PARECER Nº 16/PP/2024-C
Processo de Parecer n.º 16/PP/2023-C
Deontologia Profissional
Relações entre Advogados
Assunção de patrocínio contra Advogado
Por comunicação dirigida ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados através de correio eletrónico, solicitou a Ilustre Advogada CR..., titular da cédula profissional nº 48…c, com domicílio profissional na Avenida Prof. …, a emissão de parecer, quanto à eventual violação dos deveres deontológicos a que está adstrita em virtude do patrocínio forense que exerce contra um Advogado em pelo menos dois processos judiciais.
I – Enquadramento
O pedido em apreciação surge da sequência da mensagem de correio eletrónico subscrita pelo Advogado contra quem litigam os clientes da Consulente, com o seguinte teor:
"(...) Atento o seu comportamento que considero inadmissível e impróprio de advogado na forma como tem vindo a conduzir o mandato no processo criminal que os seus clientes têm vindo a exercer contra mim, e também nos processos de inquérito em que são denunciados, designadamente depois das mentiras orquestradas de assedio, agressão, e falsidade de declarações e depoimento, a Ex.ª Colega não teria mais condições de exercício de mandato sem que viole os deveres deontológicos de lealdade, respeito e intolerância com as mentiras que tentaram colocar em causa o meu bom nome e reputação.
Por outro lado irei ainda verificar se é a Colega que está por detrás desta conspiração da denuncia de assédio que me foi imputado, para também de si participar criminalmente, para tanto, indagando se esteve presente acompanhando os denunciados nas declarações prestadas, corroboradas por duas testemunhas também em falsidade de depoimento.
No imediato irei participar disciplinarmente da forma como vem exercendo o mandato em clara violação do EOA
Pelo que lhe faço a comunicação prévia a que os termos estatutários me obrigam.
(...)"
A própria Consulente sintetiza o respetivo petitório nos termos que se transcrevem: "(...) pretende a Advogada Requerente junto de V.Ex.a requerer a emissão de parecer no sentido de pronunciarem se a manutenção do seu patrocínio nos processos pendentes, nos quais o Sr. Dr. JC... é parte configura alguma violação dos deveres deontológicos, ou se, pelo contrário a mesma pode continuar a assumir o patrocínio em representação dos seus Constituintes.
Mais,
Foi ainda transmitido à Advogada Requerente pela Sra. DM... e JMP... que o Dr. JC... terá apresentado queixas-crimes contra os mesmos, nos quais já foram constituídos arguidos e que também terá, ao que julgam apresentado queixa contra as duas testemunhas arroladas por estes nos processos acima identificados nomeadamente a mãe e a irmã da DIG....
Nesta senda, também se requer emissão de parecer no sentido de saber se há violação dos deveres deontológicos por parte da Advogada Requerente ao assumir também patrocínios não só da DM... e JP…, mas também das outras duas intervenientes, caso assim decida após analisar o processo e ver que estão reunidos os pressupostos para os representar. (...)"
Para dar resposta, tanto quanto possível, as pretensões da Consulente, impõe-se a análise minuciosa dos elementos carreados, na medida em que, como soçobra das transcrições acima efetuadas, o Ilustre Colega contra quem é exercido o patrocínio não concretiza factualmente a violação dos deveres deontológicos que assaca à Requerente.
Assim, da apreciação da documentação junta e obtida oficiosamente por este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, temos, com relevância para a emissão do parecer, os seguintes fatos assentes:
- Em cumprimento do preceituado no artigo 96º do Estatuto da Ordem dos Advogados, a Consulente enviou comunicação através do endereço de correio eletrónico profissional do Dr. JC..., devidamente recebida em 3 de dezembro de 2020, informando-o que iria assumir o patrocínio do Sr. JMP... e da Dra. DIG... no processo de Inquérito com o nº 560/20.0T9... que corre termos no Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de L... - Departamento de Investigação e Ação Penal - Secção da M..., em que o referido Advogado figura como denunciado;
- Na mesma comunicação, mais informou a Requerente que assumiria, igualmente o patrocínio das empresas de que gerente a referida DIG..., nas ações de honorários pendentes instauradas pelo Dr. JC...;
- Nos mesmos moldes e ao abrigo do disposto no artigo 96º do Estatuto da Ordem dos Advogados, em 4 de fevereiro de 2021 a Consulente expendeu comunicação de correio eletrónico para o endereço profissional do Dr. JC..., informando-o de que iria assumir o patrocínio da Dra. DIG... no processo nº 503/20.0T9... que corre termos pelo Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de L... - Departamento de Investigação e Ação Penal - Seção da M..., em que é denunciado o referido Advogado destinatário;
- No âmbito do processo nº 503/20.0T9..., em que a Advogada Consulente assume o patrocínio dos assistentes DIG... e JMP..., foi proferida decisão instrutória que pronuncia o arguido JMC..., em autoria material, em concurso e na forma consumada, pela prática de: a) um crime de violação de segredo p.e p. pelo artigo 195º do Código Penal; b) um crime de devassa da vida privada, p.e p. pelo artigo 192º, nº1, al) d) do mesmo diploma legal, contra a ofendida e assistente DIG...; c) um crime de devassa da vida privada, p.e p. pelo artigo 192, nº 1, al.) d) do Código Penal, contra o ofendido e assistente JMP...;
- Os constituintes da Requerente participaram disciplinarmente do Ilustre Advogado JC..., tendo-lhe sido aplicada no âmbito do Processo Disciplinar nº 1…/2020-C/D, sanção disciplinar de censura, nos termos do disposto no artigo 130º, nº 1, alínea b), nº 3 e nº 7 do Estatuto da Ordem dos Advogados;
- Em sede de recurso para o Conselho Superior, a decisão proferida no âmbito do sobredito Processo Disciplinar foi confirmada por sentença proferida em 11 de março de 2024 (Processo nº 1../2023-CS/R);
- Não foram juntos quaisquer outros elementos de instrução do pedido, designadamente, atinentes as ações de honorários instauradas pelo Dr. JC..., contra as empresas de que são sócios gerentes os Clientes da Requerente, nem quanto aos demais processos de natureza criminal em curso;
Efetuada a breve resenha da factualidade relevante para emissão do parecer solicitado, tem-se por certo que apenas cumpre esclarecer se a Advogada Requerente violou (ou viola) algum dever deontológico, decorrente da mera circunstância de exercer o patrocínio forense contra um Advogado.
II – A competência do Conselho Regional de Coimbra para emissão do Parecer
Ao abrigo do disposto o artigo 54º, nº 1, alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados[1], na redação que lhe foi dada pela Lei nº 145/2015 de 19 de setembro de 2015 (doravante designado abreviadamente por EOA), o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados é materialmente competente para emissão de pareceres em abstrato sobre questões concretas de caráter profissional que se insiram na respetiva esfera territorial.
São questões de caráter profissional, todas as que assumem natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas do Estatuto, bem como, de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio conferido à Ordem dos Advogados.
Não obstante a abrangência das competências consultivas do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, impõe-se a respetiva compatibilização com as competências especificas que legalmente são atribuídas a outros órgãos, como sejam as competências de natureza disciplinar e de controlo do cumprimento das normas de deontologia profissional, estatutariamente acometidas aos Conselhos de Deontologia, a quem incumbe, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 58º do EOA “Velar pelo cumprimento, por parte dos advogados e advogados estagiários com domicilio profissional na área da respetiva região, das normas de deontologia profissional, podendo, independentemente de queixa e por sua própria iniciativa, quando o julgarem justificado, conduzir inquéritos e convocar para declarações os referidos advogados, com o fim de aquilatar do cumprimento das referidas normas e promover a ação disciplinar, se for o caso;”
No caso vertente, o Advogado JC..., manifestou intenção de participar disciplinarmente da Advogada Requerente, sendo que, caso tal venha a suceder, caberá ao Conselho de Deontologia a apreciação da respetiva conduta que, nesta sede não foi minimamente concretizada, de alegada violação dos deveres deontológicos.
Ora, ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados impõe-se uma pronúncia abstrata sobre questões de caráter profissional que se suscitem no âmbito de uma concreta situação, sem qualquer ingerência nas competências próprias acometidas a outros órgãos, estribando-se a pronúncia, apenas e tão somente na factualidade extraída dos elementos de instrução do pedido e concluindo-se que a problemática se suscita, nos seguintes pontos essenciais a que cumpre dar resposta:
1 – Eventual violação dos deveres deontológicos por parte da Advogada Requerente que aceitou patrocinar dois clientes e as respetivas empresas em ações judiciais em que a parte contrária é um Advogado;
2 – Eventual existência de conflito de interesses na assunção do patrocínio dos mesmos clientes e simultaneamente de dois novos potenciais intervenientes num processo crime, com origem em queixa de natureza criminal apresentada pelo mesmo Advogado;
III – Deontologia Profissional
(Das relações entre Advogados)
No exercício da profissão e nas múltiplas relações estabelecidas nessa qualidade, designadamente com os Clientes, com a generalidade dos operadores judiciários e com os seus pares, os Advogados estão sempre e, em qualquer circunstância vinculados pelo escrupuloso cumprimento dos deveres deontológicos plasmados no EOA, nas normas regulamentares e não menos relevante, nos usos e costumes.
O Advogado é parte integrante e essencial à Administração da Justiça, conforme dispõe o artigo 208º da Constituição da República Portuguesa, replicado no artigo 88º do EOA, devendo, assim, assumir “um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.”, competindo-lhe o desempenho de um papel fundamental na realização do Estado de Direito.
Na consideração de que ao Advogado cabe uma preponderante função de realização da justiça e do direito, importa não ignorar que não raras vezes a justa composição dos litígios encerra uma forte componente negocial e conciliatória entre as partes e entre os respetivos mandatários.
Ora, por tal razão e ainda pelo respeito próprio que os nossos pares merecem, o EOA reservou o respetivo capitulo IV do título III, às Relações entre Advogados.
Assim, o artigo 111º do EOA, consagra o dever de solidariedade, prescrevendo que “A solidariedade profissional impõe uma relação de confiança e cooperação entre os advogados em benefício dos clientes e de forma a evitar litígios inúteis, conciliando, tanto quanto possível, os interesses da profissão com os da justiça ou daqueles que a procuram.”
Por seu turno o artigo 112º prevê concretos deveres a observar nas relações estabelecidas entre advogados, enunciando que nas suas relações recíprocas devem:
“a) Proceder com a maior correção e urbanidade, abstendo-se de qualquer ataque pessoal, alusão deprimente ou crítica desprimorosa, de fundo ou de forma;
b) Responder, em prazo razoável, às solicitações orais ou escritas;
c) Não emitir publicamente opinião sobre questão que saiba confiada a outro advogado, salvo na presença deste ou com o seu prévio acordo;
d) Atuar com a maior lealdade, procurando não obter vantagens ilegítimas ou indevidas para o seu cliente;
e) Não contactar a parte contrária que esteja representada por advogado, salvo se previamente autorizado por este, ou se tal for indispensável, por imposição legal ou contratual;
f) Não assinar pareceres, peças processuais ou outros escritos profissionais que não sejam da sua autoria ou em que não tenha colaborado;
g) Comunicar, atempadamente, a impossibilidade de comparecer a qualquer diligência aos outros advogados que nela devam intervir.”
De fato, em nosso aviso, a enumeração constante do citado preceito, reconduz-se no essencial a um elenco de regras básicas de convivência e cidadania, cuja consagração no EOA apenas se concebe numa perspetiva de elevar o respetivo cumprimento, mesmo nas circunstâncias em que os potenciais níveis de conflitualidade dos constituintes são exacerbados e a respetiva defesa intransigente possa fazer perigar a posição do Advogado incluindo no relacionamento com o seu par ou pares.
Pese embora a nossa convicção o certo é que, também o Código Deontológico dos Advogados Europeus, dispõe sobre as normas que devem reger as Relações entre Advogados, no respetivo ponto 5, nos seguintes termos:
“5 – Relações entre advogados
5.1 – Solidariedade profissional
5.1 – 1 – A solidariedade profissional exige, em benefício dos clientes e a fim de evitar litígios inúteis, ou qualquer outro comportamento suscetível de denegrir a reputação da profissão, uma relação de confiança e de cooperação entre os advogados. Porém, a solidariedade profissional nunca pode ser invocada para colocar os interesses da profissão contra os interesses do cliente.
(…)”
A compatibilização da premente função do Advogado na realização da Justiça e na defesa dos direitos dos respetivos clientes, impõe que, quando confrontado com a eventual assunção do patrocínio forense contra outro Advogado, adote, com cuidado redobrado uma postura deontológica adequada com estrito cumprimento dos deveres a que está vinculado.
Revisitando o caso em análise, temos que, a comunicação que o Senhor Dr. JC..., dirigiu à Requerente, imputando-lhe a alegada ou potencial violação dos deveres deontológicos na condução dos processos em que assume o patrocínio das contrapartes do referido, não contém qualquer concretização ou evidência quanto as condutas que no seu juízo violam as normas estatutárias.
De igual modo, da documentação de instrução do presente pedido, naturalmente não é possível concluir pela prática de qualquer conduta imprópria perpetrada pela Advogada Requerente, pelo que, se impõe que a presente pronúncia se circunscreva à apreciação de cumprimento da comunicação prévia da intenção de assunção do patrocínio contra Advogado.
Sob a epígrafe “Patrocínio contra Advogados e magistrados”, dispõe o artigo 96º do EOA que “O Advogado, antes de intervir em procedimento disciplinar, judicial ou de qualquer outra natureza contra um colega ou um magistrado, deve comunicar-lhes por escrito a sua intenção, com as explicações que entenda necessárias, salvo tratando-se de procedimentos que tenham natureza secreta ou urgente”.
O dever ínsito na citada norma, visa salvaguardar os valores da solidariedade profissional, cordialidade, urbanidade, honorabilidade e eventual prevenção de pleitos inúteis passiveis de resolução pela consensual, obstando a todas as contingências pessoais e profissionais que a via contenciosa necessariamente acarretam para os visados.[2]
Para o efeito, consigna-se que tal comunicação escrita terá necessariamente de ser efetuada antes da primeira intervenção do Advogado em qualquer procedimento disciplinar, judicial ou de qualquer outra natureza, devendo a mesma manifestar a intenção de assumir o patrocínio e as motivações subjacentes.
Volvendo ao caso em análise, está demonstrado que a Advogada Requerente, ainda que parca nas explicações que reputou adequadas, cumpriu o dever a que estava adstrita de comunicar previamente ao Colega que tencionava assumir o patrocínio dos queixosos em processos de inquérito já pendentes no Ministério Público.
Não tendo sido concretizados quaisquer outras circunstâncias ou fatos, não pode este Conselho Regional ficcionar eventos ou conjeturar atuações para daí extrair conclusões suscetíveis de subsumir as eventuais posturas processuais dos Advogados em causa na violação ou no desrespeito pelos deveres deontológicos que se lhes impõem.
Conclui-se, pois que a Requerente cumpriu o dever plasmado no artigo 96º do EOA, antes de assumir o patrocínio dos respetivos clientes, que tendemos para crer que é exercido de modo legítimo e conforme com os deveres deontológicos e princípios que regem a advocacia.
IV – Considerações acerca do conflito de interesses
Paralelamente, a Advogada Requerente, demanda deste Conselho Regional pronúncia quanto a possibilidade de assumir o patrocínio dos atuais clientes e simultaneamente de mais dois novos clientes, sendo que, ao que tudo indica, todos serão denunciados em processo crime com origem em queixa crime apresentada pelo Advogado contra quem já exerce o patrocínio noutros processos judiciais.
Alvitra-se que a resposta a questão suscitava se insira no âmbito do instituto do Conflito de Interesses, regido estatutariamente no artigo 99º do EOA.
A matéria do “conflito de interesses” é regido estatutariamente no artigo 99º do EOA, cuja consagração legal radica dos princípios da independência, da confiança e da dignidade e constitui manifestação expressa do principio geral ínsito no artigo 89º do EOA segundo o qual “O Advogado no exercício da profissão mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros.”
O Advogado no exercício da profissão está irremediavelmente vinculado ao rigoroso cumprimento dos deveres plasmados no EOA, impondo-se a sua escrupulosa observância de molde a garantir a dignidade e prestígio da advocacia.
A propósito dos deveres impostos ao Advogado nas relações estabelecidas com os seus clientes elenca o artigo 99º do EOA as situações em que este deve recusar o patrocínio face à iminência ou mera possibilidade de ver diminuída a respetiva independência, confiança, lealdade ou mesmo suscetíveis de contender com o mais caro dever de guardar sigilo profissional.
Neste conspecto o artigo 99º do EOA estabelece algumas das situações em que se impõe o dever de recusa do patrocínio, não porque concreta e imediatamente se verifique a existência de conflito de interesses, mas porque, objetivamente, tais situações são potenciadoras de gerar esse conflito.
O artigo 99º do EOA sob a epígrafe “Conflito de Interesses” preceitua o seguinte:
“1- O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.
2 – O Advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.
3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os seus clientes, no âmbito desse conflito.
5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
6 – Sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer a associação quer a cada um dos seus membros.”
Como surge evidenciado no petitório transcrito, a Requerente ainda não assumiu o patrocínio dos dois novos clientes que previsivelmente assumirão, no mesmo, a posição processual de arguidos, tal como os atuais clientes, desconhecendo, ainda, a factualidade que lhe possa ser imputada e, por maioria de razão, se as defesas de todos os arguidos são compatíveis no sentido de confluência dos interesses em causa.
Como se disse supra, a competência consultiva deste Conselho Regional delimita-se pela situação concreta, pelo que, nesta fase, e considerando a ausência absoluta de elementos casuísticos, não se encontram reunidas as condições mínimas para emitir qualquer pronúncia a este respeito.
Não obstante, sempre se diga que, a matéria do conflito de interesses é, em primeira linha, uma questão de consciência do próprio Advogado, competindo-lhe ajuizar em permanência, se a assunção de dois ou mais mandatos, não o impedirá de exercer, de forma livre e sem quaisquer constrangimentos, a sua atividade, conforme erigido das normas ínsitas no seu estatuto profissional.
O Advogado deve estar, sempre e em qualquer circunstância, acima de qualquer suspeita, garantindo o cumprimento dos deveres de isenção, independência, salvaguarda do dever de sigilo profissional, decoro, probidade e salvaguardar a dignidade da profissão, razão pela qual se impõe com especial acuidade que a Advogada requerente enquanto se mantiver a exercer os mandatos forenses que lhe foram confiados, afira em permanência da respetiva compatibilização com o cumprimento dos deveres deontológicos.
V – Conclusões
1 – O EOA versa, em capitulo próprio, designadamente nos artigos 111º e 112º sobre os deveres a observar nas relações estabelecidas entre Advogados;
2 – Para salvaguarda dos princípios e valores da solidariedade profissional, cordialidade, urbanidade, honorabilidade e eventual prevenção de pleitos inúteis passiveis de resolução pela via consensual, a EOA consigna no respetivo artigo 96º que antes de um Advogado intervir em processo disciplinar, judicial ou de qualquer outra natureza contra uma Advogado ou um Magistrado deve comunicar-lhes por escrito a sua intenção e as suas motivações.
3 - No caso em análise, a Advogada Requerente, ainda que, parca na explicação das razões subjacentes, cumpriu o dever de informar previamente o Advogado visado da intenção de contra si pleitear.
4 – Neste quadro, este Conselho Regional não dispõe de elementos que lhe permitam apreciar quaisquer condutas processuais adotadas subsequentemente por nenhum dos Advogados em causa.
5 – De igual modo, não foram alegados nem carreados elementos concretos para emitir qualquer pronúncia quanto à eventual (in) existência de conflito de interesses na assunção do patrocínio de quatro arguidos no mesmo processo de natureza criminal.
É este o nosso parecer.
[1] Que se mantém inalterada, não obstante as alterações introduzidas ao Estatuto da Ordem dos Advogados pela Lei nº 6/2024 de 19 de janeiro, em vigor desde 1 de abril de 2024;
[2] Neste sentido, veja-se o Parecer do Conselho Superior de 7 de novembro de 2006.
Sandra Gil Saraiva
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