PARECER Nº 12/PP/2024-C
PROCESSO DE PARECER
12/PP/2024-C
Por comunicação escrita dirigida a este Conselho, veio a senhora Dra. MFM..., Advogada, requerer a emissão de parecer, no sentido de se apurar se é exigida a aposição de rúbrica em todas as páginas (designadamente nas que não têm assinatura) de um requerimento de pedido de instauração de procedimento especial de justificação de prédio rústico e misto omisso, cujas assinaturas nele apostas tenham sido reconhecidas por Advogado(a).
A matéria sobre a qual versa o pedido de parecer formulado enquadra-se no âmbito das questões de carácter profissional, abrangidas pelo disposto no artigo 54º, nº 1, alínea f), do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro, na sua versão actualizada, (doravante designado, de modo abreviado, por E.O.A. ou Estatuto), que se insere na delimitação territorial do Conselho Regional de Coimbra.
Sendo que, na esteira do entendimento acolhido no seio da Ordem dos Advogados, as questões de carácter profissional são todas as que assumam natureza estatutária, resultantes do conjunto de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, emergentes, em especial das normas do Estatuto, bem como, de todo o leque de normas exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio conferido à Ordem dos Advogados.
Os magistrados, agentes de autoridade e trabalhadores em funções públicas devem assegurar aos(às) advogados(as), aquando do exercício da sua profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas para o cabal desempenho do mandato - cfr. artigo 72.º do E.O.A.
Estamos, pois, perante uma questão que se relaciona com as garantias da advocacia e, consequentemente, uma questão de carácter profissional.
No entanto, importa esclarecer que, apesar de a requerente enfatizar o tipo de requerimento ou de procedimento em causa para fundamentar o pedido de parecer, a verdade é que consideramos que o cerne da questão se prende com a determinação da (in)exigência de rúbrica de todas as páginas de documentos em que se encontrem apostas assinaturas que tenham sido reconhecidas por advogados(as), pois que, só neste caso estaremos perante uma questão de carácter profissional.
Aliás, nem teria este Conselho Regional competência material para ajuizar a (i)legalidade da actuação de determinada Conservatória a respeito do preenchimento dos requisitos dos requerimentos a apresentar se tal não contendesse, de algum modo, com as competências e prerrogativas dos(as) advogados(as).
Ademais, apesar de ter sido requerido “confirmação deste entendimento de que para admissibilidade do Procedimento Especial de Justificação bastam as assinaturas reconhecidas presencialmente (dos declarantes), sem necessidade de rubricar as demais páginas”, sendo os pareceres emitidos pela Ordem dos Advogados revestidos de isenção e de imparcialidade, o parecer que agora se emite visará responder, de forma objectiva, à questão infra colocada, independentemente do entendimento da requerente.
Feitas estas notas introdutórias, o Conselho Regional de Coimbra é, assim, material e territorialmente competente para conhecer do objecto do pedido de parecer, impondo-se a sua emissão.
Isto posto, examinado o pedido de parecer, cumpre responder à seguinte questão:
Pode um senhor(a) conservador(a) do registo predial recusar um pedido de instauração de procedimento especial de justificação de prédio rústico e misto omisso, cujo formulário contenha assinaturas objecto de reconhecimento por advogado(a), com fundamento no facto de as páginas do respectivo formulário, que não foram assinadas, se encontrarem por rubricar?
Vejamos,
Importa recordar que os(as) advogados(as) podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, e que estes conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial (cfr. n.º 1 do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, na sua versão actualizada).
Por força da remissão daquela disposição para a “lei notarial”, além do requisito relativo ao registo informático que consta daquele artigo 38.º, todos os demais requisitos e formalidades de elaboração de tais actos deverão ser procurados no Código do Notariado (Decreto-Lei n.º 207/95, de 14 de Agosto, na sua versão actualizada, e diplomas avulsos aplicáveis à actividade notarial).
A acrescer, dispõe a alínea a) do n.º 3 do artigo 19.º-B do Decreto Regulamentar n.º 9-A/2017, de 3 de Novembro (na redacção introduzida pelo Decreto Regulamentar n.º 4/2019, de 20 de Setembro) que, com o pedido de instauração do procedimento especial de justificação de prédio rústico e misto omisso, o requerente deverá apresentar “declarações prestadas por três declarantes, com assinaturas reconhecidas presencialmente, salvo se forem feitas perante o funcionário do serviço de registo no momento do pedido, que confirmem as declarações do interessado”.
E o n.º 1 e n.º 4 do artigo 35.º do Código do Notariado que “os documentos lavrados pelo notário, ou em que ele intervém, podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento notarial” e, por sua vez, “têm reconhecimento notarial os documentos particulares cuja letra e assinatura, ou só assinatura, se mostrem reconhecidas por notário”.
Portanto, da conjugação destas normas, resulta claro e inequívoco que um documento particular cujas assinaturas nele apostas tenham sido objecto de reconhecimento por advogado(a) constitui um “acto notarial”.
Ora, analisado o formulário que foi remetido à Conservatória pela senhora Advogada requerente e que esta, por correio electrónico datado de 18 de Julho de 2024, veio juntar ao pedido que determina a emissão do presente parecer, constata-se que as páginas do mesmo, que não foram assinadas por nenhum dos intervenientes, encontram-se por rubricar.
A acrescer, na página onde se encontram apostas as assinaturas que foram objecto de reconhecimento pela senhora Advogada, não consta qualquer numeração, assinatura, carimbo ou rúbrica desta.
Tais omissões, salvo melhor opinião, violam o previsto no artigo 52.º do Código do Notariado que refere que: “As folhas dos instrumentos lavrados fora dos livros, com excepção das que contiverem as assinaturas, são rubricadas pelos outorgantes que saibam e possam assinar, pelos demais intervenientes e pelo notário.”
Mais, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 157.º do Código do Notariado, “o notário deve recusar o reconhecimento da letra ou assinatura em cuja feitura tenham sido utilizados materiais que não ofereçam garantias de fixidez e, bem assim, da letra ou assinatura apostas em documentos que contenham linhas ou espaços em branco não inutilizados”.
Face ao exposto, entendemos que para que a finalidade da exigência do reconhecimento de assinatura deste tipo de requerimento fosse devidamente salvaguardada e garantida, impunha-se que todas as páginas do aludido formulário/requerimento contivessem as assinaturas ou rúbricas dos declarantes e da senhora Advogada que as reconheceu.
Pois que, por um lado, tratando-se de um documento físico e de assinaturas manuscritas, facilmente a folha anexa onde consta o reconhecimento de assinatura poderá ser retirada daquele concreto formulário e acoplada a outro requerimento que não tenha sido objecto de reconhecimento pela senhora Advogada.
Por outro lado, uma vez que apenas assim se poderá garantir que as assinaturas objecto de reconhecimento foram efectivamente aquelas e não outras e ainda que se reportam às declarações constantes do requerimento/formulário aqui em causa.
CONCLUSÕES
I. As páginas de um documento cujas assinaturas tenham sido objecto de reconhecimento por Advogado(a), devem ser rubricadas e/ou assinadas, nos termos do disposto no artigo 52.º e no n.º 3 do artigo 157.º, ambos do Código do Notariado.
II. A recusa de um pedido de instauração de procedimento especial de justificação de prédio rústico e misto omisso, cujo formulário contenha assinaturas objecto de reconhecimento por parte de Advogado(a), com fundamento no facto de as páginas do respectivo formulário, que não foram assinadas, se encontrarem por rubricar, não configura uma violação das garantias da advocacia, previstas no artigo 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
É este, salvo melhor entendimento, o nosso parecer.
Emanuel Simões
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