevê um abrangente leque de normas que regulam o exercício da profissão (artigos 66º a 87º) e que regulamentam a deontologia profissional (artigos 88º a 113º).

Desta feita, o advogado, por inerência do preponderante interesse público e relevância social da advocacia, deve assumir as condutas próprias de uma pessoa íntegra e cumprir pontual e escrupulosamente os deveres que lhe são impostos para com a comunidade e para com a Ordem dos Advogados.

Na senda do interesse público da advocacia surge a consagração do instituto do conflito de interesses, com o objetivo de prosseguir a tripla função:

 a) de defesa da comunidade em geral e dos clientes das atuações menos lícitas e/ou danosas por parte de um qualquer advogado, conluiados ou não com algum ou alguns dos seus clientes;

b) de defesa do próprio advogado da possibilidade de, sobre ele, recair a suspeita de atuar, no exercício da profissão, visando qualquer outro interesse que não seja o da defesa intransigente dos direitos e interesses dos seus clientes;

 c) de defesa da dignificação da própria profissão.

Sendo certo que, é comumente aceite que a aferição da (in) existência de conflito de interesses se impõe com a análise dos contornos de cada caso concreto, o legislador optou, desde logo, por prever no artigo 99º do EOA um elenco de situações em que se impõe o dever de recusa do patrocínio, não só, porque em concreto e no imediato se verifique um conflito de interesses, mas porque, objetivamente, tais situações se podem revelar potenciadoras de tal conflito de interesses.

A matéria do conflito de interesses radica da consagração e confluência dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, sendo pacifico que a respectiva previsão deriva intrinsecamente do principio geral da independência consagrado no artigo 89º do EOA, segundo o qual o “advogado, no exercício da profissão mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”

Assim o advogado deve recusar ou abster-se de aceitar o patrocínio sempre que se verifique qualquer uma das situações ditadas no artigo 99º do EOA, que preceitua o seguinte:

“1- O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 – O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os seus clientes, no âmbito desse conflito.

5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 – Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer a associação quer a cada um dos seus membros.”

Do nº 1 e nº 2 do normativo supratranscrito, resulta, inequivocamente que o advogado deve recusar o patrocínio das questões em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade, bem assim, das questões conexas em que represente ou tenha representado a parte contrária e das questões contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

Mais consigna o nº 3 do citado preceito que o Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

Por seu turno, preceitua o nº 5 do artigo 99º do EOA, que o advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal circunstância contender com o cumprimento do dever de guardar sigilo quanto aos assuntos do anterior, ou se tal acarretar vantagens ilegítimas ou injustificadas para o segundo.

No mesmo sentido também o Código Deontológico dos Advogados Europeus versa no seu ponto 3.2 sobre a temática do “conflito de interesses”, dispondo o seguinte:

“3.2 – 1 – O Advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes relativamente ao mesmo assunto, se existir um conflito de ou um risco sério de conflito entre os interesses desses mesmos clientes.

3.2 – 2 – O advogado deve abster-se de se ocupar dos assuntos de ambos ou de todos os clientes envolvidos quando surja um conflito de interesses, quando exista risco de quebra de confidencialidade, ou quando a sua independência possa ser comprometida.

3.2 – 3 – O advogado deve abster-se de aceitar o patrocínio de um novo cliente se tal colocar em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente ou se do conhecimento desses assuntos resultarem vantagens injustificadas para o novo cliente. (…)”

Da concatenação das normas citadas resulta claro que o Advogado deve recusar o patrocínio de questões em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade, de questões conexas com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária, de questões contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado, impondo-se-lhe, ainda, o dever de cessar o patrocínio de todos os clientes, caso sobrevenha algum conflito dos interesses entre tais clientes.

Sem ignorar que a ratio das citadas normas encontra fundamento na necessidade de tutela dos princípios da independência, do segredo profissional, da dignidade, da lealdade, da confiança, da ética e do decoro, enquanto valores fundamentais de conduta no exercício da advocacia, releva que em matéria de conflito de interesses se apela numa primeira linha à consciência do próprio advogado, impondo-se-lhe, que em permanência ajuíze se a assunção de uma determinada causa ou representação de um determinado cliente é suscetível de contender com o exercício livre e sem quaisquer constrangimentos da sua atividade e mais importante, se não afeta o seu dever de guardar segredo profissional.

A este propósito refere Manuel Ramirez Fernandes[1] que o “instituto do conflito de interesses é dos que, no nosso entender, mais apela à consciência do profissional do advogado, ao seu decoro e dignidade profissional. (…) cabendo ao próprio advogado ser o garante de que não age em situações de incompatibilidade por existência de conflito de interesses.”

Volvendo ao caso concreto em apreciação importa averiguar se, ab initio, se encontra preenchida alguma das previsões contidas no artigo 99º do EOA, de modo que a Requerente incorra na violação dos deveres estatutários ao assumir o patrocínio oficioso do arguido JMFCC... no processo 188/21.7T....

Como se extrai da factualidade relevante acima descrita, a Advogada requerente assumiu o patrocínio oficioso da arguida KN... no processo de Inquérito 160/19.7T..., com origem na acusação particular deduzida por GMFCV..., pela alegada prática de crimes de difamação e injúria, perpetrados pela referida arguida e pelo arguido AOFN....

No referido inquérito – sobre que recaiu decisão instrutória de arquivamento proferida em 28 de março de 2022 – JMFCC... não assumia qualquer intervenção enquanto parte, ou seja, não figurava nem como participante/ assistente, nem como arguido.

Quer isto dizer que, as alegadas condutas alegadamente merecedoras de tutela jurídico penal em causa naqueles Autos, não foram praticas pelo referido JMFCC..., nem perpetradas contra este.

Outrossim, como se deixou expresso supra, no processo nº 188/21.7T..., o arguido JMFCC... não foi pronunciado pela prática de qualquer crime contra KN..., outrora representada pela advogada consulente no processo nº 160/19.7T..., já arquivado desde março de 2022.

Daqui decorre, invariavelmente, que ao assumir o patrocínio do arguido JMFCC... no âmbito do processo agora pendente com o nº 188/21.7T..., arquivado no segmento que respeitava a assistente KN..., a advogada consulente não atua em nenhuma questão em que já tivesse intervindo em qualquer outra qualidade ou em representação da parte contrária.

E mais se diga que, também, não se nos afigura a existência de qualquer conexão entre os assuntos em causa. Com efeito, “por conexão entende-se uma relação evidente entre várias causas, de modo que a decisão de que uma dependa das outras ou que a decisão de todas dependa da subsistência ou valoração de certos factos”[2]

No caso em apreço, não existe, em nosso humilde entendimento, qualquer relação evidente entre os fatos que originaram o inquérito nº 160/19.7T... e os fatos subjacentes ao processo de inquérito nº 188/21.7T..., ou de outro modo, verificar-se-ia, também, uma identidade de sujeitos processuais em cada um dos processos.

Por outro lado, cada um dos processos teve uma existência autónoma e a decisão de arquivamento do inquérito nº 160/19.7T... quanto a todos os arguidos, em nada influenciou a decisão de arquivamento do inquérito nº 188/21.7T..., quanto às imputações assacadas pela Assistente KN... ao arguido JMFCC....

Questão mais controversa poderá suscitar-se na subsunção da factualidade concreta ao disposto no nº 5 do artigo 99º do EOA que consigna que “O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.”

Vejamos,

Existe uma clara interligação familiar entre a assistente no primeiro processo e o arguido no segundo processo, porém, não é despiciendo salientar que o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Advogada requerente em representação da arguida KN... no âmbito do processo nº 160/19.7T..., se circunscreve à invocação da nulidade da acusação particular em virtude da falta de cumprimento dos requisitos ínsitos no artigo 283º, nº3, alínea b) do Código de Processo Penal, tal como, aliás já constava de despacho proferido pelo Ministério Público.

E a decisão instrutória põe termo ao processo de inquérito precisamente, por via da declaração da nulidade da acusação particular, motivada pela falta de imputação aos arguidos da voluntariedade e intenção dolosa na prática dos crimes de injúria e difamação.

Daqui decorre que o desfecho de tal processo resulta da falta de cumprimento dos requisitos formais e não de qualquer apreciação de mérito que impusesse a Advogada requerente o escrutínio integral da factualidade invocada pela Assistente, de modo que fosse absolutamente essencial para a sua defesa que arguida lhe transmitisse fatos confidenciais ou suscetíveis de acarretar alguma vantagem ilegítima para a defesa do ora arguido JMFCC....

Não sendo inequívoco, ante, inclusive a ausência de conexão entre os assuntos e identidade das partes, que de tal patrocínio da arguida KN..., tenham advindo ao conhecimento da advogada requerente circunstâncias que possam acarretar alguma vantagem ilegítima ou injustificada para o ora arguido ou suscetíveis de contender com o dever que impende, sempre, sobre a advogada de guardar segredo quanto aos assuntos de anterior cliente, cremos que,  subsumir a presente situação ao disposto no nº 5 do artigo 99º do EOA, concluindo pela existência de um conflito de interesses sem elementos suficientemente concretizadores, se afiguraria demasiado penalizador para os Advogados de um modo geral.

Na perspetiva de que todos os advogados cumprem escrupulosamente os deveres estatutários a que estão adstritos e que, em consequência, a advogada requerente respeitará, sempre e em qualquer circunstância, o dever de sigilo profissional, entendemos que, no atual quadro do caso em análise, não se encontra preenchida a previsão contida no nº 5 do artigo 99º do EOA.

Concluímos, assim, que a aceitação por parte da advogada requerente do patrocínio oficioso do arguido JMFCC... no âmbito do processo nº 188/21.7T..., arquivado quanto as acusações deduzidas pela anterior patrocinada KN... – em processo diametralmente distinto – não viola as disposições contidas no artigo 99º do EOA.

Não obstante, impõe-se, por manifesta cautela, ressalvar que, caso o arguido JMFCC..., ainda venha a ser pronunciado pela prática do crime de ameaça contra a assistente KN..., em eventual decisão instrutória a proferir nos Autos agora em curso, a Ilustre Advogada consulente, deverá, em consciência, ajuizar se mantém as condições necessárias para exercer o patrocínio do arguido de forma livre e sem quaisquer constrangimentos, conforme erigido das normas previstas no seu estatuto profissional. 

Pois que, o Advogado deve estar, sempre e em qualquer circunstância, acima de qualquer suspeita, garantindo o cumprimento dos deveres de isenção, independência, salvaguarda do dever de sigilo profissional, decoro, probidade e salvaguardar a dignidade da profissão, razão pela qual se impõe com especial acuidade que a Advogada requerente afira em permanência da compatibilização do exercício deste patrocínio com o cumprimento dos deveres deontológicos.

 

Conclusões:

 

        I.            A matéria do conflito de interesses, regida estatutariamente sob o artigo 99.º do E.O.A, resulta da confluência e consagração dos princípios da independência, da confiança e da dignidade da profissão, tendo-se por entendimento pacífico que a respetiva regulação deriva expressamente do princípio geral da independência, consagrado no artigo 89.º do EOA, segundo o qual o “Advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”

      II.            Ainda que para aferir da (in) existência de um conflito de interesses se revele fundamental a análise do caso concreto, o legislador optou por, ainda assim, consagrar um universo de situações em que o dever de recusa do patrocínio se impõe, não porque em concreto e no imediato se verifique um conflito de interesses, mas porque, objetivamente, tais situações se apresentam como potenciadoras desse conflito.

    III.            Não existe conflito de interesses no patrocínio oficioso de uma arguida, pela mera decorrência de a mesma advogada já ter patrocinado a ali assistente noutro processo de inquérito arquivado, em que esta era arguida, salvo se existir total identidade entre as partes e/ ou conexão entre os assuntos.

    IV.            Perante o exposto, sou de entendimento que a situação descrita não é, no atual quadro apreciado, subsumível às previsões contidas no artigo 99º do EOA, não se verificando a existência de conflito de interesses.

 

É este, salvo melhor entendimento, o nosso parecer.

 


[1] In Advocacia e Deontologia Profissional do Advogado, Quid Juris, Sociedade Editora, 2019, pág. 391;

[2] Cfr. Parecer do Conselho Geral nº E-997, relatado pelo Dr. Alberto Luís, disponível em www.oa.pt

 

Sandra Gil Saraiva

Topo