Pareceres do CRCoimbra

PARECER Nº 17/PP/2024-C

Parecer n.º 17/PP/2024-C

 

Requerente: Dra. Helena ...

Assunto: Conflito de Interesses

 

Por requerimento, remetido por via de correio electrónico, em 02 de Maio de 2024, dirigido à Senhora Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a Ilustre Colega Dra. Helena ..., ali devidamente identificada, solicitou a emissão de parecer relativo a eventual conflito de interesses, o qual se transcreve infra:

“Helena ..., advogada com a cédula profissional nº 1…L

Vem, junto de V. Exa., mui respeitosamente, requerer o parecer sobre o conflito de interesses com a violação nos termos do art.º 97º e 99º, consagrados nos EOA, com remissão para os art.ºs 280º nº 2 e art. 334º do cc, porquanto;

 

Helena ..., é autora no processo cível acima identificado, (impugnação das deliberações – artº. 1433cc) que corre seus trâmites junto ao Juízo Central Cível – S ... – Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca de S ...;

 

A requerente é advogada em causa própria;

 

A requerente, é proprietária e em simultânea condómina de uma fracção autónoma, do Edifício Nova ..., sito, …;

 

4.º

O “Edifício Nova ...”, de acordo com o título constitutivo é composto por 35 condóminos;

 

O Edifício Nova ..., é gerido pela empresa GES..., LDA – GESTÃO DE CONDÓMINIOS DE ..., LDA, e de acordo com a certidão comercial permanente que se anexa (doc 1) como do mencionado nas actas, nomeadamente, a acta n.º 34, diz “Ficam nomeado gerentes da sociedade ambos os sócios” – Eld ... e Maria ...”;

 

Conforme, o referido na acta n.º 34, “acta adulterada entre outras..” que se anexa, (doc 2) vidé fls 18 ss, a supa acta diz o seguinte: “Presidiu à assembleia o Dr. Eld ... em representação da administração que verificando estar presente o número necessário para formar “Quórum” () e assim poderem deliberar nesta assembleia, deu início os trabalhos seguindo a ordem da convocatória”..

 

A Gesc..., Lda declarou aceitar e exercer a funções de administrador do condomínio. Em função desta nomeação foi estabelecido o contrato de prestação de serviços entre o condomínio do “Edifício Nova ... e a Gesc... – Lda” pelo período de um ano. Os honorários a pagar à empresa contratada são os constantes do orçamento a aprovar na rubrica “Serviço Administrativo”. Os serviços a prestar são os constantes do art.º 1436.º do Código Civil;

 

8.º

Ora, um dos gerentes da Gesc... - Lda é advogado – Dr. Eld ..., portador da cédula profissional n.º 5…c, tendo apresentado uma declaração no âmbito do processo cível n.º 1078/21.9T8…, como advoga em causa própria, cfr, (doc2) fls n.º 17 da certidão judicial que se anexa; Saliento, o contrato de prestação de serviço foi celebrado com a empresa Gesc... - Lda, e não com o Dr. Eld ...!

 

9.º

Sendo, o Dr. Eld ... advogado do condomínio do Edifício Nova ..., tem um contrato de mandato, logo, é advogado de todos os condóminos que são 35 de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal, e, em simultâneo é mandatário dos condóminos que assinaram a acta n.º 34 datada 29-09-2021, procurações forenses individuais apresentadas com a contestação, cfr, fls n.º 60,61,62, 63 e 64 (doc2)que se anexa com a certidão judicial; Em suma: Dr. Eld ..., na qualidade de gerente da Gesc... – Lda tem um contrato de prestação de serviços e um segundo contrato designado de contrato de mandato, (35 condóminos) com o Edifício Nova ... e ainda um terceiro contrato de mandato com condóminos individualmente considerados(acta n.º 34);

 

10.º

Porém, e de acordo com todas as actas anteriores e também de acordo como acta n.º 34, nunca, em nenhuma reunião ordinária ou extraordinária foi escolhido ou discutido ou mencionado quem era o mandatário do Edifício Nova ..., mas como gerente da Gesc... - Lda, intitulou-se mandatário;

 

11.º

Ora, o que me apraz dizer é que o Dr. Eld ... é advogado da requerente (autora processo judicial 1078), onde esta é condómina e proprietária da fracção autónoma no Edifício Nova ..., ou seja, a requerente/autora esta - lhe a pagar os seus honorários através da sua quota parte, sobre um prestação de serviço e de mandato à Gesc..., - Lda, ainda está a pagar-lhe parte os seus honorários ao Dr. Eld ..., que está advoga contra si! O Ex.mo Dr. Eld ... tem dupla função em relação à autora, aqui requerente!!!!!!!

 

12.º

Por outras palavras digo: O Sr. Dr. Eld ... sendo advogado do condomínio, é também advogado dos RR (proc. n.º 1078/21.9T8…) é em simultâneo se é no processo 1078/21.9T8… se é advogado do condomínio é advogado da autora, porque a autora é parte do condomínio, sem a autora não se pode falar em condomínio, porque, a autora é proprietária e condómina, sendo a acção de impugnação das deliberações acção de condóminos contra condóminos, pois, ainda, teve o desplante de remeter-lhe o aviso pagamento, exigindo parte do pagamento sobre os seus honorários, no âmbito do processo 547/19.5T8… – Juízo Central Cível de S ... e processo n.º 949/19.7T8…-A , em proporção do valor da sua fracção cfr, doc 3,4,5 e 6 que se anexa e que se reproduz para todos os efeitos legais;

 

13.º

Esclareço, que o Dr. Eld ... nas “actas condominais”, nomeadamente, em todas actas desde 2013 até à presente data, não diz que é administrador, nas “actas” diz é o presidente da assembleia e até assina, quando, ele é um administrador camuflado, sendo um gerente da Gesc... – Lda;

 

14.º

A prova mais evidente são todas as actas e os documentos adulterados em todos os processos judiciais, nomeadamente, no âmbito do processo n.º 949/19.7T8…-A, penhora ilícita, e processo n.º 547/19.5T8...-Juízo Central Cível de S ... -Juiz 2, ainda, no processo n.º 15201/1…- Juízo de Execução do …, como no processo n.º 15669/1.. – Juízo de execução do …- todas penhoras ilícitas;

 

15.º

A requerente, entende salvo o devido respeito por opinião contrária que existe conflito de interesses, existindo conexão entre todos os processos executivos e cíveis do “Edifício Nova ...”, o Ilustre causídico Ex.mo Senhor Doutor Eld ..., age por conta da autora e dos RR, como também age por conta dos exequentes e executados, com a devido vénia, viola reiteradamente normas deontológicas e de interesses de ordem pública normas estas violadas pelo senhor advogado, consagradas nos art.º 97º e 99.º do EOA e nos art.ºs 280 n.º 2 cc e 334 CC;

 

16.º

Entende, a requerente salvo melhor opinião que para além do “conflito de interesses” também, existe “incompatibilidade e impedimentos”, devido as circunstâncias concretas ocorridas no âmbito dos processos n.º 547/19.5T8... e processo n.º 949/19.7T8..., deveria o Tribunal Judicial de S ..., com a devida vénia recusar o mandato forense, uma vez que a ação é condóminos contra condóminos, ainda com a agravante que o senhor advogado Eld ..., é arguido nos seguintes inquéritos;

Inquérito n.º 547/20.2 T9... – DIAP – Secção Única (Trib. J. E…)

Inquérito n.º 733/22.0T9… – DIAP- 3ª Secção (Trib. Judicial Comarca de S ...)

Inquérito n.º 670/22.9PH… – DIAP – 6ª Secção (Trib. J. C. L…)

Inquérito n.º 656/22.3T9... – DIAP – Secção Única (Trib. J. T..)

Inquérito n.º 127/22.8T0... – DIAP – Secção Única (Trib. J. T..)

 

17.º

Para se aferir a incompatibilidade e impedimentos, estando cinco processos em segredo de justiça, apenas digo, que tudo gira à volta do condomínio Edifício Nova ..., sendo os seus objectos, violação do domicílio profissional, furto qualificado, extorsão, difamação e denuncia caluniosa, abuso de poder, falsificação de documentos e outros adulterados como contrafação de documentos, falsas declarações, desobediência, suborno, prevaricação de advogado entre outros:

 

18.º

A requerente está impedida de detalhar e fundamentar as incompatibilidades e impedimentos, devido às regras deontológicas e processuais, cfr, consta nas fls 37 a 59, reafirmo, que o Senhor Advogado Eld ..., adulterou uma acta (05-04-2018), simulou uma dívida e mandou assinar em cafés essa dita acta/31, de modo a mesma ser considerada título executivo, tendo penhorado à requerente a sua conta bancária no valor de €3.000,00. Acto ilícito que tem dado origem à impugnação das deliberações e aos processos crimes já referidos, e que não fica por aqui…!!!;

 

19.º

É completamente surpreendente e se comunica a V. Exª., a título informativo sobre esta temática que o Meritíssimo do Juízo de Execução do Entroncamento, com a devida vénia não soube somar que 2 + 2=4 nem soube fazer uma reconciliação à conta corrente da requerente, nem soube somar recibos nem soube analisar uma certidão de teor sobre o imóvel, nem analisou ou soube interpretou uma acta conferindo as assinaturas da acta com o quórum, nem soube analisar o saldo que é credor, tendo a sentença sido desfavorável à requerente, que não são mais que feridas da justiça actual que parecem bem fundas, questiono - me: Onde param os Homens da Boa Justiça… (Inquérito n.º 656/22.3T9... – DIAP – Secção Única Trib. J. T…)

 

20.º

O que me apraz dizer é que o senhor advogado Eld ... não se regulando pela deontologia, enquanto conjunto de regras de comportamento, assentes nos costumes e na moral, que regulam o exercício da profissão, com a acta n. 34 (29-09-2021), vidé fls 18 a 31 da certidão judicial que se anexa, pretendeu, mais uma vez simular uma outra acta/34, simulando mais uma dívida de €2.041,77 cfr, fls 37 e 38 e extorquir à requerente esse montante através de um outro título executivo, acta/34 que a ora requerente impugnou nos termos do art.º 1433 cc, tendo instaurado o presente processo n.º 1078/21.9T8....

 

21.º

Com tudo o que a requerente vem relatando, entende com a devida vénia que existem conflitos de interesses, porque é inconcebível em democracia ser advogado da autora e dos RR , viola normas de acordo com o disposto no art.97 a 99 dos EOA, violação ao art.º 1429 A cc, art.º 1432 cc e art.º 1437cc e art 25 n.º 2 al d), e artigo 26 n.º 1 e 2 e 3 alínea a)b) e c) do RCP e ainda art.º 533.º n.º 2 e 540 CPC (ac. TRL Processo n.º 15187/19.0T8….L1).

 

22.º

No âmbito do processo cível n.º 547/19.5T8... – Juízo Central Cível de S ...- Juiz 2, (imp. das deliberações) a autora, aqui requerente requereu ao Tribunal o conflito de interesses e excesso de mandato não tendo o Meritíssimo se pronunciado sobre o conflito de interesses, tendo, pronunciado e indeferido o requerimento por não existir excesso de mandato, mas salvo melhor opinião em caso de dúvida poderia ter solicitado parecer à Ordem dos advogados, assim, houve omissão de pronuncia em violação do disposto no art.º 608.º n.º 2 CPC;

 

23.º

Ora, em face do que se disse no articulado n.º 9 e 11 pretende a requerente voltar a requerer, o conflito de interesse, agora, no âmbito do processo 1078/21.9T8... – Juízo Central de S ... – Juiz 2, devido à existência de violação ao código deontológico art.º 97 e 99 EOA, de modo que o senhor Advogado Eld ... seja substituído, em virtude de não ter um comportamento digno, não respeitando os estatuto e a Lei, incumprindo escrupulosamente, a retidão, lealdade, probidade, honestidade, que são obrigações profissionais sendo as mesmas incumpridas reiteradamente, pondo, em risco mais o desfecho nefasto no processo judicial, porque em simultâneo patrocina a autora/ condomínio e os RR;

 

24.º

Paralelamente à problemática do “conflito de interesses”, onde existe conexão entre todos os processos judiciais mencionados tanto em cível como penal, vicissitudes que origina a violação do segredo profissional e Segredo de Justiça diminuindo a independência da requerente e do próprio Dr. Eld…, que age em nome do “Edifício Nova ...”, dos “RR” e da autora/condómina “Helena ...”, até porque o senhor advogado celebrou um contrato de prestação de serviço em nome da sua empresa Gesc... - Lda, ainda aceitou patrocinar judicialmente o condomínio e ainda alguns condóminos, violando, sistematicamente as regras deontológicas.

Em face de todo o explanado, requer-se a V. Exª., que seja emitido parecer sobre o conflito de interesses, nomeadamente, sobre a conduta do Sr. Dr. Eld ... que não recusou o patrocínio com a Gesc... – Lda nem com os RR;

Mais se requer, e, caso haja conflito de interesses que seja extraída certidão com caracter de urgência para se apresentar junto ao processo n.º 1078/21.9T8... - Juízo Central Cível de S ... - Juiz 2, uma vez que existem prazos a decorrer.”

 

Por ofícios remetidos por via de correio electrónico, em 08 de Maio de 2024 e 20 de junho de 2024 respectivamente, o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, solicitou à Consulente a remessa da prova documental a que se refere no pedido de parecer.

Em 25 de junho de 2024, a Consulente respondeu aos aludidos ofícios, nos termos que se transcrevem infra:

“Ex.mos. Senhores,

Em reposta ao vosso email, anexo 6 documentos.

Ainda,

reconheço que o parecer é confuso, uma vez que o meu Il. Colega desempenha vários cargos, espero esclarecer:

Assim, O Dr. Eld…:

- É advogado;

- É sócio e gerente da empresa Gesc...-Lda;

- É administrador do condomínio, no Edifício Nova ..., e, presidindo as reuniões de condomínio.

- É advogado do condomínio, do Edifício Nova ... – passando uma procuração forense a si mesmo;

- É advogado de certos condóminos individualmente;

- Se é advogado do condomínio é advogado da requerente (autora), porque a autora é condómina.

- Em acções cíveis “impugnação de deliberações” a autora advoga em causa própria, enquanto o Dr. Eld ..., como advogado representa o condomínio, quando a autora escolhe a tese de instaurar acção contra o condomínio. Quando a autora escolhe a tese minoritária, instaurando a acção contra condóminos, é também advogado desse grupo de condóminos e ainda das partes comuns do edifício.

- Ou seja, o administrador sendo advogado instruí os condóminos, criando e angariando clientes e processos judiciais sem fim….

Em face do exposto, espero parecer sobre o conflito de interesses.”

 

O referido pedido foi distribuído ao aqui Relator, em 06 de Setembro de 2024, para emissão do correspondente parecer.

Em síntese, a Consulente pretende que o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados se pronuncie relativamente a um eventual conflito de interesses de advogado que, sendo sócio de uma empresa de administração de condomínios, numa acção de impugnação de deliberações, referente a uma acta de assembleia ordinária de condóminos de um edifício subordinado ao regime da propriedade horizontal, é mandatário dos réus, condóminos desse prédio, e advogado em causa própria, porquanto foi pessoalmente demandado, na qualidade de administrador de condomínio, na aludida acção.

Feito o enquadramento do pedido de parecer efectuado, cumpre, neste momento, aferir da competência do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados para a respectiva emissão.

Nos termos do disposto no artigo 54º, nº 1 alínea f) do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 145/2015 de 9 de setembro, na sua versão actual (doravante designado por EOA), que compete aos Conselhos Regionais, no âmbito da sua competência territorial, “Pronunciar-se sobre as questões de carácter profissional;”.

A jurisprudência da Ordem dos Advogados tem sido unânime em definir como questões de carácter profissional todas as que assumam natureza estatutária, resultantes de regras, usos e costumes que regulam o exercício da advocacia, decorrentes, em especial, das normas dos Estatuto e de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo do poder regulamentar próprio conferido à Ordem dos Advogados.

            Considerando, de acordo com o supra vertido, que este Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados é competente, material e territorialmente, cumpre emitir parecer quanto à questão suscitada no presente processo.

            Compulsado o teor do requerimento apresentado pela Consulente, verifica-se uma profusa referência a diversos processos  judiciais, nos quais se repetem os visados no presente parecer, exercício supérfluo que desvia o foco da questão essencial.

Assim, cumpre analisar, para efeitos do presente parecer, um eventual conflito de interesses, decorrente da conduta profissional do Ilustre Colega que, sendo sócio gerente de uma empresa de administração de condomínios, preside, nessa qualidade, uma assembleia de condóminos, na qual são aprovadas deliberações, ulteriormente impugnadas judicialmente, e que, nessa sede, se constitui mandatário de diversos Réus.

            A questão suscitada pela Consulente é de foro deontológico, concretamente sobre eventual conflito de interesses, concretamente por violação do dever do Advogado se abster de praticar actos próprios da profissão em casos nos quais interveio noutra qualidade, diferente da de advogado constituído.

No que tange ao conflito de interesses, importa examinar o seu contexto jurídico para, de seguida, verificar a sua aplicabilidade à situação em análise.

A problemática do conflito de interesses no exercício da advocacia encontra-se regulada no artigo 99.º do EOA, que dispõe o seguinte:

Artigo 99.º

Conflito de interesses

“1 - O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.

2 - O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

3 - O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

4 - Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

5 - O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.

6 - Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”

O supra citado normativo salvaguarda e preserva valores essenciais da advocacia como a independência, confiança e lealdade e, bem assim, a salvaguarda do segredo profissional.

            O artigo 99º do EOA enuncia, nos seus números 1 e 2, situações que determinam, ao advogado, a recusa, perentória, do patrocínio.

            Assim, o advogado deve abster-se de assumir o mandato:

- Em questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade;

- Em questão conexa com outra em que represente ou tenha representado a parte contrária;

- Em questão contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.

O nº 3 do citado artigo determina, ainda, que o advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.

Por seu turno, o nº 4 dispõe sobre a hipótese de um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como, sobre a hipótese de ocorrer risco de violação do segredo profissional ou diminuição da sua independência, situações em que o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.

Nos termos do n.º 5, o advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, procurando-se, assim, defender a comunidade e os clientes dos advogados em especial, de atuações ilícitas destes, conluiados ou não, com outros clientes, bem como, defender o advogado da hipótese de sobre ele recair a suspeita de uma atuação visando qualquer outro fim, que não a defesa intransigente dos direitos e interesses do seu cliente.

            Finalmente o nº 6 determina que sempre que o advogado exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores do artigo 99º do EOA é aplicável quer à associação, quer a cada um dos seus membros.

Sendo certo que, em regra, o processo de aferição da existência ou não de um conflito de interesses é um exercício eminentemente casuístico, certo é que o legislador estabelece, a priori, alguns casos em que o conflito de interesses impõe um dever de recusa do patrocínio, não porque em concreto e no imediato se verifique o conflito de interesses, mas porque, objetivamente, as circunstâncias, em si mesmo, promovem esse conflito.

            Retomando a análise da situação concreta, resulta, a priori, sistematicamente preenchida a previsão contida na primeira parte do nº 1 do artigo 99º do EOA, que impõe ao advogado o dever de recusar o patrocínio do cliente em questões onde já tenha intervindo em qualquer outra qualidade.

Com efeito, resulta inequivocamente da prova documental junta pela Consulente que:

a)   O Advogado Eld… é sócio-gerente da sociedade Gesc... – Gestão de Condomínios de …;

b)   A Gesc... – Gestão de Condomínios de … é administradora do condomínio do Edifício Nova ...;

c)    No dia vinte e nove de setembro de 2021, pelas 19h30m, reuniu no hall de entrada do edifício a assembleia ordinária de condóminos do edifício em propriedade horizontal da Rua …, com o número de entidade equiparada a pessoa colectiva 90104…;

d)   A assembleia foi presidida pelo Advogado Eld ..., na qualidade de representante legal da sociedade administradora do condomínio;

e)   Nessa assembleia foram votadas e aprovadas deliberações;

f)     Essas deliberações foram impugnadas judicialmente pela Consulente;

g)     Na acção de impugnação de deliberações proposta, o Advogado Eld ... é mandatário constituído de quatro réus, condóminos presentes na referida assembleia.

É pacificamente adquirido, com base na prova documental junta, que o Advogado Eld ... interveio, na qualidade de representante legal da sociedade administradora do condomínio, na assembleia cujas deliberações foram mais tarde impugnadas em sede de acção de impugnação de deliberações pela Consulente.

Nesse processo judicial, o Advogado visado assumiu o patrocínio de diversos Réus, decisão que contraria o disposto no artigo 99º nº 1 do EOA que, recorde-se, regula diversas situações em que o Advogado deve recusar o patrocínio, porquanto as mesmas comportem, inevitavelmente, a independência, confiança, lealdade e dever de guardar sigilo profissional, ainda que as mesmas resultem de intervenções anteriores, em qualquer outra qualidade.

Pelos motivos aduzidos e sem necessidade de maiores considerandos, entendemos que existe um conflito de interesses do Advogado visado, no exercício do mandato forense em representação dos Réus na acção, resultante da sua prévia intervenção na assembleia de condóminos, na qualidade de representante legal da sociedade administradora de condomínio, cujas deliberações estão em dissídio nos Autos.

Considerando que o advogado deve estar, em qualquer circunstância, acima de qualquer suspeita, pugnando pelo rigoroso cumprimento dos deveres de isenção, independência, salvaguarda do dever de sigilo profissional, decoro, probidade e dignidade da profissão, deve o Advogado Eld ... cessar, de imediato, o patrocínio de todos os Réus no processo a que respeita e se destina a presente pronúncia.

Terminamos, salientando que o presente parecer se repercute, exclusivamente, ao caso concreto apresentado, ou seja ao âmbito da acção de impugnação de deliberações em juízo, a que respeita a presente pronúncia, pelo que as considerações aqui tecidas não deverão ser extrapoladas para outros processos judiciais em curso, ainda que com idênticos intervenientes.

 

Conclusões:

 

1.      A questão do conflito de interesses, no que ao exercício da Advocacia concerne, encontra-se regulada no artigo 99.º do EOA, no qual são elencadas as situações concretas em que o Advogado deve recusar o patrocínio, por se afigurar que naqueles casos concretos a independência, confiança, lealdade e dever de guardar sigilo profissional, podem ficar irremediavelmente comprometidos;

2.      Este artigo, cujas normas remetem, sempre e em primeiro lugar, para a consciência individual do advogado, tem como objectivo a protecção da comunidade, a defesa do próprio advogado, dignificar a profissão, por via da preservação dos valores da lealdade, isenção, independência, confiança e decoro, fundamentais ao exercício da advocacia;

3.      O artigo 99º nº 1 do EOA obriga o advogado a recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade, por ser potenciadora de conflito de interesses;

4.      O Advogado que, na qualidade de representante legal de uma sociedade administradora de condomínio, intervém em assembleia de condóminos, fica automaticamente impedido de exercer o mandato forense em representação de qualquer dos intervenientes processuais, em acção de impugnação das deliberações tomadas nessa assembleia;

5.      O Advogado que se encontre em situação de conflito de interesses deve cessar o mandato que lhe foi conferido.

 

O Conselho Regional de Coimbra detém competência para a emissão do presente parecer, por lhe estar subjacente situação e conduta praticada por Advogado com escritório na sua área de circunscrição territorial, por um lado, e porque em causa está questão de carácter profissional expressamente submetida à sua apreciação, nos termos do art. 54º, nº1, al. f) do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), por outro.

                São questões de carácter profissional todas aquelas que se prendem com o exercício da advocacia, tradicionalmente concebidas como decorrentes do conjunto de princípios, regras, usos e costumes que regulam a profissão resultantes, em especial, das normas do nosso Estatuto e de todo o leque de normas regulamentares exaradas ao abrigo de poder regulamentar próprio, conferido pelo Estado à Ordem dos Advogados. (neste sentido, a Consulta nº31/2007, Relatada por Sandra Barroso e o Parecer 20/2015, Relatado por Rui Souto, ambos do ora Conselho Regional de Lisboa).

            Os poderes atribuídos aos Conselhos Regionais para a emissão de parecer têm, necessariamente, de ser harmonizados com a competência específica conferida a outros órgãos da estrutura da Ordem dos Advogados, como é o caso dos Conselhos de Deontologia a quem cabe o exercício do poder disciplinar e de zelar pelo cumprimento das normas de deontologia profissional (art. 58º do EOA).

                O respeito pela estrutura orgânica e consequente repartição de funções e competências materiais para o seu exercício, determina, pois, que o Conselho Regional de Coimbra – no que importa à apreciação de assuntos referentes a deontologia ou ética profissional – apenas possa pronunciar-se quanto a tais matérias, em termos de mera orientação, em estrita resposta à consulta colocada.

            O exercício da indicada competência ocorre, como se disse, por via da resposta às questões profissionais que lhe são colocadas, sem embargo, contudo, de, por respeito ao princípio da legalidade, comunicar ao Conselho de Deontologia de Coimbra, para os efeitos tidos por convenientes, os casos identificados como condutas passíveis de configurar violação de deveres e princípios ético-deontológicos.

            No caso em apreço, consumada a violação do dever incluso no artigo 99º nº 1 do EOA e porque uma situação de tal natureza se revela apta a configurar conduta disciplinarmente censurável, impõe-se a extracção de certidão do mesmo e da aludida documentação e a sua remessa ao Conselho de Deontologia de Coimbra, para os efeitos tidos por convenientes.

É este o nosso parecer.

 

Carlos Santos Silva

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